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A agricultura diante das mudanças climáticas

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Por Ruy Altenfelder e Claudia Buzzette Calais

A segurança alimentar global depende de ciência para uma agricultura mais ‘resistente’ às variações radicais do clima.

Quem acompanha o debate sobre meio ambiente e aquecimento global vem percebendo uma mudança sutil, mas bastante interessante.

Há muito tempo os especialistas falam sobre a necessidade de reduzir as emissões de gases do efeito estufa, de preservar as florestas e os biomas marinhos, de reduzir os níveis de poluição e degradação ambiental provocados pelas atuais cadeias produtivas e de buscar fontes de energia mais limpas e sustentáveis.

Local ou globalmente, estamos longe de ter políticas públicas à altura da seriedade desses desafios, mas atualmente já entendemos a importância da preservação do meio ambiente e da adoção de um modelo econômico mais sustentável.

Tudo isso continua extremamente relevante. Mas há uma temática nova que aparece com cada vez mais frequência nas discussões sobre aquecimento global e segurança alimentar: a necessidade de tornar a lavoura mais resistente, ou mais resiliente, às mudanças climáticas. E para isso precisamos de ciência!

Essa discussão é reflexo de uma péssima notícia: o aquecimento global já é, em alguma medida, irreversível. A janela de oportunidade para evitar parte dessas mazelas foi perdida há décadas. Cabe à humanidade, portanto, o caminho da contenção de danos, em duas frentes.

Por um lado, proteger o meio ambiente para que a crise climática não se agrave. A Europa, por exemplo, vive ondas de calor sem precedentes. Aqui, no Brasil, sofremos há pouco com queimadas, geadas e chuvas atípicas, com seu rastro de destruição urbana e prejuízos no campo. Os chamados eventos climáticos extremos são a face mais visível – e, ao que tudo indica, cada vez mais frequente – do aquecimento global. Como fica a agricultura diante de um clima que varia de maneira tão radical?

A ciência vem trabalhando para desenvolver tecnologias que mantenham a atividade agropecuária viável e produtiva no contexto de um planeta crescentemente instável. Essas frentes de pesquisa serão imprescindíveis para garantir a segurança alimentar pelas próximas décadas.

Estamos aprendendo, por exemplo, como o solo é fundamental não apenas para a produção de alimentos, mas para a captura e o aprisionamento do carbono, contribuindo para a retirada de toneladas de CO2 da atmosfera.

Avançamos, também, no estudo da agricultura regenerativa e nos sistemas integrados de produção, isto é, a ideia de que um mesmo espaço pode ser usado para produzir diferentes lavouras.

Nossa capacidade de monitoramento das florestas e lavouras vem se aprimorando, com a implementação de drones e de ferramentas de inteligência artificial. Esses avanços estão permitindo mensurar com muito mais precisão o processo de erosão dos solos, decorrente, entre outros fatores, da prática agrícola.

A genética e a microbiologia também realizam avanços importantes. A primeira, com o desenvolvimento de plantas mais resistentes às intempéries climáticas. A segunda, com o desenvolvimento de bioinsumos, garantindo uma cadeia de produção muito mais sustentável. Todas essas iniciativas têm um mesmo pano de fundo: garantir a segurança alimentar global diante de um clima em transformação.

O Brasil pode fortalecer seu protagonismo neste processo de construção de uma agricultura mais sustentável e mais resiliente às mudanças climáticas. Somos referência mundial no campo da Agronomia e contamos com alguns dos melhores e mais talentosos pesquisadores na área. Este ano, por exemplo, o Prêmio Fundação Bunge, mantido desde 1955, está reconhecendo o trabalho e a dedicação de quatro profissionais que vêm se dedicando ao desenvolvimento da agricultura brasileira: Mariangela Hungria e Maurício Cherubin, no estudo de solos, e Carlos Alexandre Cruciol e Bernardo Cândido, no uso da inteligência artificial a serviço da produção agrícola e preservação da água.

Falta-nos encarar o investimento em ciência com a devida seriedade. Isso significa, em primeiro lugar, fortalecer nossas universidades públicas, que realizam a maior parte da pesquisa científica nacional, e valorizar a carreira de nossos pesquisadores. Significa também desenvolver políticas públicas para que o conhecimento técnico e a inovação cheguem até o pequeno produtor rural, com condições, inclusive financeiras, de implementação na lavoura.

A iniciativa privada também pode contribuir com esse esforço, incentivando e financiando a produção de conhecimento no Brasil. O investimento em ciência é, afinal, uma aposta na sobrevivência de seu próprio modelo de negócio.

Investir em ciência deixou de ser uma simples opção para países como o Brasil, cuja economia é fortemente baseada no campo. Diante das mudanças climáticas, o desenvolvimento de uma agricultura mais sustentável, mais tecnológica e mais resiliente se tornou necessário para garantir a segurança alimentar do País e do mundo (Ruy Altenfelder e Claudia Buzzette Calais são, respectivamente, advogado, presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas; e, diretora executiva da Fundação Bunge; O Estado de S.Paulo, 18/9/22)

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