Por Mariliz Pereira Jorge
Antes de criticar a ONU, presidente tem de transformar discurso de palanque em ações concretas.
O discurso de Lula na ONU poderia ser resumido em uma frase: faça o que eu digo, não o que eu faço. Uma fala asséptica, que, por um lado, não compromete a imagem do país, reduzido à chacota nas passagens do último mandatário, mas fria, sem emoção e pouco transparente com a própria atuação em alguns aspectos.
A agenda feminista usada em seu discurso de campanha foi lembrada raras vezes, uma delas para cobrar da ONU ações nas quais o próprio presidente tem falhado, “equilíbrio de gênero no exercício das mais altas funções”. O presidente afirma que ele é “inexistente” na cúpula da organização, ao mesmo tempo em que se exime da responsabilidade de não ter promovido medidas para amenizar a desigualdade em seu governo.
Lula 1 (dez. 2004) teve 30,8% de mulheres em cargos de liderança. Vinte anos depois, o patamar de ocupação feminina no terceiro mandato subiu para 38,4%. Para quem fala em equilíbrio, é insuficiente. E o crescimento em duas décadas nem pode ser creditado a políticas afirmativas da gestão, mas à maior presença feminina no mercado de trabalho.
Entre os 38 ministros, apenas 10 são mulheres —patamar parecido com o de Dilma Rousseff. Além de serem pastas menos cobiçadas, cada vez que precisa satisfazer o apetite do centrão, Lula entrega a cabeça de uma mulher, como nos casos de Ana Moser e de Daniela Carneiro. Rita Serrano, então presidente da Caixa, foi substituída por um homem quando o governo lançava a campanha “Brasil sem Misoginia”. O presidente diz que, se os partidos não têm mulher para indicar, ele não pode fazer nada. Deixe aqui a sua risada.
Houve oportunidades de diminuir a desigualdade no Supremo, mas Cristiano Zanin foi nomeado no lugar de Lewandowski e Flávio Dino foi para a cadeira de Rosa Weber, o que piorou o que já estava ruim. Mas Lula acha que está em condição de cobrar das Nações Unidas a falta de representatividade feminina na Secretaria-Geral.
Primeiro, deveria fazer o dever em casa, garantir não apenas igualdade, mas equidade de gênero, e transformar discurso de palanque em ações concreta (Folha, 25/9/24)