Por Ana Carolina Amaral
Fim dos combustíveis fósseis, defendido pela ONU, é ponto fraco na liderança brasileira.
Começa agora o trabalho que deve culminar na COP30, conferência de clima da ONU a ser realizada em Belém, sob presidência brasileira, no final de 2025. Lá os países terão a última chance de apresentar metas competentes para combater a crise do clima.
O diagnóstico que dá início ao processo de revisão das metas do Acordo de Paris foi publicado nesta sexta-feira (8) pela Convenção do Clima da ONU, com o relatório técnico do Global Stocktake (balanço global).
O documento reforça a necessidade da implementação das metas já no curto prazo, com a redução de 43% das emissões de gases-estufa até 2030. É o que evitaria um aquecimento global superior a 1,5°C e pouparia desastres como o desaparecimento de países-ilha.
Para além do roteiro de revisão das metas, traçado ainda na assinatura do Acordo de Paris, em 2015, há outro elemento fundamental para o combate às mudanças climáticas: a liderança política.
Após quatro anos de um governo antiambiental que transformou o desmatamento da Amazônia em crise diplomática, a eleição de Lula atraiu holofotes do mundo todo por se traduzir em uma esperança de protagonismo global na área climática.
Desde então, a diplomacia brasileira já costura apoios internacionais para mobilizar a revisão das metas definidas por cada país no acordo climático. O trabalho até a COP30 soma as articulações no bloco dos Brics, nos países florestais (que Lula reuniu em agosto em Belém) e no G20 (que será presidido pelo Brasil no próximo ano).
Ao se adiantar na liderança climática, o Brasil deve mobilizar a disposição dos países para apresentar uma revisão ambiciosa —ou apenas competente— das metas nacionais de clima do Acordo de Paris. Cada país tem até o início de 2025 para enviar à ONU sua lição de casa, cujo resultado será conhecido na COP30 e deve determinar se teremos chances de contornar o abismo climático.
Assim como Lula, Joe Biden também usou a agenda climática para recuperar o protagonismo internacional do seu país ao tomar posse após o negacionista climático Donald Trump. Ali, Biden assumiu para si o então principal tabu do acordo climático: o compromisso com a limitação do aquecimento em até 1,5°C.
Agora, com a crise climática agravada, o tabu é mais delicado. Além de atestar que os compromissos climáticos atuais levam o mundo a um cenário de aquecimento global médio de até 2,6°C, o relatório divulgado nesta sexta traz uma recomendação-chave para evitar o agravamento da crise: o fim dos investimentos em combustíveis fósseis.
Ao longo de 40 páginas, o relatório menciona sete vezes a necessidade de eliminar todos os combustíveis fósseis sem compensações de emissões. A linguagem é mais forte do que a negociada pelos países em 2021, quando o termo “eliminar” foi trocado de última hora pelo verbo “reduzir” em relação ao investimento em fósseis.
A assertividade da recomendação pode ir de encontro com a aparente disposição dos países de legitimar a continuidade da queima de carvão, petróleo e gás.
Na esteira da retomada dos investimentos europeus em fósseis, o setor se fortalece com o ganho de representação na própria presidência da COP28, que será conduzida pelo chefe da petroleira Adnoc, Sultan Ahmed al-Jaber.
Não é de se estranhar que o contra-ataque do setor fóssil ganhe agressividade justamente em um momento crucial para o clima e a política global. O lobby da economia fóssil busca ganhar uma sobrevida, quando a ciência climática e os governantes já entendem que a transição energética na direção das renováveis é certa e urgente.
Além de defender, no plano nacional, a pesquisa para exploração de petróleo na margem equatorial da Amazônia, o governo Lula evitou que qualquer compromisso com o fim dos combustíveis fósseis aparecesse no texto assinado pelos líderes dos países amazônicos na Cúpula da Amazônia, em agosto.
O contundente discurso do presidente colombiano, Gustavo Petro, no evento deu pistas da disposição de outros líderes globais para criticar e desmascarar publicamente os governantes que maquiarem de verde seus compromissos convencionais —o chamado “greenwashing”. Em recado a Lula, Petro chamou o discurso da transição energética de “negacionismo de esquerda”.
Caso abrace o setor de petróleo e gás, a liderança brasileira corre o risco de sair da cena política global muito antes dos fósseis, com a credibilidade ameaçada e a liderança questionada.
Por outro lado, se liderar pelo exemplo e conseguir renovar as ambições dos países na direção de metas climáticas competentes, o Brasil tem nas mãos a chance de realizar a promessa da potência ambiental, apontando os alicerces de um novo rumo: o do desenvolvimento resiliente ao clima (Folha, 9/9/23)