Editorial O Estado de S.Paulo
Precariedade e problemas logísticos ameaçam afastar muitos países da conferência do clima em Belém, o que pode inviabilizar a tomada de decisões que precisam de quórum para valer.
A ameaça real de insuficiência de quórum para referendar decisões contra o aquecimento global deixa a vindoura conferência mundial do clima no Brasil na iminência de um retumbante fiasco.
O limite mínimo de participação na COP para as deliberações é de 130 países. A menos de dois meses do evento, faltam quase 60 para alcançá-lo, fato inédito em 30 anos de Conferências das Partes. Mesmo que o quórum seja alcançado, o debate já se anuncia prejudicado pelo enxugamento compulsório das delegações e pela baixa probabilidade de que as adesões se aproximem do potencial máximo, como tem sido a tradição dos encontros da ONU para unificar o combate à degradação ambiental.
A pior face de um eventual “apagão decisório” é que o risco não se deve a visões divergentes em torno de propostas objetivas – debates que seriam naturais nesta etapa preparatória, mas que nem sequer entraram em pauta. E tudo porque o Brasil ainda não conseguiu resolver os problemas logísticos derivados da escolha de Belém para sediar o encontro. A justa ambição de fazer da conferência em Belém a “COP da Amazônia” pode se transformar num pesadelo histórico, porque a reunião, nas atuais circunstâncias, tende a ser a menos representativa da História. Ao que parece, o governo de Lula da Silva ficou mais preocupado com o marketing da “COP da Amazônia” do que com a conferência em si mesma.
Estão habilitadas a participar da COP 198 partes (países e a União Europeia), signatárias da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês). Como mostrou reportagem do Estadão, até hoje as regras de votação para validar decisões da conferência – dois terços das partes, ou 130 participantes – nem sequer eram motivo de preocupação prévia em razão do alto quórum de todas as COPs. As que trouxeram os compromissos mais relevantes tiveram comparecimento praticamente integral, como a COP-21, de 2015, na França, que, com 195 signatários, instituiu o Acordo de Paris, com metas de limitar o aquecimento global a 1,5°C.
A decisão de Donald Trump, negacionista climático convicto, de sair (mais uma vez) do Acordo de Paris foi um golpe para a representatividade da COP sediada pelo Brasil, ainda que não esteja completamente afastada a participação de uma delegação técnica norte-americana e que vários Estados e empresas demonstrem disposição em seguir o pacto ambiental a despeito do decreto de Trump, como afirmou o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP-30.
O fato é que o peso do desfalque do governo dos Estados Unidos é inegável, sobretudo nos debates sobre o financiamento necessário ao combate às mudanças climáticas, diante da reiterada pregação trumpista de reprimir a adoção de restrições ambientais.
Mas quando o decreto foi assinado por Trump, em janeiro deste ano, a organização da COP-30 já era alvo de inúmeras críticas em relação à falta de infraestrutura para sediar a conferência. O governo Lula da Silva, aliás, anunciou apenas naquele mês o nome de Corrêa do Lago para presidir o evento, apesar de a escolha de Belém como sede ter acontecido – com o foguetório de sempre – mais de um ano antes, em dezembro de 2023.
Os protestos, envolvendo principalmente os altíssimos preços de hospedagem, cresceram de tom ao ponto de representantes de mais de 20 países terem entregado, em julho, um documento pedindo a mudança de sede. A carta era assinada tanto por países mais pobres, como o coletivo Países Menos Desenvolvidos, como ricos, como Canadá, Holanda, Suécia, Suíça, Bélgica e Áustria.
Somente depois de instalada a desordem o governo Lula da Silva iniciou negociações para tentar conter a disparada de preços em Belém, que supera em muito o limite tolerável das altas que normalmente ocorrem nas cidades durante grandes eventos. O governo teve bastante tempo para se preparar, mas parece ter optado pelo improviso.
O resultado disso é a desconfiança generalizada de que a COP-30, já cercada de natural ceticismo a respeito de sua eficácia diante do avanço de questionamentos sobre os custos da transição energética, pode fazer com que a conferência se transforme apenas numa oportunidade para que delegações estrangeiras testemunhem in loco a extrema precariedade de Belém e a degradação da Amazônia (Estadão, 18/9/25)