Influenciado por acionistas e incentivos fiscais, grupo petroleiro investe em tecnologias de baixas emissões.
Os principais executivos da ExxonMobil chegaram à assembleia anual de acionistas da empresa, em maio de 2021, confiantes em que venceriam uma disputa contra investidores ativistas sobre a abordagem que tinham adotado quanto à mudança do clima.
Mas quando os votos começaram a ser contados, rapidamente se tornou claro que a Exxon estava diante de uma revolta aberta.
A campanha da Engine No 1 tirou vantagem do grande descontentamento entre os grande investidores da Exxon –empresa que personifica a era do petróleo e que durante muito tempo negou e pôs em dúvida a mudança do clima provocada pelo homem, e que se pronuncia no palco mundial com mais riqueza e poder do que muitos países.
A campanha argumentava que a empresa estava presa ao passado, e que não estava se posicionando para a virada iminente na direção da energia limpa, e que ela era viciada em grandes gastos com projetos de petróleo e gás natural que já não faziam sentido do ponto de vista financeiro.
“É um fracasso total da gestão da empresa”, afirma Chris James, fundador da Engine No 1.
Mas dois anos depois da histórica revolta de acionistas, James diz ver sinais de que aquela disputa colocou a Exxon em uma nova trajetória, apontando para uma série de mudanças que, segundo ele, foram impulsionadas pela campanha.
A Exxon prometeu injetar bilhões de dólares em uma nova linha de negócios centrada naquilo que a empresa define como tecnologias de baixo carbono, como a captura de carbono e hidrogênio. A empresa também contratou pessoas de fora para cargos importantes, entre os quais a liderança do esforço de transição energética, o que muitos veem como uma grande mudança cultural em uma empresa que historicamente selecionava para seus principais postos profissionais completamente imersos na visão de mundo da Exxon.
“A criação de um negócio de soluções com baixo teor de carbono é uma vitória definitiva para aquilo que propúnhamos”, diz James, cuja campanha conquistou três lugares no conselho da Exxon. “Estamos falando de uma empresa que estava sendo arrastada a contragosto para a transição energética e que começou a falar sobre isso depois da campanha”.
Mas será que a Exxon mudou? A empresa diz que está investindo muito dinheiro em tecnologias de baixas emissões para ajudar na luta contra a mudança do clima. Mas os críticos observam que se trata de apenas cerca de 10% de seus gastos mundiais ao longo de cinco anos e que a empresa continua fundamentalmente comprometida com um futuro de procura cada vez maior por combustíveis fósseis —um futuro que, segundo todos os modelos climáticos sérios, provocaria enormes danos ambientais.
Há quem diga que essa mudança tem menos a ver com uma nova crença na necessidade de transição para uma energia mais limpa e mais com aproveitar a lei emblemática do governo Biden sobre o clima, a Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês), que inclui subsídios generosos para uma série de tecnologias ecológicas.
A questão do empenho da Exxon quanto à mudança do clima assumiu novas dimensões na crise energética que se seguiu à invasão da Ucrânia por Vladimir Putin. Essa crise cristalizou visões conflitantes sobre a forma pela qual o mundo vai obter energia no futuro: a visão da indústria petroleira, de que a dependência quanto aos seus produtos principais continuará; ou uma visão alternativa que deixa de lado os combustíveis fósseis que deram a gigantes empresariais como a Exxon —e a autocratas como Putin— riquezas e poder inacreditáveis.
“Essa não é a Exxon de cinco anos atrás; eles viram o futuro e compreenderam que precisam projetar uma imagem diferente”, diz Andrew Logan, diretor sênior da Ceres, que coordena a ação de investidores quanto à mudança do clima e apoiou a campanha Engine No 1.
“O que ainda não está claro é se isso é apenas um exercício de comunicação e relações públicas ou se há um verdadeiro compromisso para com uma nova estratégia”.
UMA NOVA NARRATIVA
No mês passado, o presidente-executivo da Exxon, Darren Woods, apresentou a nova estratégia de transição energética da maneira mais detalhada até o momento, dizendo aos investidores que os esforços para reduzir as emissões estavam criando mercados no valor de trilhões de dólares que a empresa queria explorar.
“O desafio climático mundial é imenso e as oportunidades que ele cria é igualmente imensa”, afirma Woods.
Dan Ammann, que dirigia a unidade de automóveis autoguiados da General Motors e que a Exxon contratou para dirigir os seus esforços em projetos de baixas emissões de carbono, afirma que a atividade poderá um dia se tornar “maior do que a atividade base da ExxonMobil é hoje, quando o mundo estiver se aproximando das emissões líquidas zero”.
O súbito otimismo com relação às tecnologias que poderão lucrar com a transição energética marca uma mudança profunda na mensagem da Exxon. Durante décadas, a empresa minimizou a ameaça que a energia limpa representava para a sua atividade, fez lobby contra os esforços governamentais para reduzir as emissões e trabalhou ativamente para lançar dúvidas sobre a ciência da mudança do clima, mesmo quando cientistas da empresa estavam chegando a conclusões semelhantes às da comunidade científica mais ampla, segundo documentos internos divulgados nos últimos anos.
Woods negou que a Exxon tenha espalhado desinformação sobre o clima e afirmou em 2021 que a empresa “há muito reconhece a realidade e os riscos da mudança do clima”.
Ao contrário dos principais rivais petroleiros europeus do grupo, como BP, Shell e TotalEnergies, a Exxon não está investindo em grandes projetos eólicos e solares nem tentando entrar no negócio das baterias. Em 2020, Woods considerou os objetivos climáticos dessas empresas como um “desfile de beleza”.
Na opinião da Exxon, a transição energética envolverá grande eletrificação, para coisas como a produção de energia e os automóveis. Mas a empresa argumenta que haverá grandes áreas da economia, como a indústria pesada e os transportes de longo alcance, que será difícil e dispendioso eletrificar, e que elas terão de reduzir seu nível de poluição através da captura de emissões ou da utilização de hidrogênio produzido a partir de gás, ou da substituição dos atuais combustíveis fósseis por biocombustíveis.
A Exxon está apostando nessas tecnologias – biocombustíveis, captura e armazenamento de carbono e hidrogênio de baixas emissões – que, segundo a empresa, estão mais estreitamente alinhadas com os seus conhecimentos e profunda experiência no negócio do petróleo e do gás natural.
“O mundo precisa criar uma nova indústria, uma indústria de redução de carbono, com novas cadeias de valor e novos produtos, e precisamos fazê-lo o mais cedo que pudermos. Essas necessidades são o nosso ponto forte”, afirma Woods.
No entanto, a estratégia tem muitos críticos. Embora a Agência Internacional de Energia (AIE) e a ONU afirmem que essas tecnologias desempenharão um papel fundamental para ajudar o mundo a chegar ao zero líquido, a captura e armazenagem de carbono nunca foram construídas com sucesso em escala significativa e os projetos que foram criados frequentemente capturaram muito menos emissões do que o anunciado. Embora o hidrogênio seja um insumo comum para a indústria pesada, quase nenhum é produzido de forma limpa, hoje, e os biocombustíveis continuam a ocupar apenas um nicho de mercado.
Os ativistas e analistas do clima dizem que a Exxon está concentrada no hidrogênio e na captura e armazenagem de carbono porque os vê como uma forma de prolongar a era dos combustíveis fósseis e de resistir aos esforços de eletrificação em mercados fundamentais para a futura procura de petróleo e gás.
Os investimentos anteriores em inovações energéticas, que foram alvo de publicidade extravagante, não corresponderam às expectativas da Exxon. Logan, da Ceres, aponta para mais de uma década de esforço da empresa para produzir biocombustíveis a partir de algas, que ela durante anos apresentou publicamente como sua principal iniciativa quanto ao clima, entre outras coisas por meio de comerciais de grande visibilidade no Super Bowl, que tentavam apresentar a Exxon como líder em emissões baixas de carbono.
Mas a tecnologia terminou por não conquistar avanço algum e a Exxon abandonou discretamente o seu programa de algas, este ano. “A Exxon tem o ônus de provar que pode realmente inovar de uma forma economicamente sustentável nessas áreas, e que não se trata apenas de marketing, o que parece ter sido o caso no passado”, diz Logan. “É uma nuvem enorme que paira sobre seus planos relativos ao hidrogênio, à captura de carbono e aos biocombustíveis”.
Ammann, da Exxon, reconhece que o discurso em torno da captura de carbono e do hidrogênio deixou a realidade muito para trás.
“Uma das coisas que tem sido interessante para mim ao entrar neste espaço é que há muitos comunicados de imprensa e muita conversa, para ser bem franco, mas muito pouco avanço quanto a projetos reais e definitivos”, ele diz.
No entanto, o executivo ele aponta para uma série de acordos que a Exxon anunciou nos últimos meses, para novos projetos de captura de hidrogênio e carbono, como prova de que o negócio está “saindo do PowerPoint e entrando no mundo real”.
A empresa assumiu o compromisso de construir uma nova unidade de produção de hidrogênio em um importante centro de refinação e petroquímica nos arredores de Houston, Texas. Será uma instalação de hidrogênio dita “azul”, um empreendimento inovador em que a companhia utiliza gás natural, que gera intensas emissões de carbono, para produzir o hidrogênio, mas captura e armazena as emissões de CO₂ da fábrica.
No mês passado, a Exxon assinou um acordo com a empresa química Linde, sediada no Reino Unido, sob o qual a Exxon diz que irá transportar 2,2 milhões de toneladas de CO₂ por ano, de uma nova instalação de hidrogênio da Linde na costa do Golfo do México, nos Estados Unidos, e armazená-lo permanentemente no subsolo.
Esses projetos iniciais poderiam começar a gerar dinheiro até 2025, diz Ammann.
INCENTIVOS DA IRA
É uma questão em aberto saber se algum desses investimentos teria sido autorizado sem os subsídios para a captura e armazenagem de carbono e hidrogênio previstos na Lei de Redução da Inflação. Os projetos posicionam a empresa como potencialmente uma das maiores beneficiárias da IRA.
A ExxonMobil e outras empresas do sector fizeram pressão junto a Joe Manchin, senador democrata pela Virgínia Ocidental que desempenhou um papel fundamental na elaboração da IRA, para que os incentivos às tecnologias ecológicas preferidas das empresas de petróleo e gás natural fossem incluídos na lei, juntamente com os subsídios para projetos eólicos, solares e de baterias.
O projeto de lei inclui um subsídio de US$ 85 por tonelada de CO₂ para projetos que capturam e armazenam permanentemente as emissões, e até US$ 3 por quilo de hidrogênio limpo produzido, o que, segundo os analistas, subitamente pode tornar muito lucrativos um grande número de projetos que anteriormente não tinham um modelo de negócios viável.
Jeff Ubben, investidor ativista e membro do conselho de administração da Exxon, afirmou recentemente em um evento que a IRA poderia levar as despesas da empresa com projetos de baixo carbono a “subir – subir muito”.
Ele afirmou que a maioria dos acionistas da Exxon não apoiaria gastos com projetos de energia limpa pouco rentáveis, mas que os incentivos fiscais do IRA tinham potencialmente colocado os retornos “na casa dos dois dígitos”, o que permitiria à empresa “começar a defender os gastos”.
“É difícil para o presidente-executivo – ou para quem quer ser presidente-executivo —liderar a descarbonização da energia em toda a infraestrutura existente, e fazê-lo com um retorno abaixo da média. Os investidores podem optar por despedi-lo”, diz Ubben.
AINDA BOMBEANDO
Embora a Exxon diga que quer se expandir para novos negócios com baixas emissões de carbono, não está abandonando o petróleo e o gás natural. Pelo contrário, planeja somar seus negócios com baixo carbono a operações ampliadas de petróleo e gás natural.
A empresa planeja aumentar sua produção de petróleo e gás em 3% ao ano até 2027, o que a distingue dos seus rivais europeus que dizem estar mantendo a produção estável ou permitindo que diminua. A Exxon vem aumentando rapidamente a produção nos campos petroleiros de xisto betuminoso na bacia de Permian, oeste do Texas, e no Novo México, e os analistas dizem que a empresa, que conta com ótimas reservas de caixa, pode estar à procura de um grande negócio na zona de xisto betuminoso ou outro local.
A aposta da Exxon no petróleo e gás natural deu ótimos resultados nos últimos 18 meses, com a disparada nos preços do petróleo e gás depois que Putin lançou uma invasão em larga escala da Ucrânia, o que tornou a empresa mais lucrativa do que no passado.
Em 2022, a empresa registrou quase US$ 56 bilhões em lucros e as suas ações subiram para novos máximos históricos, ultrapassando de longe as grandes rivais europeias Shell e BP, que vêm destacando a transição para além dos combustíveis fósseis. Ambas as empresas afirmam agora que estão desacelerando seu abandono do petróleo e do gás natural, uma decisão que foi muito bem acolhida pelos investidores.
A Exxon argumenta que pode continuar a expandir seu negócio de petróleo e gás natural e se manter alinhada com os esforços mundiais para reduzir as emissões, de acordo com o estabelecido no Acordo de Paris, limpando e compensando as emissões de suas próprias operações.
Mas Neil Quach, analista da Carbon Tracker, uma organização de pesquisa que lida com questões climáticas, afirma que a estratégia da empresa não está alinhada com o Acordo de Paris porque ignora as emissões provenientes das pessoas que queimam o petróleo, o gás natural e os combustíveis que produz, ou seja, as chamadas emissões de âmbito três. Estas representam mais de 80% do total de emissões relacionadas à Exxon —cerca de 540 milhões de toneladas de CO₂ por ano, um total quase tão grande quanto o de emissões de CO₂ do Canadá.
Os investimentos da empresa em combustíveis fósseis podem fazer sentido financeiro em curto prazo, mas Quach diz que esses novos e dispendiosos desenvolvimentos de petróleo e gás natural estão “em risco de ficar encalhados, em um mundo em rápida transição”. No entanto, afirma que os investimentos previstos em Permian são preferíveis a outros desenvolvimentos porque os projetos de xisto betuminoso têm um ciclo de vida mais curto, o que significa que o investimento pode ser aumentado e reduzido mais rapidamente em resposta aos sinais de procura.
A Exxon também está sujeita à mudança de ventos políticos, no que tange aos combustíveis fósseis. Joe Biden, que fez campanha por uma transição ecológica, mudou de rumo após o aumento dos preços dos combustíveis provocado pela guerra no ano passado, e pressionou a Exxon a aumentar a produção, pelo menos em curto prazo.
O governo Biden vem se concentrando mais na segurança energética e em manter custo acessível para a oferta de energia, além da redução das emissões. Isso claramente joga a favor da Exxon e de outros produtores de petróleo. Abriu espaço político para o desenvolvimento de novos projetos de combustíveis fósseis —Biden aprovou recentemente um grande projeto petroleiro no Alasca e retomou o leilão de direitos de perfuração no Golfo do México— e trouxe alguns investidores de volta ao setor de petróleo e gás natural.
Mesmo assim, muitos investidores pretendem manter a estratégia da empresa quanto ao clima em foco. A Legal & General Investment Management, a maior administradora de ativos do Reino Unido e um dos 20 maiores acionistas da Exxon, apresentou uma nova resolução sobre o clima a ser votada na reunião anual de acionistas do grupo petroleiro que acontecerá em 31 de maio.
A resolução exigiria que a empresa divulgasse novos dados sobre o risco financeiro caso uma queda rápida da procura de combustíveis fósseis a obrigasse a fechar uma de suas instalações de produção de combustíveis.
A batalha entre acionistas na assembleia de 2021 “mudou a narrativa”, afirma Dror Elkayam, analista da LGIM, mas os níveis de gastos da Exxon com energia ecológica continuam a ser “bastante baixos em comparação com os seus pares europeus”.
“Teremos de esperar para ver se a empresa realmente está adotando metas mais ambiciosas com relação à mudança do clima” (Financial Times, 9/5/23)