Prazo para sanção ou veto ao projeto termina na sexta (20).
O MPF (Ministério Público Federal) divulgou uma nota nesta quinta-feira (19) para defender que o presidente Lula (PT) vete integralmente o projeto de lei aprovado pelo Congresso que institui um marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
A manifestação é assinada por procuradores da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que trata de assuntos relacionados às populações indígenas e comunidades tradicionais.
No texto, os procuradores dizem que a proposta aprovada pelo Congresso é “inconstitucional e inconvencional” e contraria “garantias constitucionais” e “tratados internacionais” relacionados ao tema.
Lula tem até sexta-feira (20) para decidir pela sanção, veto parcial ou veto integral da proposta aprovada pelo Congresso. Segundo auxiliares ouvidos pela Folha, a tendência é que o presidente rejeite somente parte da lei.
A nota divulgada pelo MPF diz que o marco temporal caiu em setembro após o STF (Supremo Tribunal Federal) decidir que a tese defendida por ruralistas é inconstitucional.
Os procuradores argumentam que a proposta aprovada pelo Congresso promove uma série de medidas inconstitucionais e viola tratados internacionais ao permitir, por exemplo, o “contato forçado com povos indígenas em isolamento voluntário”.
“O pacto social plural firmado na Constituição de 1988 assegura o respeito à autodeterminação dos povos indígenas como o referencial da relação desses povos com o Estado. Entende-se que cabe aos povos indígenas a decisão sobre seus destinos, seus modos de vida e suas prioridades de desenvolvimento”, diz a nota.
Eles ainda destacam que os povos indígenas não foram consultados durante a discussão do projeto de lei no Congresso —o que, na visão do MPF, viola artigo da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
“Diante do exposto, esta 6ª CCR/MPF reitera a inconstitucionalidade e a inconvencionalidade do Projeto de Lei n.º 2.903 de 2023, ao tempo que espera que o Presidente da República vete-o integralmente.”
A nota é assinada pela subprocurador-geral da República Eliana de Carvalho e pelos procuradores Marcia Zollinger, Felício Junior, Luis de Camões Boaventura, Ricardo Ardenghi e Francisco Guilherme Bastos.
O projeto de lei que institui um marco temporal para a demarcação das terras indígenas foi aprovado pelo Senado em votação relâmpago no fim de setembro —uma semana após a tese ser derrubada pelo plenário do STF.
A proposta define que as terras indígenas devem se restringir à área ocupada pelos povos na promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
Dessa forma, indígenas que tiveram suas terras demarcadas após a Constituinte não teriam mais o direito de reivindicá-las.
O texto aprovado no Congresso ainda vai além da questão do marco e cria dispositivos que flexibilizam a exploração de recursos naturais e a realização de empreendimentos dentro de terras indígenas.
Ambientalistas e o movimento indígena veem brechas para permitir garimpo, atividade agropecuária, abertura de rodovias, linhas de transmissão de energia ou instalação de hidrelétricas, além de contratos com a iniciativa privada e não indígena para empreendimentos.
Uma análise feita pela Folha a partir da base da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) mostra que a sanção do marco temporal pode ameaçar a posse de indígenas sobre ao menos 36% dos territórios ocupados por eles.
O avanço da proposta faz parte de um pacote de propostas contrárias a decisões do STF que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) tem encampado, com apoio da oposição ao governo Lula (Folha, 20/10/23)