Sugestão feita pelo deputado Aliel Machado para avançar proposta na Câmara tem período de transição.
Após ser poupado da proposta que impõe a poluidores o dever de reduzir emissões que contribuem para o efeito estufa, o agronegócio tem sobre a mesa uma nova proposta para cumprir obrigações no mercado de carbono. A ideia é assegurar ao setor um período de transição, além da possibilidade de vender créditos por evitar o desmatamento ilegal em propriedades rurais.
O novo rascunho do texto que regulamenta o mercado foi entregue à bancada ruralista. As possíveis modificações foram sugeridas pelo relator, o deputado Aliel Machado (PV-PR), e são analisadas por nomes como a senadora Tereza Cristina (PP-MS) e o deputado Pedro Lupion (PP-PR).
Pela sugestão, o agronegócio teria condicionantes especiais para entrar no mercado de carbono e poderia emitir créditos por manter de pé florestas quando a derrubada fosse ilegal.
A intenção de Machado é convencer a bancada ruralista a colocar o setor dentro do mercado regulado, sob o argumento de que o mecanismo tende a crescer mundialmente e o Brasil pode ser uma das maiores potências na área.
Inicialmente, o agronegócio estava previsto dentro do escopo dos créditos de carbono, mas durante a tramitação do projeto no Senado, a bancada conseguiu modificar o texto para que seu setor primário ficasse apenas como voluntário deste mercado —ou seja, a criação de gado ou plantação de cana, por exemplo, poderiam ou não aderir a ele e se submeter às suas leis.
O argumento é de que atualmente não existem métricas consistentes de mensuração da emissão de gases de efeito estufa para a atividade agropecuária.
O mercado de crédito de carbono é uma forma de tentar reduzir as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera, com balizas para a diminuição e a possibilidade de venda de cotas pela preservação da floresta.
Metodologias e, principalmente, metas de redução de emissão ainda estão em discussão.
Usando um exemplo fictício, o mercado funcionaria assim: uma empresa produz 40 mil toneladas de gás carbônico. Ela, hipoteticamente, teria que reduzir este patamar para 38 mil em um ano.
Se, em 12 meses, a emissão aumentar para 50 mil, a companhia teria que compensar a diferença de 12 mil comprando cotas de uma ou mais empresas que tenham reduzido suas emissões.
E existiriam dois mercados: o regulado, composto por setores da indústria obrigados a cumprir as diretrizes de redução das emissões; e o voluntário, no qual é opcional passar a negociar créditos de carbono e, consequentemente, cumprir com as obrigações da lei.
A entrada do agro no mercado regulado é um dos entraves do projeto, que é uma das prioridades do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a transição energética e também passou a ser impulsionado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
A intenção, tanto do governo, quanto de Lira, é aprová-lo antes da COP 28, a conferência mundial do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), que já começa na próxima quinta-feira (30). Lula e Lira estão confirmados no evento.
Para tentar aprovar não só essa proposta, mas outras voltadas à transição energética, o deputado convocou um esforço concentrado nesta semana na Câmara.
Lira, ligado à bancada ruralista, passou a defender publicamente e com mais ênfase a agenda ecológica nas últimas semanas, com a proximidade da COP.
Na visão de parlamentares e membros do governo, a aprovação do pacote de propostas antes do evento é difícil, mas possível.
Para tentar destravar a entrada do agro no mercado, Aliel Machado propôs uma condicionante que visa contornar justamente a falta de métricas para as emissões do setor.
O texto diz que a agropecuária só precisaria participar do mercado regulado caso seja garantida “a existência de metodologias de mensuração, relato e verificação aderentes às melhores práticas internacionais e adaptadas às condições específicas da produção nacional”.
O setor ainda reclama que, na maioria dos países com um mercado de carbono regulado, o agronegócio é classificado como voluntário. Por outro lado, diferentemente de vários outros territórios, o setor é campeão das emissões no Brasil caso computado o desmatamento em decorrência da atividade.
Por isso, a proposta de Machado diz ainda que o agro só seria regulado caso seja verificada “a implantação bem-sucedida de precificação explícita de carbono no mercado consumidor internacional”.
O texto também diz que a participação do agronegócio no mercado é obrigatória em 2028, e com mais três anos de condições especiais a partir da entrada —o prazo visa fazer com que, em 2030, ano da revisão do Acordo de Paris, todo o setor esteja plenamente inserido no mecanismo.
Atualmente, por lei, toda propriedade rural precisa manter pelo menos uma parcela de sua área com floresta nativa. No caso da Amazônia, é obrigatório preservar 80% da mata, sendo nos outros 20% permitida a derrubada para a agropecuária.
Pelo texto aprovado no Senado, só seria permitida a emissão de créditos de carbono por recomposição da floresta. Ou seja, por mata preservada nestes 20%, no caso da Amazônia.
A proposta de Machado diz, no entanto, que seria autorizada também a emissão de créditos com relação a áreas de preservação obrigatórias —os 80%.
Ou seja, se antes só seriam emitidos créditos por reflorestamento ou por preservação de áreas além do exigido por lei, pela sugestão feita ao agro também seria possível a venda de cotas de carbono com base em desmatamento ilegal evitado.
É semelhante ao que já aconteceria, por exemplo, com o governo federal em APPs (Áreas de Preservação Permanente), que pode usar essas áreas para o mercado.
A intenção, segundo pessoas envolvidas nas negociações sobre o texto, é que existam diferentes valores para cada uma dessas categorias.
O crédito de carbono emitido por reflorestamento ou manutenção de mata nativa além do obrigado por lei seria mais valioso do que aquele criado apenas por evitar o desmatamento ilegal.
De acordo com o Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa), braço do Observatório do Clima, a agropecuária é responsável por 25% dos gases de efeito estufa do país.
Essa proporção, contudo, pode ser ainda maior, já que a principal causa de emissões no país é o desmatamento (mudança no uso da terra), que também está ligada ao agro. Juntas, as duas atividades são responsáveis por 74% das emissões brasileiras (Folha, 28/11/23)