País alia veículos à forte produção de biocombustíveis, e China comanda mercado movido à bateria.
A descarbonização do setor automotivo pôs o mundo em debate sobre qual a melhor estratégia a se adotar em curto, médio e longo prazo. Em discussão, estão as vantagens e desvantagens de híbridos, carros 100% elétricos ou motores movidos a hidrogênio verde.
Por enquanto, há apostas em estratégias diferentes a depender do país ou bloco econômico. A China, por exemplo, apostou cedo nos elétricos e, com amplo incentivo do governo, tornou-se líder mundial no setor. Agora, tenta exportar sua tecnologia para o resto do planeta.
A União Europeia não tomou essa decisão tão cedo, mas hoje foca também nos elétricos, ao passo que coloca diversos embargos aos biocombustíveis produzidos mundo afora.
Os Estados Unidos, em que pese ser um dos principais produtores de etanol do mundo, concentram os investimentos em veículos elétricos.
O mercado indiano, até aqui, mira a produção dos biocombustíveis sobretudo para exportação, enquanto começa a ver sua frota automotiva passar a ter motores à bateria.
No Japão, algumas montadoras apostam também em veículos movidos a hidrogênio verde, tecnologia considerada como a de maior potencial a longo prazo, mas atualmente ainda incipiente.
Já no Brasil, pelos sinais dados até aqui, a estratégia é direcionar esforços primeiro nos biocombustíveis, principalmente etanol, já que frota é em grande parte flex. Mas representantes do governo defendem que haja liberdade de escolha para o consumidor, com carros híbridos (que têm motores à combustão e à eletricidade) e também 100% a bateria. Em um passo seguinte, veem também o uso do hidrogênio verde.
“Todos falam, é consenso, ao menos neste momento, que o caminho final para redução de emissões é o elétrico. Percebo essa aposta brasileira como se fosse uma transição, começando pelo híbrido, enquanto desenvolve o elétrico. O que nós ainda não vimos é quando vai acontecer essa virada, não vemos essa previsibilidade”, diz Carmen Araújo, líder regional de pesquisa do ICCT (Conselho Internacional de Transporte Limpo, em inglês).
“Existe a aposta internacional [que são os elétricos], e o Brasil está fazendo uma aposta intermediária, sem fechar portas, mas incentivando, agora, mais o híbrido do que os elétricos”, afirma Marcel Martin, diretor-geral da entidade.
Ambos entendem que a aposta pelos híbridos precisa ser melhor detalhada, uma vez que há uma série de categorias dentro do segmento que podem aumentar ou diminuir drasticamente o nível de sustentabilidade destes motores.
Há veículos a combustão nos quais a eletricidade serve apenas para reduzir a queima nas partidas, principalmente nas arrancadas. Outros carregam dois motores, um convencional e outro elétrico, e a escolha fica a cargo do dono — e portanto, sujeita à variação de preço das duas energias.
A quantidade de combustível verde adicionado ao fóssil também interfere na quantidade de emissões do veículo. Pesa ainda o tipo de energia usado na sua produção das peças e até a forma de descarte do automóvel quando obsoleto.
A estratégia do governo para a descarbonizar o setor automotivo se dá por duas frentes principais, o programa Mover e a criação do IPI Verde.
A partir daí, a escolha da rota tecnológica —como é chamada a decisão por uma dentre muitas alternativas estratégias de inovação— caberá ao mercado.
“O governo não interfere na rota tecnológica. Agora, é óbvio, né? O que vai diferenciar é o IPI Verde, mas não nesse sentido de [escolher entre] elétrico ou híbrido. O carro que descarboniza mais vai ter um bônus maior em relação ao carro que tem um malus [penalidade pela poluição causada] maior”, diz Uallace Moreira, secretário de inovação, do Ministério da Indústria.
O IPI Verde ainda não foi lançado. A ideia é criar uma gradação por meio da qual o benefício será maior de acordo com quão sustentável for o veículo, mas ainda é incerto como funcionará o mecanismo.
Atualmente, há um debate sobre como se medir as emissões de carbono de um veículo. O Brasil defende que seja na metodologia chamada de “berço ao túmulo”, a mais abrangente, que considera desde a fonte de energia utilizada na produção de peças até o descarte do automóvel.
Os elétricos, por exemplo, tem grande parte de suas peças produzidas na China, país de matriz bastante poluente, o que faz com que seus veículos não sejam tão sustentáveis assim.
Já o Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, o que pode ser um diferencial para atrair investidores.
“O carro elétrico produzido no Brasil pode ser um dos que menos emite carbono no mundo, porque a matriz brasileira é muito limpa”, diz Marcel Martin, lembrando do interesse da chinesa BYD em se instalar no país para produção de elétricos.
Ao mesmo tempo, como mostrou a Folha, o Executivo tem apostado nos biocombustíveis e usado esses produtos como uma forma de se aproximar do agronegócio, setor que tradicionalmente é mais resistente à gestão petista.
Os combustíveis de baixo carbono ganharam força sobretudo pelo apoio do setor, que tem grande interesse na tecnologia, uma vez que ela usa insumos da agricultura em sua produção.
Um estudo encomendado pelas montadoras e entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defende ainda que o investimento em veículos híbridos em vez dos elétricos traz benefícios econômicos e sociais.
A análise admite, porém, que a segunda tecnologia é menos poluente. Para os híbridos chegarem a este mesmo patamar, diz, seria necessário aumentar o uso de etanol em relação ao de gasolina fóssil.
Pondera, no entanto, que como a frota brasileira já comporta em grande parte o uso de biocombustíveis, esse investimento pode trazer resultados mais rápidos do que a substituição de todos os motores pelos elétricos.
Segundo o documento, os híbridos alimentados com etanol podem injetar, até 2050, R$ 877 bilhões ao PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro e ampliar a arrecadação da União em R$ 138 bilhões, na comparação com a atual cadeia produtiva automotora.
O estudo também sustenta que os veículos elétricos, na verdade, trariam prejuízos econômicos ao país, com redução do PIB em R$ 1,8 trilhão e na arrecadação, de R$ 678 bilhões, também na comparação com o modelo atual.
A análise foi encomendada pela Mbcb (Mobilidade de Baixo Carbono para o Brasil), entidade que reúne produtores de bioenergia (como Abiogás, Unica e Coopersucar) e montadoras (como Toyota, Volkswagen e BYD), e realizada pelas consultorias LCA Consultores e MTempo Capital.
ROTAS ALTERNATIVAS
A aposta na descarbonização pelo mundo até agora:
- União Europeia: atualmente foca nos elétricos, ao passo que coloca diversos embargos aos biocombustíveis produzidos mundo afora.
- Estados Unidos: concentram os investimentos em veículos elétricos.
- Índia: mira a produção dos biocombustíveis sobretudo para exportação, enquanto começa ver sua frota automotiva passar a ter motores à bateria.
- Japão: algumas montadoras apostam também em veículos movidos a hidrogênio, tecnologia considerada como a de maior potencial a longo prazo, mas atualmente ainda incipiente.
- Brasil: estratégia é direcionar esforços primeiro nos biocombustíveis, principalmente etanol, já que frota é em grande parte flex. Mas representantes do governo defendem que haja liberdade de escolha para o consumidor, com carros híbridos (que têm motores à combustão e à eletricidade) e também 100% a bateria, e veem em um passo seguinte o uso do hidrogênio verde.
Emissões de gás carbônico (CO2) de cada tecnologia hoje:
- Híbrido (quando abastecido só com etanol na parte a combustão): 77,5 gCO2/km
- Elétrico: 104,8 gCO2/km
- Flex (quando abastecido só com etanol): 120,9 gCO2/km
- Gasolina: 269,3 gCO2/km
Fonte: LCA Consultores (responsável pelos dados de emissões, em pesquisa encomendada pelo MBCB; considera metodologia “berço à roda”) (Folha, 2/5/24)