Indústrias estão ociosas e querem retomada de calendário definido em 2018.
O novo calendário para o aumento da mistura de biodiesel ao diesel reabriu uma disputa política entre setores da indústria afetados pela mudança.
Os fabricantes do combustível feito a base de plantas ou de animais defendem a retomada imediata da evolução no percentual da mistura definido em 2018 pelo CNPE (Conselho Nacional de Política Energética).
Se o cronograma tivesse sido mantido —a política foi interrompida no governo de Jair Bolsonaro (PL)— o diesel comercializado no Brasil teria 15% de biodiesel desde o dia 1º de março deste ano.
Em março, o CNPE aprovou o aumento de dois pontos percentuais a partir de abril, quando a mistura passou a ser de 12% (estava em 10%). O novo calendário prevê aumentos anuais até chegar aos 15% em abril de 2026.
A oposição ao aumento da mistura vem de outros setores industriais ligados aos transportes, às montadoras e às indústrias de peças, máquinas e equipamentos. O argumento central contra o biodiesel é a produção de uma borra, um resíduo que, segundo esses segmentos, danifica peças, motores e máquinas.
Antes de o CNPE aprovar o aumento da mistura, representantes de nove entidades ligadas a esses segmentos divulgaram uma nota reafirmando posição contra. Dizem que os produtores de biodiesel não querem perder “o lucro fácil e rápido do biodiesel de base éster, nem investir na modernização do processo industrial para produzir diesel verde.”
O problema da agenda do diesel verde, diz Donizete Tokarski, CEO da Ubrabio (União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene), é que ela esbarra no custo, superior ao do biodiesel. Além disso, o Brasil não produz esse tipo de combustível.
Ele defende também que a mistura até 15% tem o que setor chama de estabilidade oxidativa. O diesel, afirma, também produz um tipo de borra.
As indústrias de biodiesel —são 59 em 15 estados— também enfrentam a ociosidade de suas estruturas. Quando, em 2018, foi definido o calendário de mistura, a capacidade de produção do combustível foi elevada para até 14 milhões de litros por ano.
Com o percentual de 12%, a demanda será de 7,2 milhões de litros e a ociosidade seguirá em 50%.
Bruno Pascon, diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), diz que o volume de investimentos necessários para atender o aumento na mistura não é grande justamente porque o setor já vinha se preparando para um calendário frustrado.
A estimativa da consultoria é de que até 2032 sejam investidos R$ 3,55 bilhões no segmento. O cálculo considera que até essa data, a mistura já estaria em 20% e o consumo chegaria 16,6 milhões de litros por ano, o triplo do nível atual.
“O aumento do biodiesel é duplamente positivo porque ele reduz a emissão de gases e reduz a importação de diesel.”
No setor produtor, há a expectativa de que o combustível ganhe força na agenda de desenvolvimento verde do governo federal. Nas entrevistas sobre o tema, o presidente Lula e outros ministros falaram de biocombustível, mas o produto não está no projeto de lei que discutirá o tema.
A produção de biodiesel no Brasil é majoritariamente de soja, que responde por 70%. Outros 20% vêm de sebo animal e um outro percentual menor de outras fontes, como palma.
Há uma preocupação com a possibilidade de o preço do combustível ficar vulnerável às oscilações. Na avaliação de Pascon, há o risco de o governo atrasar novamente o ritmo de aumento para equilibrar o preço da soja.
Tokarski, da Ubrabio, diz apesar da predominância da soja na produção, o biodiesel usa o óleo produzido a partir do grão. “E o óleo de soja não é um produto de interesse mundial no mercado de alimentação.” (Folha, 11/10/23)