Presidente do Conselho do Instituto Arapyaú estreia coluna no Estadão nesta quinta-feira, 30,
Em 2022, a passagem do recém eleito presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, pela Conferência do Clima das Nações Unidas (COP) tinha o condão de indicar que o País voltaria a ser um protagonista no debate climático. Em 2023, no entanto, o tom já é outro: é o de quem está em posição de cobrar os demais países sobre o assunto. A avaliação é do biólogo Roberto Waack, presidente do Conselho do Instituto Arapyaú e cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. A partir desta quinta-feira, 30, Waack passará a integrar o time de colunistas da editoria de Economia do Estadão.
“O Lula chega podendo falar relativamente grosso, diferentemente do governo anterior, que chegava para tomar paulada”, afirma Waack. “E o que provavelmente vai acontecer é que o Brasil vai apontar o dedo, como o Lula já fez. Vai chegar com a narrativa de um país que tem um protagonismo, que tem um papel relevante, que está fazendo a lição de casa e que vai cobrar o mundo e com uma voz retumbante”, diz o especialista.
Apesar de prever um protagonismo brasileiro, Waack acredita que há pouco espaço para resoluções concretas entre os países em torno da agenda de transição energética e descarbonização. Mas até isso, afirma o biólogo, pode ser uma oportunidade para o Brasil liderar o debate daqui para frente. “Talvez o que eu vá dizer seja meio esquisito: a evidência do fracasso pode ser muito importante. Vamos voltar com uma expectativa muito pouco atendida, com bastante frustração, mas eu acredito que iremos voltar com uma pressão muito grande para que esse jogo mude.”
O setor privado brasileiro, segundo ele, deve ter forte presença no evento em busca de investimentos.
Como o Brasil chega nesta COP?
O Brasil chega grande, chega protagonista. Eu não sou governo, estou tentando fazer uma posição bem analítica. O Brasil marcou posição em todos os eventos internacionais com relação ao tema do clima. O Brasil chegará com, provavelmente, a maior delegação da COP. E o Brasil sempre esteve entre as maiores, mas nunca foi a maior. Esse ano tudo indica que será a maior e tem uma razão para isso. A razão é que o tema principal da COP esse ano são sistemas alimentares e justiça social, a justiça climática. E esse é um tema que nenhum país do mundo tem as condições que o Brasil tem para lidar com ele. Primeiro porque nós somos um dos maiores produtores de alimentos do planeta. Segundo, porque a nossa matriz energética faz com que a nossa produção de alimentos possa ser aquela com menor pegada de carbono do planeta – com um problema de desmatamento. Então nós chegamos com o potencial de ser o maior fornecedor de alimentos de baixo carbono do planeta.
Mas nós temos de acabar com o desmatamento. Se não acabarmos com o desmatamento, não vamos conseguir vender essa posição. E o Brasil, durante essa última gestão, conseguiu quebrar a curva de crescimento do desmatamento. Temos índices de redução concretos.
Então, o que o mundo esperava quando o Lula esteve lá (em 2022)? No ano passado era aquilo de fazer uma promessa. De certa maneira, o Brasil está sendo percebido agora como um país que está cumprindo a promessa de redução do desmatamento. Então o Lula chega podendo falar relativamente grosso, diferente do governo anterior, que chegava para tomar paulada. E o que provavelmente vai acontecer é que o Brasil vai apontar o dedo, como o Lula já fez. Vai chegar com a narrativa de um país que tem protagonismo, que tem papel relevante, que está fazendo a lição de casa e que vai cobrar o mundo e com uma voz retumbante.
O que significa cobrar o mundo com uma voz retumbante?
Cobrar recursos. O mundo tem falado de fundos de perdas e danos, que foi uma das questões indicadas na última COP, que são aqueles fundos voltados para cobrir as despesas que os países mais pobres terão com adaptação às mudanças climáticas. Esse fundo precisa ser constituído. E os outros fundos, os tais US$ 100 bilhões anuais que nunca foram efetivamente alocados e as políticas efetivas de transição energética. Todos os sinais que o mundo está dando é de que continua a produzir cada vez mais petróleo. As grandes empresas de petróleo do mundo investem muito pouco na chamada transição energética.
O Brasil precisava reduzir o desmatamento. Era o grande ponto. Agora o Brasil está reduzindo o desmatamento. O Brasil tem uma matriz energética baixa. O Brasil consegue produzir alimentos com baixo carbono e agora o mundo tem de fazer alguma coisa parecida. Então eu acho que é esse o tom que será dado.
Olhando o cenário internacional, o que o sr. vislumbra de possibilidade de resolução nesta COP?
O principal ponto da COP é a contradição, a ambiguidade. E as contradições e ambiguidades estão ficando evidentes demais. É muito difícil o mundo experimentar o que já está experimentando nas mudanças climáticas e não conseguir ver concretude nas ações relacionadas à redução da emissão de combustíveis fósseis, na transição energética.
E eu não tenho expectativa de nenhum grande acordo nesse campo. Talvez o que eu vá dizer seja meio esquisito: a evidência do fracasso pode ser muito importante. E isso já aconteceu em COPs anteriores, em que o grande resultado foi o fracasso, porque ele evidencia que não dá para conviver com o fracasso. E nas COPs seguintes esse processo é ajustado. Vamos voltar com uma expectativa muito pouco atendida, com bastante frustração, mas eu acredito que iremos voltar com uma pressão muito grande para que esse jogo mude. E isso, de alguma forma, cai no colo do Brasil de novo por dois motivos.
O Brasil assume o G-20 e eu acho que um fracasso nas negociações relacionadas à transição energética nessa COP será objeto de uma discussão no G-20. É inevitável. E, segundo, o Brasil terá a COP em 2025, sendo que a de 2024 é uma incerteza, talvez nem ocorra. Está muito incerto. Então a próxima grande COP certamente será de Belém. Tenho expectativa de que um fracasso retumbante dessa discussão de transição energética terá relevância para o G-20 e para o desenho da COP-30.
Tem um tema que eu acho que é meio marginal, mas que vai ser muito importante nessa COP, que é a questão da justiça social. E aí, mais uma vez, o Brasil tem um lugar de fala relevante pelo que Lula representa e pelo que ele já tem falado em todos os fóruns e pela demanda real que o Brasil tem para endereçar essa questão. Também vejo uma pressão muito grande para o sistema financeiro passar a cumprir aquilo que de alguma forma anunciou, muito especialmente os fundos de perdas e danos. E sobre o balanço global, é algo que acho que vai avançar, mas não me parece que seja algo que vai ser transformador.
Há uma expectativa de que o presidente Lula fale sobre o programa de recuperação de pastagens degradadas. Além deste, quais são os pontos de atenção no discurso do Lula e na movimentação da comitiva brasileira?
A questão do País como um produtor de alimentos ligado a essa discussão toda do uso da terra acho que é o principal anúncio. Ele está alinhado com o tema principal da COP e acho que essa linha da recuperação de pastagens vai realmente ganhar muito peso. Ela é muito relevante porque nenhum país tem um volume de terras disponível para aumento da produção de alimentos com impacto positivo na área de carbono, via recuperação de solo, de pastagens.
E esse tema vai estar combinado com um outro tema muito próximo, que é a restauração florestal. O Brasil começou a anunciar alguns investimentos neste ano, com oenvolvimento de empresas muito grandes. O jogo da restauração florestal mudou de patamar do ponto de vista de investimentos. A discussão da restauração florestal e quais são as políticas públicas que o governo vai colocar a disposição para que isso seja efetivamente cumprido é um tema central.
Neste mesmo campo, outro tema central é rastreabilidade. A Europa está impondo condições muito difíceis de rastreabilidade de grãos e boi. E o debate dentro do Brasil está muito intenso, mas ainda não há clareza de quais são as políticas públicas voltadas para isso.
O Brasil vai chegar grande, falando grosso, vai mostrar que reduziu o desmatamento, vai dizer que é o bambambã na área de produção de alimentos de baixo carbono, mas ele tem lições de casa para fazer. Essas lições de casa para fazer são: quais são as políticas efetivamente colocadas em prática para restauração de pastagens? Para restauração florestal? E para rastreabilidade? E essas medidas terão de ser de curto prazo.
O que as empresas esperam dessa COP?
O setor privado brasileiro aprendeu que as grandes negociações são apenas grandes sinalizações, mas que o jogo está muito mais na mão dele, independentemente dos acordos (entre países) serem bem ou mal sucedidos.
A COP virou um espaço onde negociações, encontros e anúncios são realizados, independentemente do rumo das negociações. É esse o jogo que vai acontecer lá. O setor privado brasileiro aprendeu que a COP é um espaço para comunicação de estratégias ligadas a mudanças climáticas, a transição energética, transição alimentar. Ele é um espaço de encontro com a comunidade financeira e essa é uma das expectativas dessa inundação de brasileiros e de empresas brasileiras. A expectativa é uma aproximação com esse mercado de capitais.
Vejo o setor privado ligado à produção de alimentos se aproximando muito mais do setor florestal. Eu acho que no campo privado isso vai acontecer. O Brasil é também uma potência na área de minerais estratégicos para a área de baterias. A parte empresarial brasileira está muito ativa nesse campo, ainda que silenciosa. O mesmo vale para a área do hidrogênio verde. Acho que vai haver anúncios importantes na área de sistemas de rastreabilidade, independentemente de políticas públicas.
O Brasilfoi cobrado na Cúpula pela Amazôniapelaintenção de explorar petróleo na margem equatorial. Essa cobrança deve voltar?
Com certeza. Estamos tratando isso de uma maneira ainda bastante superficial. Porque o ponto central, é, afinal de contas, a transição energética brasileira é o quê? Quais são as metas? Quais são os volumes? Quando iremos cumprir o quê? Nada disso está claro: para quê precisamos do petróleo na margem equatorial dentro de um plano de transição energética? Não está claro. Não estou dizendo se é bom ou ruim, não temos clareza de qual é a nossa curva de demanda de petróleo. Sem isso, fica difícil discutir (Roberto Waack é presidente do Conselho do Instituto Arapyau, Estadão, 30/11/23)