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Açúcar: O bicho-papão

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Por Arnaldo Luiz Corrêa

Mais uma semana de cotações recordes no mercado futuro de açúcar em NY, com todos os efeitos colaterais que estresses como esse provocam nas empresas. O bicho-papão atende pelo nome de chamada de margem. E ela tem sido bem assustadora. Já chegou à cifra de US$ 3 bilhões. Imagine essa dinheirama saindo do fluxo de caixa das empresas.

Como me disse uma vez um veterano trader do mercado de commodities, “quando a chamada de margem arromba a porta de entrada, o racional se atira pela janela”. E não adianta querer contemporizar, todos nós temos a tendência a ficarmos altistas na alta e baixistas na baixa. Vamos ver se a gente consegue achar algum baixista na semana do açúcar que se inicia na próxima segunda-feira aqui em Nova Iorque.

O vencimento maio/23, que expirou nesta sexta-feira valorizou 216 pontos, ou 48 dólares por tonelada na semana. O contrato futuro com vencimento para julho/23, o próximo vencimento, refletindo o peso da safra do Centro-Sul fechou a semana a 3,071 reais por tonelada. Nos últimos 23 anos esse valor foi visto apenas em 1% das vezes. Isso refere-se a todas as cotações de NY, convertidas em reais por toneladas e ajustadas pela inflação.

Existem sinais bem claros de que a alta de preços observada no mercado de açúcar tem outros componentes além de alterações ou pioras no fundamento do mercado propriamente dito.

Um dos sinais mais evidentes de que os fundamentos são coadjuvantes – e não protagonistas nesse cenário – é quanto à volatilidade das opções. Há algumas semanas ela estava em torno de 23% anualizada. Nesta semana chegou a bater 48%. E o que mudou nos fundamentos que justificasse essa explosão? Muito pouco. Mas, a narrativa, era de final do mundo. A safra de cana do Centro-Sul iria ser menor (como podemos ter tanta certeza em abril?), o lineup (a fila de navios para carregamento) em Santos aumenta, a Índia suspendendo exportações, a Tailândia com temperaturas de 45°C, entre outros eventos.

Primeiramente, o que faz a volatilidade das opções dobrarem num curto espaço de tempo? Quando afirmamos que as usinas estão fixadas 20-21 milhões de toneladas de açúcar para esta safra, essas fixações foram efetuadas pela venda de contratos futuros na bolsa de NY, sendo grande parte desse volume utilizando a conta de futuros das tradings, dos bancos e outras instruções provedoras de estruturas de hedge.

Com a elevação de preços em NY provocada por uma combinação explosiva de fundos comprando agressivamente, consumidores industriais se cobrindo e usinas sem ter muito mais açúcar para fixar, aqueles que estão vendidos contratos futuros na bolsa (tradings) são obrigados a atender às chamadas de margens diárias, mecanismo que as bolsas utilizam para zerar lucros e prejuízos diários e diminuir o risco de mercado.

Pelo levantamento da Archer Consulting, o preço médio de fixação das usinas para a safra 23/24 é de 17.75 centavos de dólar por libra-peso. A média dos fechamentos dos meses correspondentes à safra do Centro-Sul na sexta-feira foi de 26.25 centavos de dólar por libra-peso. Uma chamada de margem média de 187 dólares por tonelada. Agora multiplique isso – conservadoramente – por 16 milhões de toneladas (assumindo que vários contratos já tiveram troca de futuros via EFP). Estamos falando em um enxugamento de US$ 3 bilhões. Uma chamada dessa magnitude é dolorosa.

Dessa forma, para atenuar o sangramento, essas empresas entram no mercado futuro comprando calls (opções de compra) objetivando diminuir a chamada de margem caso o mercado continue subindo. Os prêmios das opções sobem dada a demanda por esse instrumento. O fato de a volatilidade ter dobrado demonstra que o mercado agiu movido por um pânico incontido.

O lineup de 1.6 milhão de toneladas em Santos pode ser explicado pelo fato de os compradores de açúcar precisarem carregar o produto que compraram das usinas o mais rápido possível para atender seus compradores finais, aproveitar o mercado invertido e também o prêmio de branco muito elevado, para aqueles que vão converter o açúcar bruto em refinado.

Agora, o que pode justificar, um mercado que acredita piamente na falta de açúcar, ter uma entrega física de 940,000 toneladas como a ocorrida agora na expiração do maio? Todos nós aprendemos que entregar fisicamente um produto contra a expiração de um contrato futuro na bolsa é o último recurso do vendedor. Ele só entrega na bolsa quando ninguém paga melhor do que….. a bolsa.

Existem outros pontos que merecem atenção. Como essa movimentação física tem muito a ver com o jogo dos spreads, ou seja, a habilidade de cada trading de operar o mercado aproveitando oportunidades na diferença entre os preços de dois meses negociados (os spreads) ao longo do tempo, o ato de entregar ou receber açúcar na bolsa pode eventualmente ser apenas uma parte de uma estratégia mais abrangente. Também colabora com a entrega física a diferença do demurrage (taxa cobrada sobre o período que ultrapassou a estadia do navio) e as condições mais favoráveis de entrega por meio da bolsa (carregamento diário menor).

O mercado vai precisar de notícias fresquinhas para poder continuar sua trajetória de alta. Veremos como se comporta nessa semana aqui em NY.

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