Por Paulo Hartung
Neste finalzinho de ano, Brasil pode começar a retomar atitudes compatíveis com seu histórico de cooperação na questão ambiental.
O mais recente Relatório de Avaliação Global sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos das Nações Unidas deixou claro que milhões de espécies podem enfrentar a extinção em decorrência de redução de habitat, poluição e mudanças climáticas. O documento indica que estamos numa encruzilhada quanto ao legado que queremos deixar para as futuras gerações, já que essa perda de biodiversidade tem graves impactos sobre os sistemas sociais e econômicos, para além da questão ambiental.
O cenário, sem precedentes na história, exige mudanças transformadoras. Por isso, mais uma vez, de forma multilateral, o mundo tenta achar caminhos viáveis para barrar esse desastre. Esse será o desafio da 15.ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), prevista para dezembro, em Montreal. O objetivo é aprovar o Marco Global de Biodiversidade contendo 22 metas que passam por valorizar, conservar, restaurar e usar com sabedoria os recursos naturais.
As decisões da COP15 devem fortalecer a agenda no plano global, nos moldes do Acordo de Paris, do clima. É urgente que a adoção de práticas sustentáveis não venha apenas dos países megadiversos, pois se configura responsabilidade de toda a comunidade internacional. Outro ponto fundamental é a criação de um Fundo Global de Biodiversidade, que captará recursos, especialmente de países ricos, para contribuir com a disseminação de ações verdes.
O mundo tem a chance de tornar a biodiversidade um ativo estratégico. O Brasil, que abriga a maior diversidade de fauna e flora do planeta e possui a maior floresta tropical do mundo, tem oportunidades imensuráveis.
O mercado regulado global de carbono pode ter ainda mais força no País. O valor do carbono a ser negociado a partir de florestas com grande diversidade pode ser incrementado, tornando a prática da conservação economicamente vantajosa. Isso também tem conexão com a recém-aprovada legislação de Pagamentos por Serviços Ambientais, cuja regulamentação ainda precisa ser efetivada.
Cabe lembrar que o País tem compromissos internacionais nessa área, como o de restaurar 12 milhões de hectares até 2030. Segundo estudo da Universidade de São Paulo (USP), este processo tem potencial de gerar 2,5 milhões de empregos. Fundos estão sendo articulados para investir em projetos de restauração de espécies nativas em biomas brasileiros, como a re.green e a Mombak. Em outra experiência, a Symbiosis Investimentos, há uma década, realiza silvicultura de árvores nativas da Mata Atlântica no sul da Bahia.
O desenvolvimento verde pode ser a porta para começarmos a mitigar iniquidades socioeconômicas, como na região amazônica, onde boa parte dos 25 milhões de habitantes vive à beira da miséria, mesmo num local com ricos ativos ambientais. Nessa direção, combater as ilegalidades, como desmatamento, grilagem, garimpo, é fundamental. A Amazônia é responsável por regular o regime de chuvas do País, o que nos permite até três safras agrícolas anuais, possibilitando ao Brasil alimentar cerca de 10% da população mundial. Mas podemos ir além. Investir em ciência e tecnologia é a chave para tornar a região um polo de inovação verde.
Fora do bioma Amazônia, o Brasil tem sistemas produtivos alinhados com o desenvolvimento sustentável e que podem servir de modelo para outros segmentos. Um exemplo, que já é benchmark global em uso inteligente da terra, cuidado com a natureza e respeito às pessoas, é a indústria de árvores plantadas. O setor planta, colhe e replanta em 9,5 milhões de hectares, comumente em áreas antes degradadas. Ademais, conserva 6 milhões de hectares de vegetação nativa, uma área do tamanho do Estado do Rio de Janeiro.
Em rota inovadora, o setor usa a técnica de mosaico florestal, criando corredores ecológicos, o que favorece a recomposição e a conservação da diversidade biológica. São mais de 8 mil espécies de fauna e flora registradas em áreas das companhias. Este modo de trabalhar presta serviços ambientais como fertilização do solo e regulação do fluxo hídrico, entre outros.
Por suas riquezas naturais e expertise em bioeconomia, o Brasil reúne condições para estar na vanguarda do novo paradigma produtivo. Temos em mãos uma oportunidade singular de nos reposicionarmos internacionalmente. O momento exige que a luta pela biodiversidade envolva todos: governo, academia, setor privado, consumidores e sociedade.
Vale dizer que, antes da COP15 da CDB, o País já terá uma importante missão no Egito, durante a COP27 do Clima. É imprescindível que o Brasil demonstre que está disposto a cumprir com os compromissos internacionais, como aqueles assumidos em Glasgow com relação à redução de desmatamento, menor emissão de CO2 e de gás metano, entre outros.
Enfim, neste finalzinho de 2022, o País tem oportunidades efetivas para começar a retomar atitudes compatíveis com seu histórico de cooperação planetária na questão ambiental. Trata-se de um movimento que pode ajudar não apenas a transformar o modelo civilizacional, mas também a estruturar um novo tempo da história nacional, com desenvolvimento socioeconômico inclusivo e sustentável (Paulo Hartung é economista, presidente-executivo do IBÁ, foi governador do Estado do Espírito Santo; O Estado de S.Paulo, 1/11/22)