Entrevista com José Roberto Mendonça de Barros Sócio fundador da consultoria MB Associados.
O economista José Roberto Mendonça de Barros está preocupado com os rumos da economia sob o governo Lula. Em entrevista ao Estadão, o sócio-fundador da consultoria MB Associados afirma que a inflação “entrou no radar de novo” e aponta que a piora das expectativas na economia está próxima de virar um “fato consumado”.
Para Mendonça de Barros, causa surpresa que o governo ainda tenha dúvidas sobre a necessidade de implementar um forte ajuste fiscal. “Existe o caminho de buscar o grau de investimento, que está sendo apontado pelo ministro Fernando Haddad, e existe o outro caminho – que já deu errado e não tem como dar certo“, afirma. “Isso deixa a gente estupefato. Eles já deveriam saber para onde ir.”
Ele alerta que a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos não será boa para países emergentes como o Brasil – e que isso tornou o cenário externo muito mais desafiador.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Que avaliação o sr. faz da atual conjuntura econômica?
Estou bastante preocupado com o andar da carruagem. E o centro disso, que eu acho que todo mundo concordaria, é a piora das expectativas. O que mais preocupa é que a inflação encostou em 5%. Não é que ela encostou no teto da meta; ela encostou em 5%. Estamos no vértice de transformar a expectativa em fato consumado. Essa é a maior preocupação.
Por quê?
É muito simples. Eu vejo os clientes não financeiros: a primeira puxada do câmbio, ninguém põe no preço do produto, porque avalia como temporária. Mas, à medida que isso vai ficando, o câmbio entra nas tabelas de preços. Eu estou vendo isso acontecer.
E o dólar mais alto pressiona a inflação…
O problema é a inflação – e a inflação derruba a avaliação de qualquer governo. Minha preocupação é que realmente nós estamos chegando ao ponto em que a profecia se autoconfirma. Se tinha alguma dúvida, o resultado da eleição americana e o famoso “Trump trade”, que já vem sendo antecipado muito antes da eleição, mostra que, de fora, vem uma bucha de proporções razoáveis para países como o Brasil. Não tem como achar que daí vem qualquer coisa boa pra nós.
Como está vendo a eleição do Trump?
Não é boa para os Estados Unidos, não é boa para o mundo, e não é boa para o Brasil. Porque os juros vão subir e o dólar vai se valorizar. Mais uma vez o mercado americano funcionará como um aspirador, vai chupar dinheiro e recursos no mundo inteiro. E aí nós voltamos para onde começamos: a inflação. A inflação entrou no radar de novo. Essa é a mensagem mais preocupante, número um.
E qual a número dois?
É a tendência à desaceleração da economia brasileira no ano que vem, que eu acho muito forte. A gente tem um estímulo menor ao crescimento do exterior. Menor preço de commodities. Do exterior, haverá menos estímulo.
E, internamente, temos aumento de juros pelo Banco Central…
A taxa de juros vai seguir o seu curso. A pancada no crédito vai ser enorme, e as pessoas estão subestimando isso. Se você somar o impulso menor que virá do setor externo, a contração que vem do aumento de juros, com taxas inacreditáveis de 6,5%, 7%, reais, mata qualquer coisa. E o impulso fiscal vai desacelerar. Não tem como escapar. Ainda que os economistas em geral tenham errado muito as projeções para o PIB nos últimos três anos, não vejo de onde virá um crescimento forte no ano que vem. Prevemos crescimento de 1,8% no PIB em 2025.
O caminho para atenuar isso é o pacote fiscal?
É a bola da vez mesmo. Não tem escolha, porque, se não tiver isso, não tem chance de melhorar um pouco da expectativa – e aí não cai o câmbio, não cai a questão da inflação, e a gente vai para uma situação muito complicada.
Qual o mínimo desse pacote para acalmar o mercado?
A linha de corte também é um certo consenso, algo em torno de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões. Para acalmar os espíritos, tinha de ser mais do que isso; mas, considerando a política, é impossível imaginar um negócio desse.
Se o pacote frustrar, a gente pode ter dólar a R$ 6 e inflação a 5%?
Não tenho dúvida nenhuma. Ele já está lá, a rigor, a valor presente. É muito mais perigoso o negócio da inflação do que parece. Nós tínhamos 3,6% de inflação há poucos meses.
O PT diz que precisa que o pacote atinja o andar de cima, para conseguir ao menos uma linha de comunicação…
Eu entendo esse discurso, mas eu acho que, ao falar isso, o partido subestima o fato de que o mercado de trabalho está espetacularmente bom. E o atraso (no anúncio das medidas de corte de gastos) torna o cenário mais perigoso, porque há um mês não tinha eleição americana decidida. O Trump vai entrar com todo o gás. Ele ganhou tudo.
O nosso BC superou a crise de confiança?
Eu acho que ele superou a primeira onda de desconfiança. Mas ainda vai ter um teste, um segundo teste, quando não tiver mais o Roberto Campos. E é claro que depende muito dos nomes que serão indicados para a diretoria. Mas acho que o (Gabriel) Galípolo (que assume a presidência do BC em janeiro) é perceptivo o suficiente para saber que não tem alternativa. Outra coisa que eu acho, que é um pouco subestimada, é que o presidente é parte de uma organização chamada Banco Central – uma máquina muito técnica e competente, com uma estrutura que trabalha em torno de um objetivo.
O governo está diante de um cenário binário na economia?
Exatamente. E, com a vitória do Trump, tudo fica mais difícil. É impressionante como o governo brasileiro ainda tem dúvida. Existe o caminho de buscar o grau de investimento, que está sendo apontado pelo ministro Fernando Haddad, e existe o outro caminho – que já deu errado e não tem como dar certo. Isso deixa a gente estupefato. Eles já deveriam saber para onde ir (Estadão, 19/11/24)