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Quase ninguém entende essa economia que pode crescer 3% neste ano

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Por Vinicius Torres Freire

Depois de três anos de erros horrendos sobre o que se passa no crescimento, é preciso descobrir se algo mudou e não vimos.

No primeiro trimestre do ano, o desempenho excepcional da economia deveu-se ao crescimento extraordinário da agropecuária e, atrelado a isso, das exportações e de alguns serviços. A surpresa do campo serviu para justificar as previsões estramboticamente erradas do crescimento do PIB.

No mais, a dita “demanda doméstica” (consumo das famílias, do governo e investimento) parecia se adequar a hipótese de economia, no mais, em desaceleração. O setor externo (exportações, consumo do exterior) explicava boa parte do sucesso.

Mas a economia teve outro trimestre de desempenho excepcional, outra vez muito além do que quase todo mundo previa na praça. Se o PIB ficar estagnado (trimestre ante trimestre) até o final do ano, o PIB cresce 3,08%. Nos últimos quatro trimestres, a economia cresceu 3,2%. Isto é, em um ano terminado em junho, o PIB teria crescido esse tanto. No ano passado, 2022, o crescimento foi de 2,9%.

O consumo das famílias não está em desaceleração –ao contrário. A demanda doméstica cresce bem, apesar do desempenho pífio do investimento (“formação bruta de capital fixo”, despesas em novas instalações produtivas, máquinas, equipamentos, moradias, softwares etc.). Sim, a indústria extrativa (petróleo e minério, grosso modo), continua bem. Sim, o setor público, os governos, passou a gastar mais (e a fazer mais transferências de renda).

Mas é forçoso reconhecer, digamos, que a maioria das pessoas que se dedica a chutes informados sobre o futuro próximo do desempenho econômico e outras análises de curto prazo não está entendendo quase nada do que se passa na economia brasileira nos últimos dois ou três anos, pelo menos.

Os departamentos de economia de instituições financeiras, empresas, centros de pesquisa e outros menos cotados precisam fechar para balanço a fim de ver o que está TÃO ERRADO no entendimento do curto prazo.

As famílias não estão ou estavam endividadas? Sim, ao que parece, pelos indicadores disponíveis. Mas o consumo vai bem. O salário médio cresce cada vez mais devagar, mais ainda cresce a mais 5% ao ano, em termos reais e anuais. A queda da inflação, de alimentos em particular, ajudou.

Como o número de pessoas empregadas aumenta, a massa de rendimentos (soma de todos os rendimentos das pessoas ocupadas) cresce ainda mais. O crédito para pessoas físicas aumenta (apesar do endividamento…). O aumento do Bolsa Família aumentou a renda dos pobres, que consomem quase o seu rendimento inteiro, se não todo mesmo.

Ainda assim, de tudo isso se sabia antes de conhecermos o crescimento do PIB no segundo trimestre, de 0,9%. Na mediana dos departamentos de economia de instituições financeiras, a previsão era de 0,3%. Mais um erro estapafúrdio.

Durante a manhã, afora desculpas e espantos, ouvia-se “ah, mas o investimento vai mal”. É. Vai. Depois de dois trimestres de queda, cresceu apenas 0,1%. A taxa de investimento baixou a 17,2% do PIB (essa é a fatia da renda ou do produto nacional a aumentar a capacidade produtiva do país). É um nível equivalente ao dos períodos de investimento mais baixo dos anos melhores deste século. Precisaríamos de uns 20% para crescer bem e de modo duradouro.

Pois bem. Ainda que quem esteja procurando o lado feio do resultado do PIB esteja certo, nesse caso, é possível argumentar que há perspectiva de recuperação de investimento. A economia cresce, sabe-se lá bem como, o que pode aumentar a confiança das empresas. As taxas de juros caíram um pouco e podem cair mais. Se o dólar não voltar às alturas e o governo não fizer bobagem com as contas públicas, em tese aumenta a probabilidade de um tico mais de otimismo.

Note-se: o ritmo do investimento caiu durante um período de incerteza (eleição, volta do PT ao poder, dúvidas sobre o que seria feito da dívida pública) e de taxas de juros em um nível pavoroso de alto. O resultado dos últimos três trimestres foi ruim, claro, mas havia motivos compreensíveis de desânimo.

O que vai ser daqui por diante, sabe-se lá, como de costume. Mas pode se especular que, com a melhora das condições financeiras e a dissipação das incertezas, a coisa pode melhorar um tantinho, embora as decisões de investimento de empresas tenham lá suas razões que a razão desconhece (“animal spirits”).

Enfim, essas surpresas querem dizer que o Brasil vai decolar? Parece que não. Há problemas crônicos e estruturais a resolver, a começar pela dívida pública e pela má qualidade do gasto público, afora falta de mão de obra qualificada e boa infraestrutura.

Mas, depois de três anos de erros horrendos sobre o que se passa no crescimento, é preciso descobrir se algo mudou e não vimos, na última meia dúzia de anos (Folha, 2/9/23)

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