Editorial O Estado de S.Paulo
Mas é indispensável que o poder público cumpra a sua parte, oferecendo incentivos, bons quadros regulatórios e canais diplomáticos – o oposto do que faz o governo.
Uma pesquisa da consultoria Russell Reynolds Associates reportada pelo Estadão mostra que os executivos brasileiros estão mais empenhados do que seus pares internacionais na implementação de práticas sustentáveis. Além de revelar a vitalidade da consciência cidadã no empresariado nacional, o fato sinaliza a importância de políticas públicas que a auxiliem a dar seus melhores frutos, mas também o descompasso do atual governo com a sociedade civil.
A pesquisa ouviu quase 10 mil lideranças do Brasil, EUA, Canadá, França, Alemanha, Espanha, Inglaterra, Austrália, México, Índia e China. Enquanto no Brasil 50% esperam que nos próximos cinco anos a sustentabilidade seja incorporada em toda a estratégia de negócios, a média dos outros países é de 39%.
Um dado importante, em se tratando de um tema, por assim dizer, “da moda”, como a agenda ESG (sigla em inglês para práticas ambientais, sociais e de governança), é que estas não são palavras ao vento, só “para inglês ver”. O Brasil se destaca também nas ações: 50% de seus executivos disseram já ter adotado alguma estratégia de sustentabilidade. A média global é de 43%. No Brasil, 37% têm se empenhado em estabelecer parcerias para promover avanços em sustentabilidade. Nos outros países, são 23%.
A influenciar este comportamento não só virtuoso, mas lucrativo – os lançamentos de títulos verdes no País, por exemplo, subiram 41% entre 2020 e 2021 –, há condições estruturais e circunstâncias conjunturais.
Uma das explicações para o destaque do Brasil é o fato de a economia brasileira ser consideravelmente ligada ao agronegócio. O País é guardião de um incomparável patrimônio ambiental, e, além das preocupações genuínas dos empresários com a sua proteção, eles sabem que serão cobrados por investidores e consumidores. Analogamente, condições especialmente desabonadoras para o Brasil, como a histórica desigualdade social e os altos índices de corrupção, também pedem uma atuação responsável das empresas.
Do ponto de vista conjuntural, o empenho excepcional do empresariado brasileiro também é uma forma de compensar os estragos causados por um governo retrógrado.
Faz parte da mitologia bolsonarista a ideia de que Jair Bolsonaro é um defensor da economia de mercado contra as ameaças “socialistas”. Esse engodo não é apenas desmentido pela sua medíocre trajetória parlamentar, marcada não só pela indiferença, mas pela franca oposição a propostas liberais, nem pela atuação de seu “super” Ministério da Economia, que oscila entre dois pólos antagônicos a um liberalismo moderno: o sucateamento de direitos trabalhistas e sociais e a capitulação às hostes corporativistas no Congresso. Em momentos decisivos para as políticas econômicas nacionais, o próprio empresariado desmentiu, explícita e contundentemente, o “Mito”.
Foi assim na pandemia, ante as tentativas de Bolsonaro de sabotar as medidas de contenção sanitárias para “salvar” a economia. Acima de tudo, é assim ante os atentados ambientais de Bolsonaro. Já virou rotina: toda vez que Bolsonaro lança algum ataque antiambiental, supostamente em prol das forças produtivas, essas forças se veem obrigadas a se unir para apagar o incêndio. Recorrentemente, as entidades representantes do agronegócio emitem notas repudiando o descaso com a devastação florestal. No mais recente capítulo, as companhias mineradoras deslegitimaram o projeto de lei que propõe a liberação da mineração em terras indígenas.
Em um ano eleitoral, esses episódios, somados aos dados que revelam o engajamento do empresariado em projetos de sustentabilidade, são particularmente tempestivos para relembrar aos candidatos a importância de integrar a agenda ESG em seus programas. O empenho da sociedade civil é condição necessária, embora não suficiente, para que a cultura da sustentabilidade prospere no País. É indispensável que o Estado cumpra a sua parte, abrindo canais diplomáticos com a comunidade internacional, garantindo bons quadros regulatórios e oferecendo incentivos – o exato oposto do que faz o atual governo (O Estado de S.Paulo, 27/3/22)