IBGE aponta recuo florestal em duas décadas, na contramão da agenda do clima.
Faz talvez uma década que a parcela menos atrasada do agronegócio deixou de encarar a preservação ambiental como inimiga da produção de alimentos e fibras. Líderes do setor passaram a advogar que não era preciso desmatar mais nada para aumentar a produção agrícola e pecuária.
A dinâmica predatória de mudanças no uso da terra, entretanto, seguiu e agravou-se. Com imagens de satélite a monitorar essas transformações, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constata que o país continuou destruindo vegetação natural nas duas últimas décadas.
Os dados estão no estudo “Contas Econômicas Ambientais da Terra”, produzido a cada dois anos. No que respeita a formações florestais, a perda registrada de 2000 a 2020 foi portentosa: 320,7 mil quilômetros quadrados, o correspondente à superfície do estado do Maranhão (329,7 mil km2).
Boa parte desse território devastado foi engolido por pastagens manejadas para gado. Ocorreu um aumento de 247 mil km2 nessa modalidade de ocupação, o que equivale ao tamanho do estado de São Paulo (248,2 mil km2).
Já a área abrangida pela agricultura teve um incremento de 229,9 mil km2, enquanto o avanço da silvicultura (florestas plantadas) foi menor, de 36 mil km2.
As maiores vítimas no processo são floresta amazônica e cerrado, os dois maiores biomas do Brasil. Isso fica evidente quando se toma em conta que o estado onde houve maior acréscimo de pastagens foi o Pará, com quase 88 mil km2, seguido de Mato Grosso, Rondônia, Maranhão e Tocantins —todos com forte representação das duas fisionomias vegetais.
Tão ou mais preocupante que esse retrospecto de duas décadas é a aceleração do desmatamento em anos recentes, com a política antiambiental de Jair Bolsonaro (PL). Na Amazônia, o corte raso havia refluído para o patamar de 4.500 km2 anuais em 2012, quando retomou ascensão paulatina até cruzar a barreira de cinco dígitos em 2019.
No ano passado se alcançou a marca de 13.038 km2 derrubados, a maior desde 2006. A perda de cerrado também avançou em 2021, para 8.500 km2, proporcionalmente mais que na floresta amazônica, que tem o dobro do tamanho.
O Brasil segue na contramão do que se espera de uma potência florestal na mitigação do aquecimento global. O próprio agronegócio pagará por isso, na forma de restrições a produtos e de chuvas mais escassas, irregulares e incertas (Folha de S.Paulo, 12/10/22)