Por Luciana Dyniewicz e Beatriz Bulla
Apesar da expertise do Brasil na área, incentivos fiscais em outros países atraem empresários brasileiros; governo afirma estar empenhado em desenvolver indústria local.
O empresário Erasmo Carlos Battistella, presidente da Be8 (fabricante de biodiesel com sede no Rio Grande do Sul), tem 2027 como prazo estimado para começar a fabricar combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês) e diesel verde – produtos considerados essenciais para o setor de transporte reduzir suas emissões de carbono em todo o mundo. A produção, porém, será no Paraguai, e não no Brasil.
A empresa de Batistella está investindo US$ 1 bilhão (R$ 5,1 bilhões) na usina, que será instalada em uma zona franca a cerca de 30 km de Assunção. A unidade será focada em exportação e o local foi escolhido para recebê-la devido aos custos inferiores de mão de obra e energia, além da isenção de impostos.
Para o empresário, o Brasil está uma década atrasado no desenvolvimento de combustíveis do futuro, dado a falta de investimento em pesquisas e de incentivos públicos nos últimos anos. Em 2023, porém, as discussões em Brasília em torno do Projeto de Lei do Combustível do Futuro finalmente começaram a andar, reconhece ele.
Os primeiros estudos no Brasil para produção de combustível sustentável para aviação e navegação marítima começaram em 2014. Nos EUA, desde 2008 há liberação de recursos para estimular pesquisas na área. O governo Joe Biden estabeleceu um subsídio de US$ 1,25 por galão (3,8 litros) de SAF quando o combustível produzido reduz em pelo menos 50% a emissão de gases de efeito estufa.
O SAF pode ser feito a partir de óleos vegetais e animais, como de dendê, milho ou soja. A oferta de matéria-prima e a experiência com o etanol tornam o Brasil um dos países com maior potencial de explorar o produto. A falta de incentivo público e o atraso na criação de um arcabouço regulatório no País, no entanto, fazem empresários olharem para outros mercados.
“Está claro que o assunto ganhou prioridade (pelo governo). Finalmente estamos vendo avanços, mas, como estamos dez anos atrasados, precisamos acelerar muito. O tempo vai passar e, se não corrermos, o Brasil vai ter de importar SAF em 2027 (ano em que empresas aéreas terão de começar a reduzir suas emissões de gases poluentes em voos internacionais)”, diz Battistella.
Em março deste ano, a Be8 conseguiu financiamento de R$ 729,7 milhões do BNDES para a construção de uma fábrica de etanol e farelo a partir do processamento de cereais em Passo Fundo (RS). A produção de SAF no Brasil, algo que demandaria um investimento maior, porém, ainda não tem um projeto concreto.
Outro brasileiro que desenvolve projeto de biocombustível no exterior, Bernardo Gradin destaca que a oportunidade de suprir a demanda europeia e eventualmente a americana por combustíveis do futuro está diante do Brasil e, apesar do atraso no País para definir a regulamentação, há um alinhamento entre empresários e governos em relação à direção a se seguir.
A empresa de Gradin, a Granbio, recebeu uma subvenção de US$ 80 milhões (R$ 410 milhões) do governo americano para construir uma planta de demonstração de SAF no país. A companhia está levantando outros US$ 150 milhões para desenvolver o projeto, que deve começar a operar em 2026.
“O subsídio é importante na fase pré-comercial, em que você testa a tecnologia. Hoje, até temos subsídios no Brasil, mas, quando começamos o projeto, não havia um programa tão articulado aqui como nos EUA”, diz o empresário. Gradin também aponta que, o mais importante para desenvolver o setor, é um ambiente regulatório claro e o estabelecimento do preço de carbono.
“A Europa desenhou um programa de descarbonização há muito tempo. Isso é essencial para a transição energética. Se não se sabe quanto custará emitir (gases poluentes), não tem como desenvolver projetos. Nesse aspecto, não temos no Brasil ainda um sistema maduro para atrair investimentos”, diz Gradin.
Colheita mecanizada de cana-de-açúcar em plantação da Raízen em Piracicaba, São Paulo, onde a empresa produz etanol de segunda geração. A despeito do protagonismo do País em biocombustíveis, como o etanol, produção de SAF é considerada atrasada. Foto Daniel Teixeira Estadão
Gonçalo Pereira, professor do Instituto de Biologia da Unicamp e um dos especialistas no assunto, vê outro risco: o de que o Brasil se torne um mero exportador de etanol (uma das possíveis matérias–primas do SAF) para países que produzem o combustível. A Raízen, por exemplo, já firmou contratos para embarcar etanol para fabricantes de SAF na Europa.
“A competição com os EUA é completamente fora de propósito. Qual o nosso risco? E é o que está acontecendo – o pessoal vai produzir no Brasil etanol carbono negativo e exportar para os EUA”, afirma o professor da Unicamp.
Segundo ele, é preciso uma articulação entre empresas e governo para produzir SAF a partir de etanol no Brasil. “É a coisa mais fácil do mundo. O BNDES tem de entrar com recursos, e um consórcio de empresas produtoras de etanol para, com financiamento do governo, fazer uma grande iniciativa. O que está faltando é articulação. A primeira produção de SAF é pré-competitiva, tem de ser feita através de um consórcio de empresas”, afirma Pereira.
A subsecretária de Desenvolvimento Econômico Sustentável do Ministério da Fazenda, Cristina Reis, afirma que o montante de investimentos disponível nos Estados Unidos ou na China é “muita areia para o caminhãozinho” do Brasil. Mesmo assim, diz ela, o País tem pensado em novas fontes de financiamento e assume um protagonismo no debate dos biocombustíveis.
“Nós temos, sim, vantagens competitivas em rotas tecnológicas e isso pode criar oportunidades de complementaridade nas cadeias de valor. O Brasil tem claras vantagens com energias renováveis, não só pela nossa insolação ou pelos nossos ventos, mas também por já termos avançado em algumas tecnologias anteriormente como os biocombustíveis. Falando de biocombustíveis, é um senso comum de que o Brasil tem grande potencial em biodiesel, diesel verde, hidrogênio e SAF”, afirma a representante da Fazenda.
“Entendo que existe vontade política muito grande de fazer acontecer o SAF no Brasil. O BNDES está empenhado, o Ministério de Minas e Energia também. Ainda que não tenhamos recursos comparáveis aos dos Estados Unidos, temos vantagens competitivas e estamos buscando atrair investimentos nacionais e internacionais”, diz Reis.
Em março, a Câmara aprovou o projeto de lei batizado de Combustível do Futuro, após uma articulação entre entre o agronegócio e o setor de energia provocado pela discussão sobre o aumento da mistura de biodiesel no óleo diesel. O texto é considerado um dos projetos prioritários do governo na chamada pauta verde e, para os representantes do setor, indica o estímulo à produção de combustíveis sustentáveis.
“Existe vontade política muito grande de fazer acontecer o SAF no Brasil. Ainda que não tenhamos recursos comparáveis aos dos Estados Unidos, temos vantagens competitivas e estamos buscando atrair investimentos nacionais e internacionais”, afirma Cristina Reis, subsecretária do Ministério da Fazenda
“O projeto do Combustível do Futuro interessa a todos: às grandes cidades, que precisam reduzir suas emissões, ao transporte pesado… Mas, enquanto não tivermos o marco regulatório, vamos ter no País apenas projetos marginais”, acrescenta o empresário Erasmo Carlos Battistella, que defende linhas de financiamento para o setor e obrigatoriedade de mistura de SAF ao querosene de aviação.
Para Gonçalo Pereira, da Unicamp, o projeto é um dos sinais de que a pauta ligada ao setor tem avançado em ritmo acelerado nos últimos seis meses no Brasil. O projeto de lei cria regras para combustível de aviação sustentável, diesel verde, captura e estocagem de carbono e etanol.
O texto ainda precisa passar pelo Senado. A previsão é de que seja votado na Comissão de Infraestrutura da casa no mês de maio (Estadão, 1/5/24)