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Lobby do petróleo na COP28 ameaça agro e setor pede ajuda ao governo

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CNA envia documento a negociadores, com ações prioritárias; evento será nos Emirados Árabes Unidos.

Em meio à desconfiança de ambientalistas sobre a real intenção dos Emirados Árabes Unidos em liderar negociações sobre a queima de combustíveis fósseis, o agronegócio brasileiro teme ser alvo de eventuais acordos paralelos na COP28.

O evento ocorre em Dubai, no final de novembro. Hoje, 15% da economia do país do Oriente Médio está ligada à indústria petrolífera, o que torna improvável um grande acordo sobre o tema na COP deste ano.

O encontro de ambientalistas, cientistas, iniciativa privada e governos realizado pela ONU (Organização das Nações Unidas) terá como tema central a transição energética.

Mas os árabes podem buscar acordos sobre outros setores para vender o saldo final do evento como positivo. Uma movimentação nesse sentido já preocupa a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).

A entidade enviou no final de outubro um documento ao governo federal no qual elenca suas prioridades para a COP. Nele afirma que o setor deve ser tratado pelos negociadores brasileiros como solução, não causa, do aquecimento global.

O agronegócio brasileiro é responsável por alimentar cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo, segundo a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Além disso, o setor responde por um quarto do PIB (Produto Interno Bruto).

O setor, no entanto, é responsável por 74% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil, além de explorar economicamente a maior parte das áreas desmatadas no país.

Está no radar dos produtores brasileiros o interesse da presidência emiradense em discutir a transformação dos sistemas alimentares, termo que engloba toda a cadeia de produção dos alimentos —da terra ao prato.

Inevitavelmente, um debate sobre o tema abordaria a monocultura de soja, carro-chefe do agro brasileiro. Publicamente, a CNA diz aceitar debater o assunto, mas não na COP e, muito menos, no grupo do evento dedicado ao setor.

“Como não há um enfoque acordado sobre como tratar sistemas alimentares, é importante evitar que a agropecuária e o uso da terra sejam rotulados como os setores centrais a serem tratados na discussão, o que pode gerar pesos desproporcionais para os países em que esses setores representam uma pequena parcela das emissões [de carbono] nacionais”, diz trecho do documento da CNA enviado ao governo brasileiro.

Em discurso à Assembleia-Geral da ONU, em setembro, o presidente da COP28, Sultan al-Jaber, pediu para que os líderes mundiais assinem a declaração da COP28 sobre sistemas alimentares e agricultura sustentável.

Ele reforçou a demanda na Semana do Clima de Nova York, dias depois. No entanto, o problema está nos detalhes de uma eventual declaração em conjunto —e ainda ninguém sabe como eles serão.

 No documento enviado ao governo, por exemplo, a CNA afirma que que os negociadores brasileiros devem insistir que a agroecologia e a produção de pequena escala não são os únicos caminhos para a transição dos sistemas alimentares. Isso, porém, vai na contramão de teses defendidas por ambientalistas.

“Nas últimas COPs, houve acordos paralelos que saíram [do escopo das cláusulas] do Acordo de Paris”, diz Nelson Ananias, coordenador de sustentabilidade da CNA à Folha, citando que um eventual tratado sobre sistemas alimentares entraria para essa lista.

Ao término de uma COP, é elaborada uma declaração final que engloba todos os países. No entanto, são também fechados acordos entre países —bilaterais ou em bloco— sobre outros temas debatidos.

“A CNA defende que as discussões não devem vazar para acordos bilaterais, sem nenhuma discussão, sem nenhuma ação e que acaba respingando em todos os outros países”, afirma Ananias.

O receio do setor é que uma eventual declaração conjunta sobre o tema crie barreiras não tarifárias para seus produtos. A exportação de soja, portanto, põe o agro em alerta.

 “Essa transição de sistemas alimentares dissolve uma questão nevrálgica do sistema agropecuário brasileiro, que é a exportação. O debate sobre esse assunto preconiza o abastecimento do mercado interno antes de exportar. E é por isso que a CNA não quer abordar isso neste momento”, diz Caio Victor Vieira, especialista em relações governamentais do Instituto da Talanoa.

AUMENTO DA PRODUÇÃO SEM EXPANSÃO DE TERRA

Outro ponto de atenção do setor são os inevitáveis debates sobre a expansão rural. Os ambientalistas defendem a possibilidade de aumento da produção da agropecuária sem avançar sobre florestas, mas o agro discorda.

Segundo o setor, inibir o desmatamento legal faria com que os produtores rurais abandonassem suas terras e as deixassem à mercê de grileiros.

“Não é razoável aceitar expressões que coíbam a expansão em área, o que pode contrariar regulamentações nacionais e a própria dinâmica da agricultura e da pecuária”, diz trecho do documento enviado ao governo.

Para a CNA, a expansão faz parte da solução: se feita em conformidade com tecnologias ambientais, aponta, será relevante para fortalecer a segurança alimentar e a capacidade produtiva dos países diante das ações climáticas.

 O Código Florestal brasileiro prevê que proprietários de terras na amazônia devem preservar 80% da área —o que, por lei, faz com que o desmatamento legal seja de 20%. No cerrado localizado dentro da Amazônia Legal, a preservação é de 35% e nas demais regiões, 20%.

“A CNA defende que o proprietário possa usar a propriedade dele que o Código Florestal garante. Então se ele pode abrir 20%, que ele abra esses 20%, se ele pode abrir 35%, 35%, 80%, 80%. O nosso receio é de que [prevaleça na COP a ideia de que] a gente hoje pode continuar produzindo sem desmatar nada”, diz Ananias.

Para Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima, a expansão da produção rural deve se concentrar nas pastagens degradadas. Há 101 milhões de hectares de pastagens no Brasil nesse nível, segundo a Embrapa, quase uma Colômbia.

“Os proprietários não deveriam pensar duas vezes em ocupar essas pastagens degradadas, tanto com pastagens de maior eficiência quanto com desocupar essas áreas de pasto e cedê-las para a produção de grãos. Isso porque desmatar custa dinheiro e segundo porque intensificar a produção nessas áreas que já estão abertas vai dar ainda mais dinheiro para o produtor”, diz Angelo.

Sem mudança de postura do setor, ele afirma que o agro continua parte do problema: “O agro não tem mérito nenhum para dizer que é solução para o aquecimento global”.

Quase dois terços (64%) da expansão da agropecuária no Brasil entre 1985 e 2022 é resultado do desmatamento para pastagem, cerca de 64,5 milhões de hectares, segundo o MapBiomas.

Em junho, o governo federal lançou um plano para zerar o desmatamento na Amazônia. A ideia do Executivo é reduzir a zero todo o desmatamento, inclusive a faixa permitida pelo Código Florestal.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já havia apresentado essa meta na COP27, quando ainda não tinha assumido a Presidência.

Já no mês passado, o emissário climático dos Estados Unidos, John Kerry, disse em evento promovido pelo CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) que o agro brasileiro precisa aumentar sua produção sem expandir terras de colheita ou pastagem.

Diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade, Maria Netto lembra que o debate sobre desmatamento zero tem também raízes protecionistas. Os EUA, por exemplo, é um dos principais concorrentes do agro brasileiro.

“No ponto de vista ambiental, a visão do agro não está totalmente errada. Existe uma manipulação econômica de usar essa demonização do desmatamento como medida de comércio internacional para aumentar o custo de produção”, afirma.

Na COP28, o agronegócio brasileiro corre o risco de ser vitrine. “A COP está sediada num país petroleiro que, evidentemente, está doido para que o foco da discussão seja todo em alimentação e em uso da terra e para que ninguém discuta o que de fato interessa, que é a eliminação dos combustíveis fósseis”, diz Angelo.

O QUE MAIS O AGRO QUER NA COP28
  • Formulação de um novo plano de adaptação climática
  • Maior financiamento para o setor se adequar às exigências ambientais
  • Estabelecer novas metodologias nacionais que contabilizem as absorções de carbono pelo solo
  • Criar portal online que apresente as ações ambientais do agronegócio mundial
  • Inclusão de projetos de crédito carbono relacionados à agropecuária nos mercados regulados (Folha, 10/11/23)
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