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Mercado voluntário de carbono tem potencial gigantesco no Brasil

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País concentra 15% do potencial global de captura de carbono por meios naturais; mercado de créditos deve saltar de USD 1 bi atuais para 50 bi em 2030; garantir alta integridade é fundamental.

Empresas que já estão engajadas em compensar suas emissões de carbono enfrentam cada vez mais dificuldade para garantir a mesma quantidade de créditos de anos anteriores. A demanda por créditos de carbono voluntários vem crescendo junto com a relevância da agenda ESG, mas a oferta de créditos ainda é baixa e seu preço tem aumentado brutalmente.

Para ajudar a limitar o aquecimento global a 1,5°C até 2050, empresas do mundo inteiro estão estabelecendo metas de carbono zero ou neutralidade de carbono (net zero), ou seja, zerar as emissões líquidas de carbono de suas operações. Para isso, o desafio é grande e o tempo, curto. Descarbonizar as operações é o caminho preferencial, mas muitos setores – como mineração e aviação – ainda não conseguem eliminar totalmente suas emissões, seja por uma questão estrutural ou pelo estado ainda incipiente das tecnologias necessárias. Isso torna a maioria das empresas dependente da compra de créditos de carbono para remover ou neutralizar as emissões remanescentes. Outros setores e organizações já podem optar por um caminho mais ambicioso e almejam a neutralidade de carbono em um horizonte de tempo mais curto.

Seja para os setores onde descarbonizar é mais fácil ou mais difícil, o mercado voluntário de carbono tem um papel relevante a desempenhar e é parte fundamental na jornada de contenção do aquecimento global, daí sua crescente importância e visibilidade.

Mercado regulado e voluntário

Existem duas maneiras de precificar o carbono: via órgãos reguladores, por meio de um imposto de carbono ou de um sistema de comércio de emissões, ou voluntariamente, com uma precificação interna de carbono ou um mercado voluntário de carbono.

Para ajudar a cumprir as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) que estabelecem metas de emissões para 2030, bem como outras metas de emissões domésticas, muitos governos nacionais e regionais estão precificando o carbono. Isso geralmente é feito dentro dos Sistemas de Comércio de Emissões (também conhecidos como ETS ou cap and trade): o regulador normalmente define um limite ou teto de emissões para um grupo de setores específicos, que será reduzido anualmente, e as empresas abrangidas nos setores têm que apresentar licenças de emissão – o direito de emitir uma tonelada de CO2 equivalente – para todas suas emissões cobertas pelo sistema. Essas licenças são frequentemente negociadas em um mercado secundário, o que ajuda a determinar o preço do carbono pelo qual os setores cobertos podem cumprir as reduções exigidas e não ultrapassar o teto. Esse é o mercado regulado.

Já a demanda nos mercados voluntários de carbono não surge a partir de um teto regulatório, mas de empresas e indivíduos que desejam voluntariamente compensar ou neutralizar sua pegada de carbono, e de investidores que incitam as empresas de seu portfólio a se tornarem neutras ou zero carbono. Além disso, embora as licenças sejam negociadas de forma bilateral e/ou em mercados e bolsas, existem diferenças entre os créditos: se reduzem, evitam ou removem as emissões; de quais atividades ou região são originados; quais cobenefícios eles criam; entre outros. Há, no entanto, uma pequena conexão entre os mercados regulado e voluntário, pois alguns mercados regulados permitem que uma pequena parte das metas seja cumprida por meio de créditos de carbono voluntários.

Oferta ainda é baixa

O Brasil iniciou a regulamentação do seu mercado de carbono com o Decreto Presidencial nº 11.075, de 19 de maio de 2022; enquanto isso, o mercado voluntário, foco deste artigo, já vem dando seus passos iniciais, porém com múltiplos desafios. A oferta de créditos de carbono no mercado brasileiro ainda é baixa: emitimos atualmente menos de 1% do potencial anual do país, majoritariamente com créditos de projetos de conservação e geração de energia a partir de resíduos. Enquanto isso, muitas empresas começam a estabelecer suas metas de redução, gerando um crescimento acelerado na demanda e uma escalada do preço do crédito de carbono voluntário, com tendência contínua de alta para os próximos anos.

No cenário global, é estimado que a demanda por créditos de carbono possa aumentar 15 vezes ou mais até 2030, e até 100 vezes até 2050. O mercado de créditos de carbono deve saltar de aproximadamente USD 1 bilhão em 2021 para um mercado de pelo menos USD 50 bilhões em 2030.

O país tem condições altamente privilegiadas para desenvolver um mercado vibrante de créditos voluntários de carbono, tanto por sua demanda potencial (90-220 MtCO2eq em 2030), quanto pelo seu potencial de gerar créditos de carbono: 15% de todo o potencial global de captura de carbono por meios naturais está em território nacional. Além do enorme potencial, o custo brasileiro para desenvolver e implementar projetos para obter créditos de alta qualidade e integridade é menor e mais competitivo do que a média global, com retornos mais atrativos quando comparado a atividades econômicas atuais – principalmente pecuária extensiva em pastagens degradadas.

A demanda das empresas atuando no Brasil deve crescer

Das 80 principais empresas que atuam no Brasil1 , 77% já publicaram alguma meta de redução de emissões e 56% ainda não estão alinhadas às recomendações da comunidade científica para atingir o limite de 1,5°C. Além disso, 41% ainda não se comprometeram a se tornarem neutras em carbono.

Considerando apenas os atuais compromissos das empresas mapeadas, a demanda por crédito de carbono voluntário no Brasil deve chegar a 7 milhões de toneladas de CO2eq em 2030, o que representaria aproximadamente USD 200 milhões. Porém, conforme novos compromissos são anunciados, a demanda total pode chegar a 90-220 milhões de toneladas de CO2eq de acordo com o estudo realizado, o que, dentro dos diferentes cenários de oferta e preço, pode representar um mercado de USD $1,5 a 6 bilhões.

País tem condições privilegiadas

Do potencial brasileiro, aproximadamente 80% são projetos de restauração florestal em áreas de pastagem degradadas capazes de remover carbono da atmosfera. Projetos desta natureza geram créditos de alta qualidade e atendem à demanda de empresas que buscam créditos de sequestro de carbono, além de terem múltiplos outros benefícios associados – como recuperação de biodiversidade, impacto positivo nas comunidades locais e segurança hídrica, entre outros.

A análise econômica desenvolvida para estimar o potencial e o custo de projetos de restauração leva em conta os custos de implantação – como o custo de aquisição da terra e da adoção das técnicas mais adequadas ao tipo de solo e bioma – e o custo de oportunidade para substituição da atividade agropecuária em pastagens degradadas em cada mesorregião do país. Assim, assumindo um preço do crédito de carbono a USD 30/tCO2eq em 2030, o país poderia capturar 1,5 GtCO2eq em uma área total de 85 milhões de hectares. Ou seja, em aproximadamente 50% da área de pasto atual, será mais atrativo economicamente substituir a atividade de pecuária em pastagens degradadas por projetos de restauração ou florestamento.

Além disso, projetos de agricultura regenerativa e redução de metano podem baixar essas emissões de 373 para 160 MtCO2eq em 2030 – as emissões de metano correspondem hoje a 17% das emissões anuais brasileiras. Práticas de manejo integrado, como a integração lavoura-pecuária-floresta, têm o potencial de não apenas reduzir as emissões ligadas à produção agropecuária, mas também de intensificar a concentração do rebanho e reduzir o ciclo de engorda. Para isso, é essencial desenvolver metodologias específicas junto às certificadoras globais que contemplem a realidade da agropecuária brasileira – que já conta com alta penetração de práticas de agricultura regenerativa, como plantio direto e rotação de cultura.

Três grandes desafios

Para criar seu mercado voluntário de carbono, o Brasil precisa viabilizar três fatores cruciais: revisar questões regulatórias, assegurar a governança do mercado e criar mecanismos para converter créditos em produtos que possam ser transacionados com segurança e integridade.

O primeiro fator é a revisão de questões regulatórias que dificultam ou impedem o desenvolvimento de projetos para a geração de créditos de carbono. Por exemplo, otimizar a regulação do Cadastro Ambiental Rural para eliminar dúvidas sobre a propriedade da terra e estabelecer a estrutura regulatória, contábil e fiscal para o manuseio de créditos de carbono voluntário por corporações e instituições financeiras.

O segundo fator é fortalecer mecanismos de governança com quatro frentes principais: (1) aumentar a integridade e cobertura de padrões e metodologias de certificação de créditos de carbono reconhecidas internacionalmente, (2) facilitar o acesso e conhecimento sobre o mercado para novos compradores, (3) tornar o processo de emissão e aposentadoria de créditos mais robusto e simples, e (4) criar a base de informações para permitir a efetiva participação do Brasil nas discussões internacionais e auxiliar nas discussões de regulação local.

O terceiro e último fator é facilitar a criação de mecanismos de mercado de referência que permitam acelerar a oferta – similar aos mecanismos de financiamento e PPAs do setor elétrico – bem como a conversão dos créditos em produtos ofertados no mercado, de acordo com as expectativas e necessidades dos principais compradores. A jornada de cada comprador reflete seu nível de compromisso com a sustentabilidade e engajamento com o mercado de carbono – empresas com atuação ainda incipiente buscam mecanismos simples, transparentes e maior liquidez no mercado para assegurar os créditos que atendam a seus compromissos com o clima. Compradores experientes esperam maior visibilidade sobre os tipos de projetos disponíveis que, além de remover ou reduzir carbono da atmosfera, também tragam outros benefícios mensuráveis, como biodiversidade e desenvolvimento de comunidades locais.

É importante envolver vários representantes da sociedade civil nessas discussões, principalmente representantes das comunidades que podem ser beneficiadas.

O papel do Brasil para apoiar a jornada de descarbonização global é relevante, e a oferta de créditos de carbono de alta qualidade é uma oportunidade de desenvolvimento econômico e social. A próxima COP 27, em novembro de 2022, será uma ocasião importante para discutir propostas concretas para o mercado voluntário de carbono brasileiro.

SOBRE O(S) AUTOR(ES)

Christopher Blaufelder é sócio no escritório de Zurique e colíder global da Prática de mercados de carbono; Henrique Ceotto é sócio no escritório de Belo Horizonte e líder da Prática de sustentabilidade no Brasil; Alexandre Sawaya é sócio sênior no escritório de São Paulo, onde Gustavo TayarFabricio DoreMarcus Frank e Mikael Djanian são sócios; Thomas Kansy é sócio no escritório de Londres e colíder global da Prática de mercados de carbono.

Os autores agradecem a Ana Pellegrino, Andres Prieto, Camila Schipper, Carolina Leslie, Isabela Berger, Jop Weterings, Paz Etcheverry, Sebastien Marlier e Tatiana Sasson por suas contribuições neste estudo (Blog McKinsey & Company, 16/9/22)

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