Desafios domésticos e no exterior ampliam riscos, mas alta pode estar no limite.
A cotação do dólar subiu quase 4% em abril, depois de ter caído 15% no primeiro trimestre. A oscilação reflete a mudança no humor dos investidores, que passaram a esperar um contexto mais difícil para o Brasil com o endurecimento do combate à inflação nos Estados Unidos e turbulências internas com a polarização da corrida eleitoral ao Palácio do Planalto.
Analistas consultados pela Folha afirmam que dificilmente o dólar voltará a oscilar muito abaixo dos R$ 4,70 até o fim de 2022, conforme ocorreu no primeiro quarto do ano, embora os fundamentos para a formação da taxa de câmbio —tais como as paridades entre países quanto ao comércio exterior, poder de compra e a relação entre juros e inflação— pudessem sustentar essa cotação por mais tempo.
Em contrapartida, eles consideram que há pouco espaço para nova escalada ao patamar de R$ 5,70, como registrado no início do ano. O cenário projetado neste momento é de uma taxa circundando os R$ 5, embora reconheçam que a imprevisibilidade das variáveis que influenciam o câmbio impeça mirar com precisão a cotação futura da moeda americana.
Apesar de certo consenso sobre o horizonte do câmbio, o caminho a percorrer é acidentado. Oscilações passaram a ser ainda mais esperadas após o repique da Covid na China e a decisão da Rússia de intensificar sua ação militar na Ucrânia e subir o tom das ameaças ao Ocidente.
Em relação a comprar ou não a moeda internacional para uma viagem internacional, a imprevisibilidade do câmbio leva a uma receita básica: buscar o preço médio. A regra é comprar quantidades iguais de dólares em intervalos regulares no período entre o início do planejamento e o embarque.
O QUE DIZEM OS ANALISTAS
Nicola Tingas, economista-chefe da Acrefi (Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento), considera que o dólar só caiu no primeiro trimestre porque o real foi excessivamente desvalorizado no ano passado.
Neste ano, juros altos o suficiente para compensar os riscos do Brasil em um momento de incerteza no exterior, ações de empresas locais crescendo a reboque da alta das commodities e até certa calmaria na política doméstica ajudaram a atrair investidores para o Brasil.
Porém, na avaliação de Tingas, a piora do cenário internacional no último mês deixou pouco espaço para a manutenção de uma cotação justa, abaixo dos R$ 4,80.
“No segundo semestre [de 2021], o real se desvalorizou muito acima dos fundamentos do país em relações de troca, posição de dívida e tudo mais. Em essência, isso teve a ver com o grande debate sobre acabar com o teto fiscal, o que aumentou o risco país e alterou a taxa de câmbio” Nicola Tingas, Economista-chefe da Acrefi
Fundamentos econômicos não são as únicas variáveis a determinar o câmbio. Expectativas sobre o futuro do país também entram na conta. Nesse sentido, a política pode pesar mais no curto prazo, como ocorreu no segundo semestre de 2021.
Fernanda Consorte, economista-chefe do Banco Ourinvest, argumenta que a recente alta no câmbio é também um ajuste à aproximação do período eleitoral e à polarização da disputa entre duas candidaturas, a do presidente Jair Bolsonaro (PL) e a do ex-presidente Lula (PT).
Uma disputa acirrada, com governo e oposição em condições de êxito, alerta investidores para o crescimento do risco fiscal, que neste momento pode ser entendido como o receio de que uma escalada de decisões e promessas populistas poderiam prejudicar a execução do Orçamento nos próximos anos.
“Ajustes começaram a ser vistos. Tivemos um desempenho melhor [no primeiro trimestre] do que os emergentes, recebendo muito fluxo [de investimentos] que provavelmente iria para a Rússia. Mas isso é algo que não se perpetua porque temos nossas mazelas econômicas internas”, Fernanda Consorte, Economista-chefe do Banco Ourinvest
Daniel Miraglia, economista-chefe da Integral Group, também considera que o câmbio já começou a mostrar o preço da eleição e que a tendência é que isso se intensifique. Mas ele reforça que é o que acontece lá fora, especialmente nos Estados Unidos, que vai ditar o ritmo do mercado até o fim do ano.
O banco central americano, o Fed (Federal Reserve), tirou a sua taxa de juros de referência do zero em março, além de ter encerrado um programa injetou bilhões de dólares no mercado financeiro por meio da compra de títulos imobiliários e do Tesouro.
A fartura de liquidez estimulou a economia durante a fase mais aguda da pandemia, mas também aqueceu o mercado consumidor antes da normalização da oferta de bens e insumos, que segue prejudicada pela rigorosa política de combate à Covid na China. O resultado foi a maior alta de preços em quatro décadas.
Para tentar barrar a inflação, o Fed subiu sua taxa em 0,25 ponto percentual há pouco mais de um mês e deverá aplicar aumentos iguais ou superiores a meio ponto em cada uma das suas seis reuniões previstas até o final deste ano. Um aperto impensável há pouco tempo e que coloca o mundo em alerta para uma forte desaceleração da economia global.
“Daqui para frente vai ser mais desafiador, porque o Brasil já não está mais tão barato. Há pouco espaço no médio prazo para melhorar o Brasil, e há vários riscos que podem fazer a dinâmica de preços piorar”, Daniel Miraglia, Economista-chefe da Integral Group
Juros mais altos nos Estados Unidos tendem a atrair para os títulos soberanos do país investidores que estavam posicionados em países mais arriscados, como o Brasil.
Um sinal de que esse processo está em curso é que os rendimentos dos títulos de referência do Tesouro americano rondam o patamar mais elevado desde 2018. É um movimento que revela a expectativa de investidores em ampliar ganhos na renda fixa do país.
Para Sandra Blanco, estrategista-chefe da Órama, a busca de investidores por refúgio na proteção dos ativos ligados ao dólar passa a ser uma tendência ainda mais forte com o prolongamento da guerra na Ucrânia e o repique da Covid na China.
Nos dois casos, a principal ameaça é a inflação. O preço de referência do petróleo bruto, o Brent, está flutuando acima dos US$ 100 (R$ 501) por barril desde o início da guerra. E, apesar de os confinamentos em grandes cidades da China para conter o coronavírus potencialmente reduzirem a demanda por combustível, uma nova paralisação no país apertaria ainda mais o gargalo da oferta geral de produtos.
“Trabalhamos com um dólar entre R$ 5 e R$ 5,10 até o fim do ano. O valor justo seria em torno de R$ 4,80, conforme nossos estudos de longo prazo. Mas com o Fed subindo juros, que é o principal risco, guerra, Covid na China e eleições no Brasil, o dólar pode voltar a subir um pouco”, Sandra Blanco, estrategista-chefe da Órama
Daniel Weeks, economista-chefe da Garde, afirma que o Brasil pode se beneficiar pela falta de boas alternativas de investimento entre as grandes economias emergentes. Segundo ele, o país ganha com o efeito da alta dos preços de commodities sobre a atividade, oferece uma taxa de juros elevada e possui alguma estabilidade política, quando comparado com Rússia, Turquia e China, por exemplo.
Também na avaliação do economista, parte dos dólares vindos do superávit comercial recorde projetado para 2022 deverá entrar no país, algo que não ocorreu no ano passado. Em 2021, a balança comercial registrou superávit recorde de US$ 61 bilhões, mas entraram efetivamente no Brasil US$ 9,8 bilhões.
“Teremos uma balança comercial muito forte. Esse dinheiro não entrou [no país] em 2021. Neste ano, deve entrar, porque os juros estão mais altos”, afirma Weeks.
“Teremos uma balança comercial muito forte. Esse dinheiro não entrou [no país] em 2021. Neste ano, deve entrar, porque os juros estão mais altos”, Daniel Weeks, economista-chefe da Garde
Ele projeta uma taxa de câmbio de R$ 4,75 no final deste ano e R$ 4,85 no fim de 2023. E diz que parte dessa volta do dólar deve ajudar a reduzir os índices de inflação a partir do segundo semestre.
Bruno Capusso, diretor de tesouraria do Banco Fator, afirma que é natural que o real sofra mais no cenário atual após a forte valorização no primeiro trimestre.
“O processo de apreciação entrou em standby, mas não acho que tenha sido interrompido”, diz Capusso.
Ele afirma que a posição do país como exportador de commodities e o diferencial de juros em relação ao exterior são as principais linhas de defesa para evitar uma desvalorização mais forte da moeda nacional. Mesmo em um cenário em que os juros nos Estados Unidos subam mais que o projetado atualmente.
“O processo de apreciação entrou em stand by, mas não acho que tenha sido interrompido”, Bruno Capusso, diretor de Tesouraria do Banco Fator (Folha de S.Paulo, 2/5/22)