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Dá tempo de frear crise climática e tecnologia já existe, diz ONU

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Bebês da pandemia podem sofrer impactos severos do clima no fim do século, mostra relatório.

O mundo vive sob uma pressão climática sem precedentes, com alguns danos irreversíveis e um prazo ainda mais curto para agir. Por outro lado, a ação imediata ainda dá chances de conter os efeitos mais severos da crise e as soluções tecnológicas estão mais baratas e acessíveis.

Este é o principal recado que o painel científico do clima da ONU (IPCC, na sigla em inglês) dá aos governos nesta segunda-feira (20), no relatório-síntese do seu sexto ciclo de avaliação.

As recomendações do painel devem guiar as políticas públicas e as negociações diplomáticas até o final da década, quando os cientistas devem voltar a aprovar novos relatórios. O período é crucial para mudar a trajetória das emissões de gases-estufa, que devem ser cortadas em pelo menos 48% até 2030 para que o mundo contenha o aquecimento global em até 1,5ºC.

A boa notícia do relatório —que adota um tom encorajador no seu sumário-executivo— é que o mundo tem recursos e tecnologias suficientes para reduzir as emissões e mudar o sistema socioeconômico.

Solo rachado perto da barragem Sidi El Barrak, com nível baixo de água, em Nafza, a oeste da capital Tunis, na Tunísia – Jihed Abidellaoui – 7.jan.2023/Reuters

“Várias opções de mitigação são tecnicamente viáveis, estão se tornando cada vez mais rentáveis e são geralmente apoiados pelo público”, diz o relatório, que cita como exemplo as fontes de energia solar e eólica, eletrificação de sistemas urbanos, infraestrutura verde urbana, eficiência energética, gestão da demanda, melhor manejo florestal e de culturas, e redução do desperdício de alimentos.

“De 2010 a 2019, houve reduções sustentadas nos custos da unidade para energia solar (85%), energia eólica (55%) e baterias de íons de lítio (85%) e grandes aumentos em sua implantação, por exemplo, e mais de dez vezes para energia solar e mais de cem vezes para veículos elétricos, variando amplamente entre as regiões”, diz o estudo.

O relatório também traz um alerta sobre o custo de não se fazer a transição energética. “A manutenção de sistemas de altas emissões pode, em algumas regiões e setores, ser mais cara do que a transição para sistemas de baixa emissão.”

Como o mundo já sente os efeitos adversos do clima, as políticas de adaptação climática se tornaram tão urgentes quanto as de mitigação —ou seja, preparar o terreno para diminuir o impacto dos danos de eventos extremos, como chuvas, inundações, secas e furacões, é tão urgente e importante quanto reduzir as emissões que causam as mudanças climáticas.

“Já que existem limites para adaptação, você precisa reduzir as emissões muito fortemente, também para que as estratégias de adaptação funcionem”, explica Mercedes Bustamante, presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e uma das revisoras do relatório-síntese do AR6 (Sexto Relatório de Avaliação).

A recomendação do painel do clima é que o financiamento para as duas linhas de ação seja tratado com equivalência, aproveitando também as sinergias entre essas políticas e outras prioridades do desenvolvimento sustentável.

“É possível alcançar a erradicação da pobreza extrema e da pobreza energética e proporcionar padrões de vida decentes sem aumentos significativos nas emissões globais”, afirma o texto.

O dinheiro, componente fundamental para a transição energética, também foi estudado pelo painel. A principal conclusão é que o investimento médio anual precisa aumentar de três a seis vezes em relação aos montantes atuais.

Além de diminuir as barreiras financeiras para as soluções climáticas, o painel recomenda que os governos alinhem as finanças públicas, a fim de reduzir os riscos e as barreiras regulatórias, de custo e de mercado, melhorando o perfil de risco-retorno dos investimentos.

“A falência do Credit Suisse mobilizou US$ 100 bilhões da noite para o dia, que é o que os países em desenvolvimento tentam conseguir há dez anos nas negociações. Para salvar um banco, esse dinheiro aparece da noite para o dia. Para salvar milhões de pessoas —da fome, da seca, do aumento do nível do mar— esse dinheiro não existe”, afirma Paulo Artaxo, físico da USP e membro do IPCC.

Apesar de mostrar soluções viáveis, mais baratas e capazes de atingir a meta de redução de metade das emissões até 2030, o relatório também mostra que os cenários ficaram mais estreitos.

“As discussões sobre os aspectos práticos de [se limitar o aquecimento em] 1,5ºC ou 2ºC se tornam menos relevantes, já que o esforço necessário nesta década é o mesmo”, aponta o relatório.

As gerações presentes já devem ser alvo dos efeitos severos do clima no final do século. Os bebês nascidos durante a pandemia do coronavírus, em 2020, devem, portanto, presenciar os cenários climáticos previstos para o final do século.

Com 70 anos de idade em 2090, essa geração pode enfrentar migração forçada, desnutrição, escassez hídrica, baixa produtividade agrícola, zoonoses e até doenças mentais ligadas à crise climática, em escalas de intensidade e frequência que variam conforme o nível da temperatura média até lá.

Os eventos climáticos extremos atuais já mostram que esse impacto é desigual. “Estamos vendo isso com as chuvas em São Sebastião [litoral norte de SP]: quem está morrendo são as populações pobres”, destaca Artaxo. O aumento das desigualdades sociais, regionais e de gênero é outra previsão reforçada no relatório.

Ele também aponta a desigualdade da responsabilidade de consumidores em países com altas taxas de emissão em relação aos países menos desenvolvidos.

Cerca de 34% a 45% das emissões globais ligadas a consumo de bens e serviços (excluem-se aqui as emissões de desmatamento e mudança do uso da terra) concentram-se em 10% da população global, enquanto outros 50% da população contribuem com apenas 13% a 15% das emissões ligadas ao consumo.

A aprovação do relatório é fruto de uma plenária que durou a semana toda e, nos últimos dias, fez os redatores entrarem madrugada adentro tentando fechar o texto final. As reuniões deveriam ter se encerrado na última sexta-feira (17), mas só acabaram no domingo (19), sob aplausos dos presentes no auditório em Interlaken, na Suíça.

“Por que demorou tanto? Porque todo mundo sabe o quão incrivelmente importante é este relatório”, explica Kaisa Kosonen, especialista em clima e chefe da delegação do Greenpeace no IPCC.

“Ele resume as descobertas do que provavelmente foi a avaliação mais abrangente da ciência do clima de todos os tempos e chega no momento em que a janela de oportunidade para atender à meta do Acordo de Paris está se fechando rapidamente.”

O relatório-síntese e o resumo para formuladores de políticas públicas do IPCC são um apanhado dos principais pontos das mais de 10 mil páginas que compõem o AR6. Os estudos foram lançados entre 2012 e 2022 e são divididos em três grupos de trabalho: aspectos físicos; impactos, adaptação e vulnerabilidade; e mitigação das mudanças climáticas.

Além desses, o texto também traz elementos de outros três estudos, lançados em 2018 e 2019: sobre as consequências que 1,5°C de aquecimento teria no planeta; mudanças no uso da terra (como desmatamento) e segurança alimentar; e os impactos que as mudanças no clima têm sobre oceanos e geleiras.

“O AR5 colocava, nos modelos, que a gente bateria o 1,5ºC um pouco mais pra frente. O AR6 puxou isso em cerca de dez anos [mais cedo]. Então é mais que provável que a gente agora alcance o 1,5ºC já aí entre 2030 e 2035. Então eles vão incorporando esse conhecimento, esse entendimento e vão apontando que precisa realmente ter uma puxada de freio de mão aí no sentido de redução das emissões”, afirma Bustamante.

A CERTEZA DA RESPONSABILIDADE HUMANA SOBRE AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

O entendimento do IPCC sobre o impacto da humanidade sobre o clima evoluiu em mais de 30 anos de estudos, e isso se refletiu na linguagem adotada nos seis relatórios lançados até hoje.

  • Primeiro Relatório de Avaliação (1990)

“Ao aumentar suas concentrações e adicionar novos gases de efeito estufa como os clorofluorcarbonetos (CFCs), a humanidade é capaz de aumentar a temperatura média anual global do ar na superfície [do planeta]”.

  • Segundo Relatório de Avaliação (1995)

“O saldo das evidências sugere uma influência humana perceptível no clima global”.

  • Terceiro Relatório de Avaliação (2001)

“A maior parte do aquecimento observado nos últimos 50 anos provavelmente [66%] foi devido ao aumento nas concentrações de gases de efeito estufa”.

  • Quarto Relatório de Avaliação (2007)

“A maior parte do aumento observado nas temperaturas médias globais desde meados do século 20 se deu muito provavelmente [90%] devido ao aumento observado nas concentrações antropogênicas de gases de efeito estufa”.

  • Quinto Relatório de Avaliação (2013)

“É extremamente provável [95%] que a influência humana tenha sido a causa dominante do aquecimento observado desde meados do século 20″.

  • Sexto Relatório de Avaliação (2021)

É inequívoco que a influência humana aqueceu a atmosfera, o oceano e a terra.” (Folha de S.Paulo, 21/3/23)

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