Formado por países em desenvolvimento, grupo quer US$ 100 bi anuais dos países ricos para conservar ecossistemas.
Após enfrentar descrédito, uma proposta brasileira para criar um novo fundo global para a biodiversidade recebeu apoios de 63 países nesta terça-feira (29), último dia da reunião interseccional da Convenção de Biodiversidade da ONU, que prepara um acordo com o objetivo de aumentar a proteção das áreas biodiversas do planeta até 2050.
O apoio foi anunciado como um posicionamento conjunto de países em desenvolvimento, reunindo o grupo africano (bloco de negociação com 54 países), Argentina, Bolívia, Brasil, Cuba, República Dominicana, Equador, Guatemala, Índia, Paquistão e Venezuela.
O grupo pediu que o bloco de países desenvolvidos providencie “pelo menos US$ 100 bilhões por ano, inicialmente, subindo para US$ 700 bilhões anuais até 2030”.
A cifra de US$ 100 bilhões anuais foi inspirada na verba prometida ainda em 2009 pelos países desenvolvidos para o combate às mudanças climáticas, mas que até hoje não foi cumprida.
A menção a um valor similar é lida como uma provocação à promessa falha dos países ricos, mas o argumento do grupo é a busca de equidade entre as pautas de clima e biodiversidade.
O valor calculado por especialistas para financiar as metas de biodiversidade nacionais é de pelo menos US$ 200 bilhões anuais. Quando somados todos os esforços negociados no futuro acordo de biodiversidade, o custo se aproxima de R$ 1 trilhão.
A ideia de criar um novo fundo para receber recursos para a biodiversidade havia sido apresentada pelo Brasil no início do encontro em Genebra (que começou no último dia 13) mas foi vista inicialmente com desconfiança, interpretada como uma tentativa de atrasar o processo de negociação e até mesmo de tentar acabar com o mecanismo atual de financiamento.
Atualmente, as ações de biodiversidade são financiadas pelo GEF (Global Enviroment Facility), criado em 1992, junto à Convenção de Biodiversidade.
O posicionamento conjunto divulgado nesta terça afirma que o novo fundo não deve substituir o GEF, mas complementá-lo, garantindo que os recursos para a biodiversidade sejam novos e evitando uma contabilidade dupla por parte dos doadores —que poderiam reportar doações para ações de conservação florestal dentro de ambas convenções, tanto a de clima quanto a de biodiversidade.
Os doadores, por outro lado, também temem a dupla contagem por parte dos executores e afirmam que não querem “pagar duas vezes pela mesma árvore”.
Negociadores de diferentes blocos afirmaram à Folha, no início do encontro em Genebra, que a proposta do Brasil levaria alguns anos para ser implementada e não resolveria o problema principal: a falta de dinheiro.
No entanto, a percepção mudou na última semana e a criação de um novo fundo passou a ser vista por países em desenvolvimento como uma forma de aumentar a pressão por novos recursos. Para uma conta nova, com saldo zero, não se poderia refutar a necessidade de aumento do financiamento.
Segundo negociadores do bloco de países em desenvolvimento, países do bloco desenvolvido teriam tentado retirar do rascunho do acordo o compromisso com o aumento dos recursos, o que despertou a reação do grupo africano, um dos articuladores do posicionamento conjunto.
O posicionamento conjunto foi levado à plenária da reunião pelo Gabão, em nome do grupo de países em desenvolvimento “com posições afins sobre biodiversidade e desenvolvimento”, sinalizando um novo alinhamento de bloco na negociação.
A Convenção da Biodiversidade chegou a contar com um bloco negociador em nome dos países megadiversos, mas ele ficou inativo por falta de concordância nas posições dos membros.
Após 17 dias de negociação em Genebra, os países ainda estão longe de um entendimento comum sobre as metas de conservação e financiamento.
A Convenção marcou uma nova sessão para junho, em Nairóbi, no Quênia, quando espera ter rascunhos mais limpos e prontos para serem levados à COP15 da Biodiversidade, na China. A conferência, onde se espera assinar o acordo de biodiversidade, vem sendo adiada por conta da pandemia e ainda não tem uma data confirmada (Folha de S.Paulo, 30/3/22)