Em evento sobre novo relatório do painel do clima da ONU, exploração de óleo na Amazônia foi debatida.
O coordenador científico da Rede Clima (Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas), Moacyr Araújo, afirmou nesta segunda-feira (20) que acredita que o país não vai parar de depender do petróleo no futuro próximo.
A declaração foi dada quando ele foi questionado pela Folha sobre a aposta do governo federal na exploração de petróleo, especialmente na Amazônia.
“Nós não vamos nos livrar do petróleo tão rapidamente assim, tá? Isso é uma constatação não só do Brasil, mas do planeta”, disse, durante evento para imprensa promovido pelo Instituto ClimaInfo e pela Fapesp sobre os resultados do novo relatório do painel do clima da ONU (IPCC, na sigla em inglês).
A Rede Clima tem o papel de apoiar atividades de pesquisa do Plano Nacional de Mudanças Climáticas e é vinculado ao MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação).
Segundo um relatório elaborado pela Agência Internacional de Energia, para zerar as emissões líquidas de carbono até 2050, é essencial que não sejam feitos investimentos em novos projetos de extração de combustíveis fósseis. A meta é um dos passos para que seja possível cumprir o Acordo de Paris e limitar o aquecimento global a 1,5°C.
Araújo ponderou que é preciso “fazer muito esforço para diminuir a matriz fóssil”, mas que o petróleo não é usado apenas para fazer combustíveis fósseis. Ele aponta que cerca de 10% da produção da indústria petroquímica são focados em plástico, número que, o pesquisador estima, deve chegar a 20% até 2050.
“Vai ser muito difícil impedir a geração [de plástico], porque ele tem aplicações que vão além de uma garrafa pet, com toda a questão cirúrgica, hospitalar etc, que depende fortemente da indústria do plástico.”
O pesquisador destacou que a poluição massiva de plástico é outro problema a ser enfrentado e que esse material precisa ser reaproveitado e usado na geração de energia. “Eu acho que a gente tem que administrar essa questão”, afirmou.
“Sou absolutamente contra novas explorações em áreas de elevado potencial de biodiversidade, sem que haja análise prévia etc. Mas dizer e assumir que nós vamos nos livrar do petróleo nos próximos dez, 20 anos, eu acho ilusório. É melhor trabalhar justamente essa forma de mitigar isso aí, como transformar esse excesso em energia novamente.”
Ana Toni, escolhida para chefiar a Secretaria Nacional de Mudanças do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, também estava presente.
Em resposta à mesma pergunta sobre exploração de petróleo no novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), disse que é preciso elaborar planos setoriais “para fazer as difíceis escolhas sobre o que temos que abrir mão o mais rapidamente possível e as coisas que vão demorar um pouco mais”.
“Em relação aos combustíveis fósseis, todas as fontes de energia têm, logicamente, impactos ambientais. O combustível fóssil é o primeiro que vamos ter que resolver, mas temos que olhar [os impactos] como um todo”, afirmou, acrescentando que não comentaria sobre a exploração na Amazônia.
Um dos pontos abordados no âmbito da discussão climática é o de transição justa, ou seja, como fazer a transição energética levando em conta que nações em desenvolvimento ainda dependem de combustíveis fósseis.
Toni afirma que, no caso do Brasil, existe um problema para equacionar os aspectos econômicos, sociais e de redução de carbono e que a solução para a transição passa por uma gestão eficiente.
“Mecanismos a que talvez a gente não tenha dado tanta ênfase no passado se tornam prioritários agora, para podermos agilizar as medidas necessárias para fazer essas escolhas difíceis. Se não é o combustível fóssil na Amazônia, é o quê? Como é que a gente vai fazer com que a economia continue andando, com que a população continue sendo servida da melhor maneira possível? Essas escolhas requerem uma gestão de boa governança.”
Mercedes Bustamante, presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e uma das revisoras do novo relatório-síntese do IPCC, que também fez parte da entrevista coletiva, ponderou que, na transição justa, o objetivo é garantir que as pessoas empregadas pelo setor fóssil tenham capacitação e trabalho nessa transição (Folha de S.Paulo, 21/3/23)