Transporte marítimo de carga é responsável por quase 3% das emissões globais de gases de efeito estufa.
No porto, em um dia ensolarado de setembro, centenas e centenas de pessoas se reuniram para receber Laura Maersk em sua chegada oficial.
Diferente de muitos dos que estavam presentes, Laura não era uma autoridade europeia entre os visitantes. Era um imenso navio porta-contêineres, 30 metros acima da multidão, representando a prova mais clara até o momento de um esforço da indústria global de transporte marítimo para reduzir seu papel no aquecimento do planeta.
Encomendado pela Maersk, gigante dinamarquesa do setor de transporte marítimo, o navio foi projetado com um motor especial capaz de queimar dois tipos de combustível –o óleo preto e viscoso que alimenta os navios há mais de um século, ou um tipo mais “verde”, amigável ao meio ambiente, feito de metanol. Ao mudar para o metanol “verde”, esse único navio produzirá cem toneladas a menos de gases de efeito estufa por dia, o equivalente às emissões de oito mil carros.
O impacto do transporte marítimo global no clima não pode ser subestimado. O de carga é responsável por quase três por cento das emissões globais de gases de efeito estufa –produzindo, por ano, aproximadamente a mesma quantidade de carbono que a indústria da aviação.
Tem sido um desafio encontrar maneiras de limitar essas emissões. Alguns navios estão recorrendo a uma estratégia antiga: aproveitar o vento para se mover. Mas os navios ainda requerem uma fonte de energia mais regular e poderosa o bastante para impulsioná-los ao redor do mundo.
Eles não podem ser alimentados com frequência suficiente por baterias e pela rede elétrica, diferentemente de carros e caminhões; precisam de um combustível limpo e portátil.
O Laura Maersk é o primeiro de sua categoria a navegar com um motor de metanol ecológico, representando um passo significativo nos esforços da indústria para diminuir sua contribuição para as mudanças climáticas. É também um exemplo notável do longo caminho que o setor de transporte marítimo global ainda tem de percorrer. Atualmente, há cerca de 125 encomendas de navios movidos a metanol a estaleiros globais, tanto à Maersk quanto a outras empresas, mas isso representa só uma parcela pequena dos mais de 50 mil navios de carga que navegam hoje nos oceanos, responsáveis pelo transporte de 90 por cento dos bens comercializados no mundo.
O mercado de metanol “verde” também está em seu estágio inicial e não há garantia de que o novo combustível seja produzido em quantidades suficientes –ou a preços viáveis– para abastecer a ampla frota de navios de carga que opera no mundo inteiro.
O transporte marítimo é surpreendentemente eficaz: o transporte de uma mercadoria em um navio porta-contêineres que cruza a metade do mundo gera muito menos gases de efeito estufa do que quando é transportada por caminhão através dos Estados Unidos.
Parte disso se deve à escala das embarcações de carga modernas. Os maiores navios porta-contêineres atuais superam o tamanho dos porta-aviões. Cada um pode transportar mais de 20 mil contêineres de metal, chegando a uma extensão de cerca de 120 quilômetros se colocados em linha reta.
Essa eficiência incrível reduziu o custo do transporte e possibilitou o estilo de vida moderno do consumidor, permitindo que varejistas como a Amazon, o Walmart, a Ikea e a Home Depot ofereçam uma ampla variedade de produtos a um valor bem menor do que se praticava anteriormente.
Mas esse consumo fácil teve um preço: um planeta mais quente e mais poluído. Segundo Teresa Bui, diretora de políticas climáticas da organização ambiental Pacific Environment, além de afetar a atmosfera, os navios que queimam combustíveis fósseis também emitem poluentes que reduzem a expectativa de vida de grande parte da população mundial que vive perto dos portos.
Ela informou que essa poluição foi particularmente intensa durante a pandemia da Covid, quando os estrangulamentos na cadeia de suprimentos causaram o acúmulo de navios no porto de Los Angeles, gerando uma poluição equivalente à produzida por quase cem mil caminhões grandes por dia. E acrescentou: “O setor de transporte marítimo está sub-regulamentado há décadas.”
Nos anos mais recentes, algumas companhias tentaram reduzir as emissões e seguir os novos padrões globais de poluição ao abastecer suas embarcações com gás natural liquefeito. Grupos ambientalistas e alguns executivos de transporte marítimo, porém, consideram que adotar outro combustível fóssil que contribui para as mudanças climáticas é um passo na direção errada.
Os combustíveis mais ecológicos, como o metanol, a amônia e o hidrogênio, agora são vistos pela Maersk e por outras empresas de transporte marítimo como o caminho mais promissor para a indústria. A Maersk tem o intuito de reduzir suas emissões de carbono a zero até 2040, e, em conjunto com outros investidores, está investindo bilhões de dólares em combustíveis mais limpos. Mas fazer a transição –mesmo para o metanol, o mais comercialmente viável desses combustíveis na atualidade– não é tarefa fácil.
A mudança para o metanol requer a construção de novos navios ou que os navios antigos sejam adaptados com motores e sistemas de armazenamento de combustível diferentes. Os portos globais têm de instalar novas infraestruturas para o abastecimento dos navios atracados.
O fato de ser preciso criar uma indústria inteira para a produção do metanol “verde”, cuja demanda envolve companhias aéreas e proprietários de fábricas, assim como as transportadoras marítimas, talvez seja o mais importante.
O metanol, usado na produção de produtos químicos, plásticos e combustível, normalmente é produzido a partir de carvão, petróleo ou gás natural. O metanol “verde” pode ser produzido de maneira muito mais amigável ao meio ambiente, com o uso de energia renovável e carbono capturado da atmosfera, ou retirado de aterros sanitários e de esterco de vaca e porco, ou de outros resíduos orgânicos.
Mas o mundo ainda não produz muito metanol “verde”. A Maersk se comprometeu a usar só o metanol produzido de forma sustentável, mas não será melhor para o meio ambiente se outras empresas de transporte acabarem usando metanol produzido a partir de carvão ou petróleo.
Ahmed El-Hoshy, CEO da OCI Global, que produz metano a partir de gás natural e de fontes mais sustentáveis, como o gás de aterros sanitários, afirmou que as companhias estão produzindo volumes “infinitesimalmente pequenos” de metanol “verde” a partir de energia renovável: implantando regras Francamente, elas ainda não fizeram muito em nossa indústria. É tudo exagero.”
Ele acrescentou que os produtores de combustíveis ainda precisam dominar a tecnologia para construir esses projetos. E, para financiá-los, precisam de compradores dispostos a se comprometer com contratos de longo prazo para os combustíveis sustentáveis, que podem ser de três a cinco vezes mais caros que os convencionais.
De acordo com El-Hoshy e outros da indústria de transporte marítimo e de metanol, a peça que falta é uma regulamentação que ajude a nivelar a concorrência entre as empresas que tentam reduzir suas emissões e aquelas que ainda queimam combustíveis mais sujos.
A União Europeia está implantando regras que incentivam a descarbonização dos navios, incluindo novos subsídios para combustíveis “verdes” e penalidades pelo uso de combustíveis fósseis. Os Estados Unidos também estão estimulando novos investimentos na produção de combustíveis ecológicos e em portos mais modernos mediante programas generosos para efetuar melhorias dentro do país.
Mas os defensores dizem que a chave para uma transição “verde” no setor de transporte marítimo são as regras globais pendentes na Organização Marítima Internacional, o órgão da ONU que regula o transporte marítimo global.
Ainda assim, a Maersk reconhece que o metanol sustentável provavelmente não será a solução final. Especialistas afirmam que a dependência do combustível de fontes esgotáveis, como casca de milho e esterco de vaca, significa que não haverá combustível suficiente para abastecer toda a frota global de transporte marítimo.
Em entrevista, Vincent Clerc, CEO da Maersk, declarou que é improvável que o setor marítimo inteiro seja predominantemente alimentado por metanol, mas que a Maersk não tem arrependimentos em relação à mudança atual de parte de sua frota de combustíveis fósseis para metanol e que pretende adotar novas tecnologias à medida que se tornarem disponíveis. Apontando para o navio com contêineres de seis metros empilhados à sua frente, ele completou: “Isso representa uma mudança sistêmica real para o setor.”
Eric Leveridge, gerente da campanha climática da Pacific Environment, disse que o grupo está satisfeito com o fato de a Maersk e outras empresas de transporte marítimo estarem avançando em direção a combustíveis mais sustentáveis. Mas a organização ainda receia que “seja mais pelas aparências, e que o impacto esteja sendo potencialmente exagerado”: “No fim das contas, mesmo que esse investimento seja feito, ainda existem muitos navios queimando óleo combustível pesado na água.” (The New York Times, 9/11/23)