Por João Gabriel
- Resistência de países ricos em ampliar financiamento climático segue travando o debate
- Tensão aponta risco de que divergências transbordem e bloqueiem outras pautas, como adaptação e novo fundo de florestas
Enquanto avança com as negociações formais, a COP30, conferência sobre mudança climática das Nações Unidas, vê o principal foco de tensão surgir em um debate paralelo, mas que impõe risco de transbordar para as outras tratativas do evento.
O impasse não é novo, pelo contrário, é o mesmo que travou todas as últimas reuniões: a resistência dos países ricos em assumir a responsabilidade de pagar a conta das mudanças climáticas.
Neste ano, apesar do Brasil ter conseguido inicialmente um grande trunfo ao driblar este entrave, ainda há a ameaça de que os desentendimentos sobre financiamento afetem outros tópicos de discussão.
“Por enquanto está tranquilo, a presidência vem manejando as agendas, mas elas podem transformar isso daqui num problema gigante de negociação. A gente pode caminhar assim [com calmaria] até o fim ou nós podemos estar vivendo o silêncio antes da tempestade”, define Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Uma das primeiras grandes vitórias do Brasil na atual conferência foi conseguir que as negociações não fossem barradas logo na largada —o que aconteceu em reuniões preparatórias.
Toda COP tem, por regra, uma agenda prevista com antecedência. No primeiro dia oficial do evento, os países podem demandar acrescentar ou excluir novos itens dessa pauta, e a lista final precisa ser acordada por consenso total —a negociação mesmo só começa depois disso.
O que acontece é que algumas nações aproveitam esse momento para fazer suas reivindicações e, até que sejam atendidas, travam essa aprovação e as tratativas. Foi o que aconteceu nas reuniões preparatórias de Belém.
Para evitar isso, a presidência selecionou temas que costumam causar enorme divergência e, em vez de debatê-los dentro dos itens de negociação formal, os trouxe para consultas paralelas entre os países, para tentar chegar a uma decisão acerca deles.
São quatro pontos: o financiamento de recursos dos países desenvolvidos para os em desenvolvimento; as metas climáticas nacionais (NDCs, na sigla em inglês), os relatórios de transparência e as medidas unilaterais de comércio.
O primeiro item é o que, historicamente, trava todas as negociações climáticas diante da resistência das nações ricas em atender à demanda das economias menores para mobilizar mais dinheiro para investimentos.
Por isso, conseguir o acordo e evitar o travamento da pauta foi uma grande vitória do Brasil.
Já nas consultas, o financiamento foi, como esperado, o ponto de maior tensão até aqui e, como mostrou a Folha, a própria Arábia Saudita já deu indiretas de que pode, caso não se avance neste ponto, começar a atrapalhar outras agendas de negociação.
Uma dessas pautas é a de adaptação, uma das prioridades do Brasil na COP30.
As tratativas se dão em torno da criação de indicadores para medir o avanço ou o retrocesso de medidas dessa área, por exemplo, construções mais resilientes à nova realidade climática, implementação de sistemas de alerta para desastres ou a prática de uma agricultura mais sustentável.
As conversas, até aqui, enfrentam resistência do grupo de países africanos, que quer alguns anos para implementar esses novos parâmetros, sob argumento de precisarem de tempo e, sobretudo, dinheiro.
“Alguns grupos de países em desenvolvimento temem que os indicadores possam restringir acesso ao financiamento e dizem que precisam de apoio técnico e financiamento para entregar dados sobre essas metas”, afirma Anna Cárcamo, especialista em política climática do Greenpeace Brasil.
O impasse, por enquanto, não preocupa, uma vez que há mais de uma semana de negociação pela frente.
Outra importante pauta para o Brasil é o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (conhecido pela sigla TFFF, em inglês), que até aqui conseguiu chegar a US$ 5,6 bilhões em investimentos de países.
O valor, apesar de representar apenas 22% do total de US$ 25 bilhões que o mecanismo precisa em aportes nacionais para funcionar com plenitude, já é um ponto de largada importante, segundo negociadores. A expectativa do Ministério da Fazenda é conseguir US$ 10 bilhões até o fim de 2026.
O país aposta que este é um bom momento para convencer mais países a se juntarem a Indonésia, Noruega, França e o governo brasileiro como aportadores do mecanismo.
Para Mauricio Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil, os US$ 5,6 bilhões “dão confiança e estrutura suficiente para que outros atores possam se comprometer também”. “Então acho que daqui para frente novos países vão trazer recursos”, avalia (Folha, 14/11/25)









