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Sem ciência, sem futuro

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Por Guy Perelmuter

Tratando a ciência e a tecnologia como temas coadjuvantes, o Brasil renova seu compromisso com a mediocridade.

Enquanto o País continua irremediavelmente preso em escândalos de corrupção, orçamentos secretos, dificuldades em avançar com reformas críticas para a sociedade, conflitos entre os Poderes, fortalecimento de hábitos maléficos para a democracia e uma assustadora desesperança entre seus cidadãos, corremos o risco de perder – mais uma vez – o trem da História.

As cinco marcas mais valiosas do mundo em 2022, de acordo com o ranking da agência Kantar BrandZ, pertencem a empresas de tecnologia, capazes de transformar pesquisa básica em produtos utilizados por bilhões de pessoas ao redor do mundo. Juntas, essas cinco empresas têm valor de mercado de US$ 10 trilhões. Apenas como referência, de acordo com o Banco Mundial, o Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos em 2021 foi de cerca de US$ 23 trilhões, e o do Brasil, de US$ 1,6 trilhão.

A quarta revolução industrial em curso – herdeira das revoluções que nos trouxeram a máquina a vapor, a eletrificação e o transistor – privilegia a ciência e a tecnologia como pilares fundamentais para o desenvolvimento socioeconômico das nações. Áreas como inteligência artificial, biotecnologia, robótica e novos materiais serão responsáveis pela criação de milhares de empregos e de centenas de novas carreiras, viabilizadas pelo rápido avanço em múltiplas áreas de pesquisa básica e aplicada.

Como todas as nações que desejam manter (ou obter) relevância no cenário geopolítico global já perceberam, a receita a ser seguida é conhecida: políticas de Estado com foco em todas as formas de educação – básica, técnica e superior –, aliadas a investimentos maciços em ciência e tecnologia, com medidas de desburocratização para facilitar o intercâmbio entre universidades, centros de pesquisa e a indústria. Os resultados obtidos dependem, sem dúvida, do compromisso de longo prazo de todos os envolvidos, e não de ciclos eleitorais – que são planejados com os próximos poucos anos, e não com as próximas décadas, em mente. Isso reduz consideravelmente nossas chances de sucesso como nação neste mundo movido a tecnologia – apesar do talento e da competência de nossos pesquisadores, cientistas e acadêmicos.

Nossas instituições de pesquisa e universidades públicas e privadas colocam o País consistentemente em posição de destaque nos rankings globais de publicações científicas. Em 2021, de acordo com o Scimago Journal & Country Rank, entre 232 países, fomos o 14.º em número de publicações e o 16.º em número de citações. Enquanto isso, o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia segue em queda, bem como o orçamento de alguns dos principais fundos de apoio à pesquisa e inovação (CNPq, Capes e FNDCT).

A situação é ainda pior se levarmos em consideração a desastrosa alta de mais de 200% do custo do dólar norte-americano em relação ao real, ocorrida nos últimos dez anos. Sem perspectivas, recursos ou vagas, profissionais brasileiros seguem migrando há anos para países capazes de oferecer melhores condições de trabalho e realização – a chamada “fuga de cérebros”. Só em 2020, a quantidade de vistos de permanência concedidos pelos Estados Unidos para trabalhadores brasileiros classificados como de “alta qualificação” (como cientistas) aumentou em mais de 30%.

Não é por acaso que os Estados Unidos e a China – embora distantes geográfica e ideologicamente – ocupem posições de destaque na ordem mundial: ambos têm múltiplos programas de investimento de longo prazo em pesquisa, incentivando carreiras nas áreas estratégicas de ciência e tecnologia. Em 1945 – há quase 80 anos – o célebre engenheiro norte-americano Vannevar Bush (na época, diretor da Agência de Pesquisa Científica e Desenvolvimento da Ciência) escreveu um relatório para o presidente dos Estados Unidos com o título Ciência, a fronteira sem fim. Nele, Bush articulou a importância de investimentos em pesquisa básica como formas de promover o desenvolvimento da indústria e da economia.

Mais uma vez, o futuro bate à nossa porta. Um futuro de novas vacinas e terapias, da expansão de fontes de energia limpa e renovável para combater a grave crise climática já instalada, da utilização de robôs e entidades artificiais, do entendimento das leis da natureza para aumentar a produção de alimentos, da fusão de sistemas biológicos e artificiais, do uso do espaço para segurança, comunicação, pesquisa e sensoriamento.

Os países que vão prosperar nas próximas décadas serão aqueles que valorizam a educação, a ciência e a tecnologia para melhor atender suas populações. A falta de uma visão de longo prazo e de um programa estruturado de investimentos e apoio à pesquisa – não apenas ao longo de um ciclo eleitoral, mas ao longo de décadas – é um golpe não apenas na ciência, mas no próprio futuro do Brasil. Sem essa mentalidade, sem um programa amplo e ambicioso e sem incentivos e condições adequadas para nossos talentos, vamos amargar uma posição muito aquém de nosso potencial na ordem econômica mundial (Guy Perelmuter é engenheiro de computação e mestre em Inteligência Artificial pela PUC-Rio; O Estado de S.Paulo, 24/9/22)

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