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Guerra entre Israel e Hamas deve prejudicar avanços climáticos na COP28

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Conflito tende a reduzir prioridade da pauta ambiental e impactar resultado das negociações em Dubai.

Faltando pouco mais de seis semanas para a COP28, a conferência do clima da ONU, especialistas apontam que a guerra entre Israel e o Hamas deve prejudicar avanços nas negociações. O maior evento climático do mundo acontece em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, a partir de 30 de novembro.

A previsão é de que haja um impacto negativo na priorização das pautas climáticas, assim como aconteceu em 2022, diante da invasão da Ucrânia pela Rússia.

Além de ter dividido as atenções da diplomacia mundial, o conflito no Leste Europeu resultou no aumento do consumo de carvão (que é extremamente poluente) por países europeus que dependiam dos russos para o fornecimento de gás (combustível fóssil menos sujo do que o carvão).

Para o diplomata Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, esse fenômeno vai se repetir na COP deste ano. “[A guerra vai] reduzir ainda mais a prioridade do tema ambiental e tornar mais difícil do que já era chegar a um consenso mínimo para avançar nas negociações”, avalia.

“No caso do Oriente Médio, [o conflito] torna pouco provável qualquer pressão sobre os produtores de petróleo para reduzir a produção. Ao contrário, fará com que americanos e europeus gestionem em favor do aumento da produção para evitar aumento inflacionário de preços.”

Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede que reúne mais de 90 organizações socioambientais, aponta que o ambiente já não era o mais favorável, considerando que a própria COP tem batalhas internas de negociação.

Entre elas, estão a falta de financiamento dos países ricos para reparar os danos causados por eventos climáticos extremos nos países pobres e a ausência de metas mais ambiciosas para frear a crise do clima.

“A COP é um espaço que precisa ter acordos e boa vontade para avançar. Com duas guerras acontecendo, fica bem mais difícil coordenar esse desejo coletivo”, afirma.

Eduardo Viola, professor de relações internacionais do Instituto de Estudos Avançados da USP e da Fundação Getulio Vargas, avalia que a guerra Israel-Hamas “cria mais um fator de erosão da cooperação global” e se reflete no tipo de ação adotada pelos países.

“Até a invasão russa da Ucrânia, por exemplo, o mantra do mundo democrático, particularmente no Ocidente, era a transição energética. Desde a Guerra da Ucrânia, o que domina o mundo é a segurança energética. E atingir a segurança energética, em princípio e no curto prazo, é mais fácil retomando o uso do carbono e aumentando a exploração de petróleo. É isso que está acontecendo no mundo”, diz.

Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente e copresidente do Painel Internacional de Recursos Naturais da ONU, aponta, no entanto, que a agenda da COP já foi definida e que não será possível fugir da discussão dos pontos centrais do evento.

“Vai se viabilizar um debate sobre os recursos de financiamento climático, os famosos US$ 100 bilhões [que os países ricos prometeram a países pobres para investir em ações climáticas, mas ainda não pagaram], a discussão da estruturação do fundo de perdas e danos [criado na COP27], que segue como prioridade”, enumera.

Ela destaca, ainda, o principal item na pauta: a elaboração do texto final do primeiro Global Stocktake, um inventário mundial das ações contra a crise climática.

“[Há] uma ambição que está aquém da discussão climática do mundo. Isso é uma coisa importante, porque as negociações agora estão acontecendo com os eventos climáticos acontecendo. Então, não é mais um debate em teoria, é um debate real”, diz.

As tensões no Oriente Médio se somam a uma prévia baixa expectativa de ambientalistas a respeito dos resultados desta conferência.

O país sede é uma potência petroleira que produz, em média. 3,2 milhões de barris por dia. Os combustíveis fósseis representam boa parte da riqueza dos Emirados Árabes: 30% do Produto Interno Bruto e 13% das exportações vêm diretamente da indústria do petróleo e gás. Os dados são do Departamento de Comércio dos Estados Unidos.

Além disso, a presidência da COP28 está nas mãos de Sultan al-Jaber —que é chefe da Adnoc, a companhia estatal de petróleo do país. A escolha foi duramente criticada por especialistas, que veem conflito de interesses na posição.

Jaber será o responsável por conduzir as negociações na cúpula, que terá participação ímpar da indústria petroleira: neste ano, pela primeira vez, a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) terá um estande na COP.

QUESTÕES DE SEGURANÇA

A organização da COP28 espera receber mais de 70 mil participantes, incluindo chefes de Estado, autoridades governamentais e diferentes membros da sociedade civil, como representantes de setores privados, acadêmicos e jovens ativistas.

Dúvidas sobre a segurança da realização de um evento desta dimensão —e onde é esperada a presença de diversos líderes mundiais— surgem naturalmente com a relativa proximidade ao conflito. Apesar disso, a organização não admite ter preocupações a respeito disso e nem tratar, por exemplo, de um possível adiamento da conferência.

Um porta-voz da chefia da COP28 disse que os organizadores estão focados “na concretização de ações climáticas tangíveis e ambiciosas”. Disse, ainda, que a presidência “está ansiosa para realizar uma COP segura e inclusiva a partir do final de novembro”.

Os especialistas ouvidos pela reportagem concordam que é difícil que qualquer mudança drástica seja implementada por causa da guerra Israel-Hamas. “Acho muito improvável o adiamento ou suspensão da COP pois até agora os combates estão limitados a Faixa de Gaza, bastante afastada da zona do Golfo”, avalia Ricupero.

Teixeira lembra que a cúpula de 2015, quando foi firmado o Acordo de Paris, aconteceu duas semanas depois dos atentados terroristas na casa de shows Bataclan e nos arredores do estádio Stade de France.

“Pode acontecer como em Paris, com medidas de segurança adicionais”, diz. “A COP aconteceu no antigo aeroporto de Paris, o Le Bourget [nos arredores da capital francesa], com um sistema de segurança extremamente restritivo de acesso a pessoas não credenciadas.”

A ex-ministra afirma, porém, que ainda é cedo para fazer uma avaliação mais incisiva. “Temos que aguardar os reflexos [da guerra] nos próximos dias, no próximo mês. A COP só começa dia 30 de novembro. A pré-COP agora e ela está mantida”, aponta, referindo-se ao evento ministerial que acontece em 30 e 31 de outubro na capital dos Emirados Árabes, Abu Dhabi.

Astrini pontua que a existência do conflito na mesma região da COP28 pode fazer com que alguns presidentes desistam de comparecer, mas não acredita que o evento possa ser um alvo. “Os Emirados não estão diretamente envolvidos na guerra, então um ataque à COP seria um atentado contra o planeta todo”, afirma.

COP29 JÁ É IMPACTADA POR CONFLITOS

Ainda que o conflito Israel-Hamas se resolva rapidamente, o tópico da segurança não deve deixar de influenciar as discussões climáticas. Isso porque, enquanto já é quase certo que a COP30, em 2025, vai acontecer no Brasil, a edição de 2024 do evento ainda não tem uma sede definida.

De acordo com o rodízio regional adotado pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), a COP29 deveria acontecer no Leste Europeu.

Para isso, os 23 países que compõem o bloco regional na COP devem concordar unanimemente com o país-anfitrião –e, após o início da Guerra da Ucrânia, a Rússia se opôs a qualquer membro da União Europeia como sede.

Com isso, Armênia e Azerbaijão eram os principais candidatos, mas a tomada de Baku do enclave de Nagorno-Karabakh aumentou as tensões entre os dois países e com a Rússia.

A Alemanha, como sede da UNFCCC, é a opção padrão caso os países não cheguem a um acordo. E, neste caso, os Emirados Árabes permaneceriam como detentores da presidência.

Porém, de acordo com o jornal Financial Times, os Emirados só aceitariam permanecer na chefia se também puderem sediar o evento. Existe, portanto, a possibilidade de que o país petroleiro receba a cúpula por dois anos seguidos, em um período crucial para os esforços para deter as mudanças climáticas (Folha, 18/10/23)

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