Por Arnaldo Luiz Corrêa
Se tem algo que ninguém pode reclamar acerca do mercado de açúcar é de tédio. Monotonia e enfastiamento há tempos não costumam fazer parte do cardápio oferecido pelo mercado de açúcar. Sempre alguma coisa inesperada acontece e empurra os preços para a direção oposta àquela que todos esperavam. Inclusive esse pobre escriba.
Temos ponderado que o mercado de açúcar em NY terá enormes dificuldades em negociar e permanecer acima dos 19 centavos de dólar por libra-peso, por vários motivos exaustivamente expostos, mas que convém para o entendimento de todos, repeti-los aqui.
São eles: a) uma recessão mundial exige gestão otimizada dos estoques, portanto, os consumidores industriais ainda mais sob um mercado futuro invertido, como é o caso do açúcar, tenderão a trabalhar com o estoque absolutamente necessário, ou como se costuma dizer, da mão para a boca; b) os preços atuais permitem margem às exportações indianas limitando a alta de preços; c) a incerteza sobre a volta dos impostos federais sobre a gasolina deixam uma espada na cabeça do mercado, ou seja, podemos ter um mix mais açucareiro, se o hidratado continuar a ser negociado a desconto.
Mas, NY não quis saber das ponderações acima. O contrato futuro com vencimento para março/23 encerrou a sexta-feira a 19.59 centavos de dólar por libra-peso, 91 pontos acima do fechamento da semana anterior, equivalentes a uma valorização de 20 dólares por tonelada.
Além disso, a moeda brasileira se desvalorizou em relação ao dólar americano, acumulando uma retração de pouco mais de 5%. Dessa forma, os valores do açúcar em NY convertidos em reais usando o NDF (Non-Deliverable Forward), um contrato a termo de moeda com liquidação financeira, apreciaram 147 reais por tonelada em comparação à semana passada. Será que temos uma reversão de tendência à frente?
O mercado em NY, em verdade, refletiu o default por parte de algumas usinas indianas que venderam o mesmo volume para outra trader por preços mais altos e deixaram de performar o contrato que tinham a preços inferiores ao do mercado. Tecnicamente, o açúcar vai alcançar o mercado internacional de qualquer jeito, mas, enquanto isso, as estruturas de hedge feitas pelas tradings que são partes dessa negociação precisaram ser desfeitas e NY pode ter sido contagiado por isso. Essa firmeza do mercado tem a consistência de uma gelatina. A conferir.
Comenta-se que 400,000 toneladas estariam nessa condição, o que não é nada que tenha força suficiente para trazer ruptura no fornecimento. No entanto, o mercado normalmente reage com maior intensidade quando a palavra “default” é mencionada. Por que a parte lesada (tradings) não entra na justiça indiana contra as usinas?
Primeiramente, as usinas na Índia têm um papel social importante, pois elas fornecem renda direta aos agricultores. Uma usina pode impactar a vida financeira de 50,000 pessoas. Outro ponto é que elas são propriedade privada e muitas delas são administradas por políticos. [Antes que você torça o nariz pensando na corrupção dos políticos indianos, é bom lembrar que de acordo com a ONG Transparência Internacional, numa escala de 0 a 100 o Brasil tem 38 pontos e a Índia 40. O menos corrupto é a Dinamarca com 88 pontos.]
Voltando ao assunto, se uma trading entrar na justiça na Índia, essas influências políticas são fortes o suficiente para interpretar as leis de tal forma que as tradings podem ver sua liquidez financeira se esvair. Portanto, entrar na justiça não tem nenhum efeito. Tem o caso de uma trading que opera no Brasil que briga há doze anos na corte indiana contra algumas usinas em Maharashtra, sem sucesso.
Falando um pouco de etanol, o hidratado chegou a negociar próximo de R$ 3,0800 por litro sem impostos, equivalentes ao açúcar a 17.50 centavos de dólar por libra-peso. Esse valor, considerando o benefício do CBIO (equivalentes a 0.47 centavos de dólar por libra-peso) e o prêmio pago pelo açúcar no mercado físico equivale a um desconto de 175 pontos contra NY. Essa diferença deve estreitar, mostrando uma oportunidade de negócio (vender açúcar e comprar etanol na B3).
O presidente eleito assusta o mercado financeiro com suas ideias do século passado (ou será retrasado?) sobre a economia. Não podíamos esperar nada melhor do que já conhecemos. O Brasil sofre com esses populistas que infestam a política brasileira desde o ditador Getúlio Vargas, com pouquíssimas e honrosas exceções (JK, FHC e Temer). Sabe-se lá o que nos espera quando esse cidadão assumir em 1º de janeiro.
A Bolsa de Valores no Brasil caiu 5% na semana e o real se desvalorizou 5.74%. O papel de algumas empresas está muito barato, segundo analistas, e isso pode atrair investidores estrangeiros para aproveitar algumas pechinchas. O movimento valorizaria o real. O humor do mercado precisa mudar muito.
Nossa vizinha Argentina anunciou mais uma daquelas medidas testadas no Brasil à exaustão e que nunca deram certo. Segundo a Reuters, O governo argentino fez um acordo com supermercados e fornecedores de bens de consumo para congelar ou regular os preços de cerca de 1.500 produtos, objetivando controlar uma inflação que beira os 100% este ano. Quando você pensa que o Brasil está uma lástima, dê uma olhada nos nossos irmãos do Sul (Arnaldo Luiz Corrêa é diretor da Archer Consulting. 11/11/22)