Por Arnaldo Luiz Corrêa
O contrato futuro de açúcar em NY com vencimento para março/23 bem que tentou quebrar a forte resistência dos 19 centavos de dólar por libra-peso por um par de vezes, mas não obteve êxito. E com certeza terá grande obstáculo nesse propósito sob o atual panorama global. Uma série de elementos endógenos e exógenos interpõem-se naquilo que se tornou uma intrincada formação de preços do açúcar no mercado mundial. Vamos tentar cobrir alguns desses elementos nos parágrafos a seguir.
Um dos principais quesitos a observar nesse momento é a Índia. O país deverá aproveitar cada oportunidade que tiver para exportar seu açúcar (bruto) beneficiando-se da recente desvalorização da moeda indiana frente ao dólar que deslocou o ponto de equilíbrio (leia-se custo de produção) do açúcar indiano para abaixo dos 18.50 centavos de dólar por libra-peso, pelo fechamento de sexta-feira. Ademais, o mercado spot tem pago vultosos prêmios para o açúcar bruto indiano.
O governo daquele país entende que os estoques estão historicamente baixos e seu principal desafio será o de conciliar um estoque regulador que não provoque desgastes no preço interno do produto (que providencialmente tem caído) num ambiente inflacionário e uma exportação remuneradora que celebre mais um ano sem subsídios por parte do governo.
É certo que a Índia deverá em breve abrir a licença para exportações de açúcar em duas etapas, sendo que a primeira já é esperada contemplando um volume de 6 milhões de toneladas de açúcar. Segundo fontes indianas, pelo menos um milhão de toneladas desse volume já tem seus preços devidamente fixados em NY e espera-se o embarque de 1.8 milhão de toneladas de açúcar ate o final de dezembro.
Outro elemento que na nossa visão é exógeno, mas de suma importância no curto prazo. O Brasil é hoje um dos raros países que apresentam juros reais. Por mérito de um Banco Central que agiu antecipadamente, as taxas de juros aqui subiram de modo suficientemente robusto para coibir uma inflação que se mostrava renitente e que agora, ao que parece, está sendo domada. Ora, essa elevação da taxa de juros comparativamente à inflação, apresenta um juro real líquido de 4.4% ao ano (ou seja, seu capital dobra em 16 anos com uma taxa assim), uma remuneração inexequível nas principais economias do planeta.
Dessa forma, após o resultado das urnas, acredita-se que um expressivo volume de recursos estrangeiros deverá aportar no Brasil, valorizando a moeda brasileira. Nesta semana, o dólar chegou a bater na sexta-feira a R$ 5,1400, retraindo quase 4% frente à moeda brasileira. Tudo o mais inalterado, uma valorização do real prejudica o etanol hidratado cujo preço guarda proporcionalidade ao preço da gasolina. Mas, será isso mesmo? Vejamos.
Apenas como exemplo, hoje a defasagem do preço da gasolina praticado pela Petrobras e o mercado internacional está em torno de 6%. É por demais óbvio que a empresa não vai ajustar preços ao consumidor antes das eleições para não prejudicar o presidente candidato à reeleição. O preço praticado pela Petrobras equivale a um dólar de R$ 4,8500, ou seja, é como se estivesse incorporado ao preço uma valorização da moeda brasileira em 6.3%. Resumindo: apesar de um fluxo positivo de recursos externos esperado após o segundo turno das eleições, seu efeito deve ser neutro para o hidratado, pelo menos até esse percentual de valorização. Contudo, alguns analistas acham que o dólar pode cair até R$ 4,5600. Mas, qual seria o efeito disso? Já respondo.
O petróleo é outro elemento forte na construção de cenários para o setor. Uma eventual queda da commodity para abaixo dos 80 dólares por barril (tipo Brent), acende a luz de alerta e estimularia as usinas a repensar o mix de produção para a safra 23/24 dando maior ênfase ao açúcar e consequentemente pressionando
Outro ponto relevante é a produção no Centro-Sul para a próxima safra. Números pipocando aqui e ali mostram uma evolução na produção de cana – ainda que sabidamente prematura – para 580-585 milhões de toneladas. Com a Índia deitando e rolando na entressafra do Centro-Sul, o mercado global poderá estar muito bem suprido quando o Brasil iniciar a moagem. Evidentemente que isso vai pressionar os preços.
Esses elementos que compõem parcialmente o enorme quebra-cabeças do mercado sucroalcooleiro parecem esboçar que 19 centavos de dólar por libra-peso é uma importante resistência que terá a Índia como vigilante guardiã. Por outro lado, se uma valorização do real barateia o preço da gasolina importada e, à vista disso, reverbera no preço do hidratado, o custo de produção do açúcar no Centro-Sul – usando os mesmos parâmetros – pode chegar a 17.50 centavos de dólar por libra-peso FOB Santos (incluindo depreciação, amortização e custo financeiro). E, se o dólar chegar a bater R$ 4,5600 mencionado acima, o custo explodiria para 18.50 centavos de dólar por libra-peso!!
Assim, a menos que haja substancial alteração no quadro que se delineia à frente, parece-nos razoável assumir que o açúcar em NY fique em limitado intervalo de preços entre 17 e 19 centavos de dólar por libra-peso.
Em tempo, na sexta-feira o vencimento março/23 fechou a 18.37 centavos de dólar por libra-peso, uma queda de 47 pontos em relação à sexta anterior, depreciando pouco mais de 10 dólares por tonelada. Todos os demais vencimentos fecharam no vermelho com quedas que oscilaram entre 14 e 40 pontos, equivalente a 3 e 9 dólares por tonelada.
Mercados invertidos atraem os fundos para a compra. E assim foi. Eles estão long mais de 77,000 lotes segundo o CFTC (Commodity Futures Trading Commission), a agência americana reguladora do mercado de commodities, com base na posição de terça-feira passada. Pelo quadro fundamentalista que está aí, pode ser mais um elemento que pode trazer uma pitada de volatilidade ao mercado. Como se já não a tivéssemos bastante.
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