Por Arnaldo Luiz Corrêa
O mercado de açúcar encerrou a semana com forte elevação dos preços futuros colocando o vencimento maio/22 a 19.65 centavos de dólar por libra-peso, fechando na máxima. 16 dólares por tonelada foi a valorização acumulada na semana no primeiro vencimento, enquanto os demais apreciaram entre 10 e 14 dólares por tonelada.
No entanto, a vigorosa recuperação do real em relação ao dólar, atingindo R$ 4,7430, neutralizou esse impacto, pois no acumulado da semana, o fechamento do mercado de NY convertido pelo dólar via NDF (contrato a termo de dólar com liquidação financeira) representou um encolhimento dos valores do açúcar em 44 reais por tonelada para a safra 22/23, 57 reais por tonelada para a 23/24 e 54 reais por tonelada para a 24/25.
O valor do açúcar no mercado à vista hoje é de 2,141 reais por tonelada, R$ 30 abaixo da média de fixação das usinas para a safra 22/23 que vai iniciar em breve.
Mas se o quadro fundamentalista do açúcar direcionava para um mercado mais fraco em centavos de dólar por libra-peso, por que os preços subiram em NY? Alguns pontos que precisam ser amplamente discutidos.
Primeiramente, o petróleo continua firme tendo subido 23% desde o início da invasão russa na Ucrânia. O tipo Brent, por exemplo, encerrou a sexta-feira cotado a quase 120 dólares por barril. Pela cotação da gasolina no mercado internacional, a Petrobras já precisaria ajustar novamente os preços em quase 11% para ficar em linha com a cotação lá fora.
Em segundo lugar, com a valorização do real, o mercado de etanol melhorou no seu equivalente em dólares e, pelo fechamento da B3, nos primeiros vencimentos, está acima do valor equivalente em açúcar em NY em cerca de 50 pontos. Se considerarmos também o prêmio obtido pelos CBIOs, o hidratado liquida algo como NY mais 80 pontos.
Em terceiro lugar, muitas usinas começam a moer em algumas semanas enquanto seus gerentes agrícolas alertam que a cana que vai dar primeiro corte está muito baixa e é necessária muita chuva e o mais rápido possível. Alguns usineiros apontam que a produtividade para essas canas de primeiro corte pode cair em 40%.
Esses três pontos apenas, para não precisar discorrer sobre outros mais, dão um aviso subliminar ao mercado: que as usinas vão começar a moagem mais tarde e que elas vão priorizar a produção de etanol (mais rentável). Como mais de 20 milhões de toneladas de açúcar já devem estar fixadas para a safra 22/23, parece pouco provável que teremos açúcar em abundância no início da safra.
Por conseguinte, o spread maio/julho fica mais firme porque as casas comerciais ajustam seus livros para a eventualidade de que uma menor disponibilidade de açúcar no início de safra se confirme. No entanto, na nossa visão, a oferta e demanda mundial continuam equilibradas, ou melhor dizendo, equacionadas. A Índia manifestou intenção de exportar até 8 milhões de toneladas de açúcar. Uau! Quem diria, hein? No começo desta safra, todos juravam que a Índia exportaria “no máximo” 6 milhões de toneladas. Pois é….
O mais interessante acerca dessa notícia da Índia é que o governo impôs um limite na exportação de açúcar de 8 milhões de toneladas, para evitar um aumento no mercado doméstico. Limite de 8 milhões?? Se com 7 milhões de toneladas exportadas o mundo já está com sobra de açúcar, com 8 a Índia vai inundar o mercado. Mas, a maneira como a notícia chegou ao mercado foi disfarçada de altista. Vai entender. Um milhão a mais é (obviamente) um milhão a menos de estoque de passagem que representam cerca de 11 semanas de consumo. Nada assustador.
Mercado interno de açúcar indiano mais firme e mais cana convergindo para o mercado de etanol, para diminuir os efeitos da alta do petróleo contribuem para que o quadro que se desenha para a safra 22/23 na Índia e 23/24 no Centro-Sul seja de preços mais elevados em centavos de dólar por libra-peso. Mas, para esta safra que se inicia agora no Centro-Sul, como dissemos há alguns meses, vai ser difícil os preços se sustentarem. Claro, há sempre os cisnes negros. E eles estão aí para espicaçar o cocuruto dos analistas.
Novamente o governo federal deu clara demonstração de que não entende nada de economia nem de qualquer assunto que diga respeito ao bom funcionamento do país. Zerar o imposto de importação de etanol, praticamente no início da safra de cana no Centro-Sul, confirma aquilo que já sabíamos: da total incapacidade cognitiva dessa gente que está no poder.
Qual segurança se pode ter em investir numa eventual expansão de produção de combustível no Brasil quando a definição da política energética está na mão de um grupo de lorpas?
Muito embora a medida seja inócua exatamente porque a importação de etanol nesse momento pelo Nordeste custaria R$ 200 por metro cúbico acima do valor negociado no mercado interno, ela abre um perigoso precedente. E com o real se valorizando rapidamente, pode ser que a importação seja possível. De qualquer forma, é um absurdo fazer isso nesse momento quando as usinas esperam o início da safra para fazer frente às despesas de custeio.
Tivesse o mínimo de planejamento estratégico, o governo poderia há muito tempo, ter criado mecanismos que fomentassem a formação de estoques reguladores para servirem como colchão em períodos de escassez, por meio de financiamentos não subsidiados e/ou emissão de títulos negociáveis, servindo como uma antecipação de receita das usinas combinado com retenções e distribuições do produto toda vez que os preços subissem de modo errático.
Vale tudo para tentar a reeleição e sabe-se lá que outros artifícios o governo federal poderá usar para atingir o único objetivo que perseguiu desde o primeiro dia de mandato. A próxima deverá ser mais uma intervenção no preço da gasolina. E o setor que se prepare para pagar o pato (Arnaldo Luiz Corrêa é diretor da Archer Consulting – Assessoria em Mercados de Futuros, Opções e Derivativos Ltda.)