Rafael Rebello, diretor de soluções de energia e renováveis da Raízen, é o sétimo entrevistado da temporada Minas S/A Liderança, que segue até este mês nas plataformas de O TEMPO. A empresa de bioenergia é resultado de uma joint-venture entre Cosan e Shell.
A Raízen abriu capital em 2021 na B3, a Bolsa de Valores do Brasil, e é uma empresa que produz cana-de-açúcar (na última safra foram 76 milhões de toneladas), etanol (é a maior do mundo, com 3,5 bilhões de litros) e açúcar (mais de 6 milhões de toneladas).
São 35 parques de bioenergia, sendo dois em Minas Gerais. O Estado ainda vai ganhar outras quatro usinas até 2024.
Explique pra gente o que é a Raízen.
A Raízen é um negócio fechado de dois sócios, com perfis bem diferentes. Um brasileiro, natural de Piracicaba, do Grupo Cosan, e outro sócio inglês e holandês, que é a Shell. É uma empresa sem nenhum dono específico, mas em que os dois acionistas contribuem juntos para o crescimento dela. São mais de dez anos de sucesso. Começou com resultado que gerava de 3 bilhões a 6 bilhões de Ebitda e que neste ano vai entregar algo em torno de 12 bilhões de Ebitda de resultado. Começando sempre na área das suas fundações, na parte de distribuição de combustíveis, e no agronegócio, no segmento de cana e etanol, mas transformando esse negócio e posicionando a Raízen em um grande agente de transição energética no Brasil.
A Raízen tem um plano de descarbonização, exatamente para essa migração, para essa energia sustentável. Como ele se desenvolve nesse escopo da Raízen, que é uma empresa tão complexa? O que a gente tem pela frente neste setor?
Um propósito muito grande de ajudar a democratizar a energia e levar essa transição energética para o país, que já tem uma matriz energética extremamente renovável. A Raízen é uma empresa que vem da produção de açúcar e etanol. A gente fala muito que deixou de ser uma usina de cana-de-açúcar tradicionalmente conhecida para parques de biogeração. Dentro deles, não existe só a produção de açúcar e de etanol, existe a produção de energia através do bagaço de cana, que é um subproduto da produção de açúcar e etanol, assim como o uso da vinhaça e da torta de filtro, que são subprodutos que antes eram usados somente como fertilizantes para a produção do biogás, um gás 100% renovável. Assim como as novas usinas de etanol de segunda geração, que é um etanol com base na quebra celulósica, que ajuda obviamente a ganhar eficiência sobre o mesmo metro quadrado plantado. Então esses parques ajudam a gente usar a mesma terra cultivada, a mesma área, para produzir mais com menos. E, quando a gente fala em descarbonização, tem a origem da molécula, a molécula renovável. Mas o olhar de eficiência de produção e o olhar de redução de custo para a maior produção também ajudam nesse processo de descarbonização para um mundo melhor.
Então não é preciso ter aumento de área plantada para ela produzir mais?
Obviamente você sempre olha oportunidade de negócio e oportunidade de mercado. A Raízen adquiriu recentemente a Biosev, que é um grande player de mercado, porque a gente achava que existia uma sinergia muito grande entre as empresas, mas existe um grande espaço para aumentar a produtividade e você transformar as nossas usinas em usinas mais eficientes. Então é essa oportunidade que a gente acredita que pode colocar a Raízen num ambiente mais competitivo e gerando produtos de melhor qualidade com um menor custo.
Esse crescimento da Raízen se dá pelo crescimento inorgânico, pela aquisição de outras empresas, ou também com a construção de projetos próprios?
Muito legal essa pergunta. Eu acho que ele se dá de todas essas formas. Não existe só uma forma, a gente olha as oportunidades, sejam elas de aquisição, de investimentos em empresas que possuem know-how e tecnologia melhor em associações, e no próprio crescimento orgânico. Olhando um pouco do passado da Raízen, a gente tinha dois grandes negócios, que era a produção de açúcar e etanol, que vem da Cosan, e também a distribuição de combustíveis por parte da rede que foi adquirida da Esso. E, do ponto de vista da Shell, toda parte de combustíveis da rede, assim como recentemente a área de lubrificantes. Eram dois negócios. A área de energia é um subproduto da área de açúcar e etanol. É a parte que eu chamo de “indústria agrícola”, porque, dentro do processo industrial de produção de cana e etanol, a gente queimava o bagaço para produzir energia para as usinas, e esse excedente era utilizado para atender os grandes leilões que chegam na casa dos consumidores através do mercado regulado.
Ou seja, a Raízen já vendia essa energia?
Sim, a Raízen já está há mais de dez anos nesse segmento. A gente tem uma capacidade de cogeração de biomassa próximo do 1,7 gigawatt, que dá pra abastecer uma cidade maior do que o Rio de Janeiro, por exemplo. Olhando isso como um segmento do nosso processo produtivo, olhando o nosso ecossistema de clientes, são mais de 10 mil clientes de B2B, clientes de comércio e indústria, e mais de 20 milhões de clientes pessoas físicas, que passam nos nossos pontos de abastecimento, seja nos postos de gasolina, postos de conveniência de marca Shell, ou nas nossas lojas de conveniência Select e agora as lojas de proximidade do Grupo Oxxo, que também é uma empresa da Raízen.
Para essa energia estar na casa do consumidor num valor mais barato em relação a uma conta convencional, tem que ter a construção de parques de bioenergia, não é?
Perfeito, seja ela solar, seja ela biogás. Aqui, em Minas, tem muita empresa investindo em fazenda solar por causa desse sol que temos. A taxa de insolação aqui só perde para o Nordeste. Ela está em torno de 31%, enquanto no Nordeste tem 32%, em média. Isso é um grande fator, que permite que a gente tenha energia renovável solar a um custo mais eficiente, mais baixo, permitindo o investimento de grupos.
Então Minas está no radar da Raízen para essa construção de parques de bioenergia?
Cem por cento. Seja pela população, que é super-relevante, seja pela atividade econômica, seja pela capacidade de produzir energia com uma condição extremamente competitiva.
São quantas usinas já construídas no Estado e que vão ser construídas levando em conta o investimento de R$ 100 milhões que a Raízen tem para Minas?
A gente tem dois parques construídos, em torno de 5 MW. São mais quatro usinas sendo construídas. Elas estão em Vazante, Bocaiuva, Capitão Enéas, Varjão de Minas e Várzea da Palma. É interessante que essas usinas podem ser colocadas em áreas onde o desenvolvimento não é tão grande e podem gerar não só receitas para esses municípios, mas também empregos diretos e indiretos. No caso de Minas especificamente, a gente está falando na geração de aproximadamente 420 empregos na construção, manutenção e operação dessas usinas.
E esse investimento é para qual plano plurianual?
Ele já está no plano de curto prazo, a gente está falando de seis a 12 meses. É um investimento grande, uma geração grande de empregos, com a possibilidade de ser expansivo para um volume maior. A Raízen tem uma objetivo muito grande, de ter mais de 1 giga de capacidade de geração distribuída, estar presente não só em Minas, mas nos 36 principais distribuidores do Brasil, e chegar a um número de 200 mil clientes. Começamos focados nos clientes de comércio e indústria, que são os que mais sentem necessidade de redução de custo pra fomentar a economia. Mas também estamos de olho no CPF. Hoje a gente atende mais de 3.000 CPFs para a geração distribuída compartilhada, e o legal é que para o cliente é um contrato de adesão. Ou seja, ele não precisa de obra, de investimento inicial. É basicamente um contrato de adesão que você entra através de um consórcio e vira participante de uma planta de geração distribuída.
É só assinar um contrato?
Hoje o contrato é 100% digital, e a pessoa pode ter em pouco tempo essa energia chegando na casa dela com menor custo, renovável e com melhor eficiência. Outra coisa muito importante é a gente conseguir levar para o consumidor a informação sobre a energia. Eu brinco que estou há três anos no segmento de energia, e é muito complexo. Na conta, além das tarifas, ela vai ter o custo da distribuidora, que sempre vai existir. É o custo do fio, da manutenção da energia que chega na sua casa. E você tem o custo da energia. É sobre esse custo de energia que a gente trabalha e permite que você tenha o desconto. A conta também varia de acordo com a bandeira, e energia renovável, por mais que ela seja um produto mais econômico, é importante que o cliente entenda a variação de energia ao longo do tempo. Porque a energia pode variar, dependendo de efeitos climáticos, de R$ 70 a R$ 500 o custo do megawatt-hora. É importante o cliente ter essa noção para que ele procure as empresas certas, que o eduque sobre esse segmento de energia e ele não entre num processo de aquisição de energia sem saber dos riscos que está correndo nessa operação.
Para Minas Gerais, tem um plurianual mais de longo prazo para a construção de outras usinas solares ou esse desenvolvimento passa por outros tipos?
Obviamente você está atenta a todas as construções, sejam elas pequenas usinas hidrelétricas ou aterros sanitários, que são uma forma de transformar o resíduo em um produto que ajuda a descarbonizar o gás emitido por esses aterros e a transformar em energia com um custo mais eficiente. Então existem várias fontes, e a Raízen tem a capacidade de buscar a melhor, a mais rentável para cada um dos Estados da União. No caso de Minas, a gente tem olhado todas essas possibilidades, já temos essas seis sendo construídas em curto prazo. Até 2024 elas estarão de pé.
E toda região do Estado tem potencial ou a situação é mais favorável no Norte de Minas?
Esse é outro ponto legal. A geração distribuída compartilhada pode ser feita dentro da área de concessão da distribuidora, então, para ter uma usina para atender o cliente da Cemig, essa usina tem que ser construída na área da Cemig. Obviamente você vai buscar áreas onde você tem um custo imobiliário mais baixo e onde você tem uma insolação menor. E a gente aproveita esse mapa regional para se aproveitar a melhor insolação para os projetos serem mais resilientes e mais competitivos. Hoje a Raízen está presente em mais de nove concessionárias, e a nossa ideia para os próximos 18 a 24 meses é estar presente em mais de 36, oferecendo esse produto de energia renovável com menor custo para mais de 200 mil clientes.
Então a gente pode esperar um investimento cada vez maior para ter um portfólio de soluções para os consumidores?
Sim, e para isso a gente depende das concessionárias, mas a Raízen fez um trabalho dentro do marco legal da geração distribuída de ter a capacidade de parecer de acesso de mais de 1 giga em projetos solares. Então a gente tem para os próximos 18 meses a capacidade de construção desses parques dentro dessas 36 concessionárias. A gente se preparou, vem estudando e trabalha muito em construir um modelo de negócios de uma forma pequena, de entender as hipóteses e expandir isso. Mas a escala é fundamental para a diluição de custos e para a capacidade de a gente efetivamente chegar ao maior número de clientes e ter um negócio sustentável.
Essa capacidade de capilarização pode dar um desconto ainda maior para o consumidor?
Pelo marco legal, pelas tarifas atuais e pelas condições de investimentos, eu não enxergo grandes oportunidades de aumentar esse desconto na geração distribuída. Mas, como eu falei, ele é um desconto de 10% em outros Estados na bandeira verde; 20% em Minas Gerais por uma questão tributária – o Estado incentiva a geração distribuída. Mas, quando você vai para a bandeira amarela, vermelha ou roxa, esse desconto em Minas sobe acima dos 30%, e nos outros Estados, onde é de 10%, ele passa dos 22%. Então é uma oportunidade, você dá mais previsibilidade e atende a um propósito que é bom para toda a comunidade, para todo o negócio, que é a descarbonização do elemento elétrico, levando energia e alternativas de suprimento. Por isso a gente fala muito de democratização da energia, para que o consumidor possa escolher o melhor fornecedor para ele.
A Raízen tem também um programa em bioeletricidade. Como vocês vão fazer para atender, por exemplo, a questão dos carros elétricos? A Raízen vai fazer um investimento nessa área?
Com certeza. A eletromobilidade é um DNA da empresa, trazido por um programa da Shell, que é hoje a empresa com o maior número de carregadores no mundo, tem 80 mil carregadores rápidos, instalados em áreas públicas e diversos países, com a missão de chegar a mais de 500 mil carregadores rápidos. Hoje, quando você observa os veículos elétricos, há uma necessidade de uma infraestrutura para permitir maior autonomia. Mas, quando você olha para grandes rodantes de veículos, principalmente em áreas urbanas, você entende que o custo total de operação de um veículo elétrico já começa a ser competitivo em relação a um veículo a combustão, porque na conta você insere o custo de aquisição do automóvel, de abastecimento e de manutenção. E o veículo elétrico, porque ele tem menos componentes e menos partes, tem um custo de manutenção muito menor.
E qual é o pacote de investimentos que a Raízen está destinando para esse tipo de serviço?
A gente começou com um projeto-piloto em São Paulo, instalando nosso primeiro posto na Marginal Tietê. É um carregador de 50 KW, que teve muito sucesso. O interessante desse produto é que ele presta um serviço, uma qualidade de suprimento e de economia de tempo. A gente vai expandir esse plano não só para a cidade de São Paulo, assim como Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Num primeiro momento o foco é na região Sudeste e na conectividade desses grandes centros na rodovia, porque a autonomia de um carro precisa cobrir pelo menos de 200 km a 250 km. Então a gente vai instalar em torno de 35 carregadores de alta velocidade nos próximos três meses. Já temos nove instalados, 100% funcionando em Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro. Vamos começar agora com seis carregadores de alta velocidade em Minas Gerais, começando por Belo Horizonte. É um investimento alto, de aproximadamente R$ 1 milhão por equipamento.
Tem uma meta que vocês querem cumprir?
A meta é ajudar na descarbonização do país, seja na residência da pessoa, seja no trabalho ou no deslocamento dela. O grande objetivo nosso é ajudar nessa democratização, se preparar para a abertura do mercado e avançar cada vez mais nesse segmento de energia.
Sobre a sua trajetória, são 22 anos na Raízen, não é?
Entrei na Shell em 1999, como estagiário no Rio de Janeiro. Sou engenheiro de produção e engenheiro civil. Foi meu primeiro contato com Minas Gerais, porque eu cuidava da parte de varejo e postos de combustíveis. Instalei muitos tanques e bombas e construí postos no Rio, no Espírito Santo, em Minas e no Centro-Oeste. Mas rapidamente migrei de função. Trabalhei na área de vendas de varejo, fazendo todos os cargos possíveis da Raízen, desde gerente de território até diretor de vendas. Também trabalhei na área de planejamento estratégico e planejamento de rede, em que eu adquiri uma visão mais macro e de negócio. Tive uma experiência internacional pela Shell nos EUA e na formação da Raízen eu ajudei na construção desse plano de crescimento da empresa. Há três anos eu aceitei o desafio de assumir a área de energia e renováveis que foi construída. Costumo falar que é uma oportunidade única, de uma empresa que está entre os quatro maiores grupos econômicos do Brasil. Sou muito feliz e orgulhoso de representar a Raízen e estar desenvolvendo esse segmento de energia. É uma área que contribui para o mundo, para a economia (O Tempo, Siamig, 8/5/23)