Corte já havia decidido contra a tese, que foi criticada por advogados especializados em direitos dos povos indígenas.
Na 12ª sessão de análise de tese do marco temporal, o STF (Supremo Tribunal Federal) concluiu o julgamento e fixou um entendimento, com previsão de pagamento de indenização prévia a proprietários de terrenos em locais ocupados tradicionalmente por indígenas.
Por 9 votos a 2, o Supremo já havia decidido, na última quinta-feira (21), que a tese era inconstitucional.
Nesta quarta (27), os ministros definiram que, caso não haja ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho (usurpação da posse) na data da promulgação da Constituição, em 1988, há “particular direito a justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis pela União”.
Além disso, nesses casos, quando é inviável o reassentamento dos particulares, “caberá a eles a indenização com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área, correspondente ao valor da terra nua paga em dinheiro e títulos da dívida agrária, se for de interesse do beneficiário”.
A possibilidade de indenização havia sido apresentada durante o voto do ministro Alexandre de Moraes em 7 de junho. Ele votou contra o marco, ou seja, foi contrário à tese que determinava que a demarcação dos territórios indígenas deve respeitar a área ocupada pelos povos até a promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988.
O ministro, no entanto, levantou a hipótese de indenização, afirmando que seu voto é para que não haja “nem oito nem oitenta” em relação à disputa do marco temporal e para garantir “posse às comunidades tradicionais sem renegar totalmente às pessoas de boa-fé o ato jurídico perfeito”.
Assim como Moraes, Dias Toffoli votou para que, caso não haja ocupação tradicional indígena ou esbulho na data da promulgação da Constituição, deve haver a proprietários particulares indenização prévia pela União e estados e colocou como critério a inviabilidade de reassentamento.
A decisão terá repercussão geral —ou seja, valerá para casos semelhantes nas instâncias inferiores do Judiciário.
A votação do Supremo já gerou reações do Congresso. Nesta quarta-feira, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado aprovou o projeto de lei a favor do marco temporal.
O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados em maio com apoio da bancada ruralista e do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), como parte da ofensiva do Congresso contra o STF.
Nesta quarta, a proposta foi aprovada pela CCJ por 16 votos a 10. O projeto de lei ainda precisa ser aprovado pelo plenário do Senado e sancionado pelo presidente Lula (PT).
ENTENDA O JULGAMENTO DO MARCO TEMPORAL
A tese do marco temporal apareceu inicialmente no julgamento da terra Raposa-Serra do Sol (Roraima), encerrado em 2009. De acordo com ela, os povos indígenas só teriam direito a territórios que estivessem ocupando na data em que a Constituição foi promulgada.
Em 2013, ao esclarecer a decisão de 2009, o STF afirmou que o marco temporal tinha sido utilizado de maneira pontual para a Raposa-Serra do Sol. O julgamento encerrado agora, que analisava disputa em torno da terra onde está o povo xokleng em Santa Catarina, rejeitou o uso da tese.
Foi o desfecho de uma controvérsia em torno da interpretação de artigo da Constituição que assegura aos povos indígenas os direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam. O resultado foi comemorado por lideranças indígenas e entidades e é uma derrota para ruralistas.
O julgamento começou em 2021 e foi retomado em diferentes sessões desde junho deste ano. Na última quinta, votaram os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e a presidente da corte, Rosa Weber. Eles acompanharam o relator do caso, Edson Fachin, contra a tese, assim como haviam feito Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes.
Kassio Nunes Marques e André Mendonça foram os únicos ministros que votaram a favor do marco.
O marco é criticado por advogados especializados em direitos dos povos indígenas, pois segundo eles validaria invasões e violências cometidas contra indígenas antes da Constituição. Já ruralistas defendem que tal determinação serviria para resolver disputas por terra e dar segurança jurídica e econômica (Folha, 28/9/23)