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Quem é o maior inimigo do agro brasileiro?

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Por Raoni Rajão e Eduardo Assad

É inegável que existem interesses comerciais de diferentes países contra o agronegócio brasileiro. Afinal, cada país precisa buscar objetivos próprios que nem incluem uma pauta de abertura para os produtos do Brasil. Mas, quando os interesses estrangeiros tendem para um maior fechamento dos mercados, automaticamente partes importantes do agronegócio colocam a culpa naqueles que denunciam os problemas ambientais do País. Portanto, a tendência do setor é repetir o mantra de que o agro do Brasil já é o mais sustentável do mundo, que nosso único problema é de comunicação e que, se matarmos o mensageiro, acusando-o de “inimigo do agro”, o problema será resolvido.

A essa propensão se soma, também, uma certa arrogância de parcela do agro que se sente insubstituível, baseada na crença de que sem os produtos brasileiros o mundo irá morrer de fome. Essa visão simplista ignora um contexto internacional competitivo, em que discussões sobre soberania alimentar e geopolítica climática se encontram.

Existe um embate no coração da União Europeia, onde a Alemanha, com apoio dos Países Baixos e de Portugal, busca empurrar o bloco na direção de uma maior abertura comercial, de modo a se beneficiar das exportações de produtos industrializados e comprar alimentos mais baratos. Já a França e a Irlanda, tradicionalmente, defendem a pauta da soberania alimentar, buscando subsídios maiores para os produtores do bloco. Um dos poucos temas que unem todos esses países é a noção de que a Europa precisa ser um líder climático. Esse objetivo geopolítico implica não só a transição para uma economia de baixo carbono, mas também a construção de regras que proíbam a importação de produtos ligado ao desmatamento.

O Reino Unido, mesmo fora do bloco, segue a mesma tendência, já tendo aprovado uma lei que impede a importação de produtos vinculados ao desmatamento ilegal, enquanto a China e os Estados Unidos divulgaram uma declaração conjunta na mais recente Cúpula do Clima com o mesmo objetivo.

Com o desmonte das políticas ambientais, nossos maiores compradores já estão se preparando para um cenário em que o Brasil será, aos poucos, colocado em segundo plano por causa do desmatamento. Desde o fim dos anos 1990 a União Europeia discute formas de reduzir a dependência da importação de soja de outros países, e já identificou um potencial de expansão em áreas agrícolas abandonadas no leste europeu que somam 52 milhões de hectares, o que corresponde a boa parte da área dedicada aos grãos no Brasil. Mais recentemente, a China tem seguido por um caminho similar. Após sinalizar que está buscando reduzir sua dependência do Brasil com investimentos vultosos em países africanos, na Argentina, anunciou que irá aumentar a produção doméstica de soja em 40% como parte do seu novo Plano Quinquenal, com foco na soberania alimentar.

Por isso, enquanto o Ministério da Agricultura brasileiro projeta um aumento de mais de 32% na exportação de soja e milho até 2030, a contraparte chinesa indica que o país irá aumentar em menos de 10% a importação de soja e reduzir em 70% as compras internacionais de milho no mesmo período.

O atual conflito na Ucrânia também é peça fundamental na nova geopolítica do agronegócio global, visto que a Rússia é um dos maiores exportadores de fertilizantes do mundo e vê na Ucrânia um enorme potencial agrícola que gostaria de manter sob sua esfera de influência.

Ainda é tempo para o nosso agronegócio evitar este movimento, lento, porém sólido, de substituição dos produtos brasileiros. O País tem todos os elementos para conseguir abastecer o mundo com produtos agrícolas sustentáveis por meio de técnicas modernas como o plantio direto, a integração lavoura-pecuária-floresta e a captura de carbono pelos solos agrícolas desenvolvida pela Embrapa, universidade e empresas estaduais de pesquisas.

O desmatamento, no entanto, inviabiliza o esforço tecnológico de reduzir as emissões pela agropecuária. Por exemplo, um hectare desmatado cancela o esforço de mitigação de mais de 200 hectares de recuperação de pastagens. É difícil de falar em práticas agrícolas sustentáveis, se as atuais ações governamentais são generosas com os que praticam o desmatamento ilegal. Portanto, os verdadeiros inimigos do agro são aquela minoria que soma 2% dos imóveis rurais que desmataram ilegalmente 2/3 da área perdida desde 2008 no Cerrado e na Amazônia.

Enquanto parte do agro se deixar iludir por gurus e achar que nosso problema é só de comunicação, e não de falta de ação, teremos um futuro incerto pela frente. A nossa arrogância coletiva e falta de visão contribuíram para o fim do ciclo da cana-de-açúcar, do café, da borracha e da indústria como motores da economia. Por isso a aproximação entre a ciência e as lideranças do agronegócio é tão importante. Enquanto não aprendermos com os erros do passado, estaremos fadados a repeti-los (Raoni Rajão é professor e vice-coordenador do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG; Eduardo Assad é professor da FGB e ex-chefe da Embrapa Informática Agropecuária; O Estado de S.Paulo, 23/3/22)

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