Por Renê Medrado, Paula Amaral Mello e Amanda Athayde
Brasil ainda vive no limbo de não ter um mercado regulado de carbono.
Entre 1º de outubro de 2023 e 31 de dezembro de 2025, as empresas brasileiras que exportem para a União Europeia minério, gusa, aço, ferro, alumínio, produtos siderúrgicos, adubos, fertilizantes, eletricidade, hidrogênio, amoníaco, ácido nítrico, ureia, argila e cimento, assim como produtos derivados, terão de cumprir novas obrigações para atendimento ao CBAM (Carbon Boarder Adjustment Mechanism).
A regulamentação do CBAM, publicada em agosto deste ano, determina que, no período de transição, os importadores ou os representantes aduaneiros que atuem na Europa devem apresentar relatórios à União Europeia comunicando a quantidade de mercadorias importadas, as emissões diretas e indiretas de carbono nelas incorporadas e qualquer preço do carbono devido por essas emissões.
Os relatórios terão por objetivo identificar os processos de produção de mercadorias alcançadas pelo CBAM e monitorar as emissões de carbono correspondentes. Esses dados devem ajudar a definir uma metodologia única de monitoramento, comunicação e verificação pela União Europeia.
Além da redução das emissões, em âmbito global, o CBAM pretende estabelecer condições que julga equitativas para empresas europeias e estrangeiras. Para tanto, propõe instituir o ”ajuste de fronteira”, de forma a equalizar a situação das indústrias instaladas na União Europeia, no que diz respeito à concorrência com produtores e exportadores estrangeiros que façam uso intensivo de carbono. Assim, procura evitar o estabelecimento dessas indústrias em países com padrões ambientais mais baixos do que os da União Europeia, fenômeno conhecido como “vazamento de carbono”.
A lógica é simples. Empresas europeias, obrigadas a fabricar produtos ou a prestar serviços com baixa pegada de carbono, incorrem, muitas vezes, em maiores custos. Produtos estrangeiros concorrentes, não sujeitos às mesmas obrigações, passam a ser mais competitivos e a conquistar parcela do mercado comum europeu. Ao “ajustar a fronteira”, o CBAM adiciona um valor ao produto que não segue as mesmas regras europeias, para que seja possível “nivelar”, em termos financeiros, as obrigações de não emissão de carbono.
O dever de casa está batendo à porta: o primeiro relatório deve ser apresentado até 31 de janeiro de 2024 pelo importador, relativamente às mercadorias do quarto trimestre de 2023. Para tanto, o importador precisará receber dados dos fornecedores ou exportadores desses itens. Quem não adotar as medidas necessárias poderá se sujeitar a sanções entre 10 e 50 euros por tonelada de emissões de carbono não comunicada –valor que pode aumentar em função do índice europeu de preços no consumidor.
Daí a importância de as empresas terem dados e informações relevantes organizados. No entanto, o Brasil ainda vive no limbo de não ter um mercado regulado de carbono e de não estar claro na legislação europeia como os mecanismos disponíveis fora desse mercado regulado podem se compatibilizar com a legislação do CBAM.
O governo brasileiro tem questionado diplomaticamente a legislação. Inclusive, em resposta às exigências adicionais ambientais da União Europeia no Acordo Mercosul-UE, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai recusam qualquer insinuação de aplicação de sanções pela UE e querem incluir um mecanismo adicional de compensação.
Para além disso, deve haver empenho do governo para a edição do tão esperado mercado nacional regulado de carbono, em discussão no Congresso, de pagamento por serviços ambientais e o próprio engajamento do governo para que esses conversem com a sistemática imposta pela legislação europeia.
De um modo ou de outro, empresas brasileiras que queiram continuar exportando para a Europa já devem começar a fazer o dever de casa, implementando mecanismos de mensuração de suas emissões de carbono e adotando mecanismos de rastreabilidade completa da sua cadeia de produção (Folha, 20/10/23)