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Brasil, paralisado no tempo

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Por Philipp Lichterbeck

Seca que assola região amazônica é crise anunciada que não tem atenção devida no meio político. 

O país, mais uma vez, está andando em círculos, sem avançar nem retroceder. O governo, desprovido de ideias e energia, administra a paralisia enquanto a catástrofe espreita na esquina.

No Brasil, tudo volta ao normal. Em vez de se falar diariamente em disparates como golden showercloroquina, arminhas ou o clima que o próprio presidente disse que “pintou” com meninas de 14 anos, a discussão gira em torno de uma reforma tributária. De início, disseram que a intenção é simplificar, padronizar e tornar as coisas mais justas. Mas agora grupos de interesse fazem pressão para obter melhores condições e exceções.

Principalmente as indústrias e os cidadãos que sempre foram privilegiados são os lobistas de sua própria causa mais bem-sucedidos. Sempre foi assim no Brasil, este país tão rico e cheio de pobres; esta nação próspera que há décadas está no topo da lista dos países com a distribuição mais injusta da prosperidade.

A regra é: quem tem, ganha – atualmente por conta dos altos juros. Quem nada tem, não ganha nada. Esse pode sonhar a vida inteira em um dia alcançar a prosperidade que lhe é mostrada nas novelas, nas quais homens e mulheres parecem nunca trabalhar, mas estão sempre ocupados com intrigas ou dramas de relacionamento. A estrutura de renda no Brasil torna quase impossível que o brasileiro médio chegue a esse nível de decadência. 

Poder do crime organizado

Enquanto isso, o crime organizado mostra ao Rio de Janeiro, cuja polícia está sob o controle de um bolsonarista (lei & ordem!), quem realmente tem o poder. A milícia paralisou o Rio por dois dias, e me lembrei de 2006, quando o PCC aterrorizou São Paulo durante uma semana. Como é tênue o verniz de ordem nas duas maiores cidades do Brasil. Pouca coisa mudou em 17 anos.

Enquanto isso, 21 metralhadoras desaparecem do arsenal do Exército brasileiro. A cada par de anos há relatos como esse e nos perguntamos qual é o sentido do inchado aparato militar do Brasil, dotado de privilégios barrocos, se ele não consegue sequer cuidar de suas próprias armas. Na bela cidade do Rio há grandes quartéis, mas na longa fronteira externa da Amazônia o contrabando floresce, e as máfias transnacionais atuam sem serem perturbadas. A existência do enorme aparato militar poderia, na melhor das hipóteses, ser justificada como instituição social: consegue acolher jovens pobres sem educação e perspectivas.

Nada muda

A energia caiu na cidade de XY após tempestade – uma notícia atual. Mas ela também pode ter 25 anos. Assim como esta: após fortes chuvas, a cidade de XY fica inundada. Problema conhecido, solução adiada. Não conheço nenhum país onde as pessoas estejam tão habituadas ao fato de que nada muda; que tudo anda em círculos.

Aliás, o que o clã Bolsonaro anda fazendo? O que sempre fez! Preparar o 04 para sugar as tetas do Estado como outro desordeiro fascista. Não duvido que ele seja eleito. 

Enquanto isso, o governo Lula administra a paralisia, eleva as pessoas do inevitável Centrão a cargos lucrativos e amortece os excessos da pobreza com programas sociais, como de costume. Estuda atualmente ampliar o Minha Casa, Minha Vida para famílias com renda de até R$ 12 mil.

Catástrofe anunciada

Mas onde está a grande reforma da educação, a reforma da saúde, a reforma das forças de segurança, um programa para transformar as favelas, a reforma do saneamento público, um pacto anticorrupção? Uma visão para a Amazônia? Parece que a energia de Lula se esgotou. Uma visão para o país? Um programa ambicioso sob o lema “Brasil 2030”? Nada!

Lula parece cansado e parece confiar mais na esposa do que no ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a quem, na verdade, deveria fortalecer se quisesse preparar um sucessor. Mas Lula não quer preparar um sucessor, considera-se insubstituível.

Enquanto isso, a Amazônia seca. Manaus, a cidade no meio da maior floresta tropical do planeta, é atingida por uma tempestade de areia como se fosse Marrakech. O que vem acontecendo na Amazônia há semanas é um vislumbre do futuro, um anúncio da catástrofe que se aproxima. Mas quase não recebe atenção, nem na mídia, nem no meio político.

Só os cientistas avisam – como num daqueles filmes-catástrofe em que ninguém quer ouvir o aviso do cientista. O ponto de inflexão da Amazônia está se aproximando, segundo modelos de pesquisadores. Então, o maior reservatório de água doce do planeta se tornará uma savana. Então, a indústria agrícola brasileira pode se irritar como quiser com questões supostamente “doutrinadoras” no Enem.  Ela simplesmente não existirá mais. Sem a Floresta Amazônica, não choverá no Centro-Oeste e no Sudoeste, o cálculo é simples assim.

“Mais de 70% dos fazendeiros sentem na terra e no bolso os efeitos das mudanças climáticas”. Assim dizia uma manchete em outubro no jornal O Globo. Só falta descobrir agora quem há décadas vem derrubando a floresta na Amazônia e no Cerrado, botando rebanhos sobre elas, plantando monoculturas e transformando reservatórios de água em desertos. O governo Lula estuda agora expandir a BR-319 entre Porto Velho e Manaus. Seria a sentença de morte para o ecossistema amazônico.

O Brasil atual é um país sem rumo, que se deixa cegar pelo crescimento econômico moderado, por uma pretensa força na política externa e por mais um título na Copa Libertadores (Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria  Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio (DW, 8/11/23)

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