Por Celso Ming
Especialistas apontam que a falta de transparência nos preços e a insegurança jurídica no setor afasta investidores e limita o desenvolvimento da indústria nacional de biocombustíveis.
A disparada dos preços dos combustíveis poderia ter criado condições objetivas para o aumento do consumo interno de biocombustíveis. Mas nenhuma proposta chegou a avançar em direção às políticas que se destinassem a garantir uma opção segura à gasolina e ao diesel.
O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de biocombustíveis do mundo, já dispõe de indústria relativamente consolidada e domina a tecnologia para produção, especialmente de etanol e biodiesel, hoje utilizados na mistura combustível, na proporção de 27% à gasolina comum e de 10% ao óleo diesel.
As estatísticas da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) dão conta de que, em 2021, foram produzidos no País cerca de 30 bilhões de litros de etanol (anidro e hidratado) e 6,8 bilhões de litros de biodiesel. São números suficientemente altos que apontam para rota a ser seguida no propósito de atender às futuras demandas ambientais e econômicas do planeta.
Mas a produção desses biocombustíveis ainda esbarra em instabilidade nas regras do jogo e distorções no mercado interno, que impedem a redução dos custos, dificultam a expansão do mercado e empurram para cima o preço nas bombas.
A falta de transparência nos preços e a insegurança jurídica mantêm arredios os potenciais investidores, pontua Pedro Côrtes, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo. E a produção não avança para onde poderia ir.
“Os biocombustíveis são estratégicos para o Brasil porque ajudariam não só a mitigar a crise causada pela escalada do petróleo no preço dos combustíveis, mas a reduzir as emissões de gases do efeito estufa do setor de transporte e a diversificar a matriz energética”, reforça Côrtes.
Outra área recorrente de conflitos envolve a utilização de recursos, sempre escassos, para produção de biocombustíveis quando poderiam ser direcionados para a produção de alimentos ou o estímulo ao desenvolvimento de monoculturas voltadas para suprir o mercado de energia.
Ronaldo Gonçalves, professor de engenharia química da FEI, entende que a simples intensificação do uso de biomassa e resíduos (urbanos, industriais, agrícolas) como matérias-primas para produção desses biocombustíveis poderia reduzir essa tensão.
Outra saída seria o chamado cultivo dedicado. “É o cultivo controlado que leva em conta índices de crescimento, sazonalidade, quantidade energética e volume de conversão no processo produtivo. Neste cenário, o campo seria bem mais amplo do que o do estrito mercado de alimentos. Agora, não adianta fazer com que os produtores invistam para produzir biocombustíveis se não tem como colocá-los no mercado”, explica Gonçalves.
Em março, o governo zerou o tributo de importação de etanol, antes de 18%, com o objetivo de reduzir o preço da gasolina e, assim, desestimulou a produção local. Mostrou que sua prioridade não é fomentar o setor. Também em março, o governo lançou um programa de estímulos à produção de biometano e biogás, produtos que diversificam o uso de biocombustíveis no setor de transporte, com incentivos para construção de plantas produtivas, desenvolvimento de pesquisas e criação de créditos de metano.
E pairam ameaças de que o governo abra o mercado interno para importação de biodiesel destinado à mistura ao diesel com o objetivo de baratear os preços internos.
São contradições, omissões e falta de firmeza de objetivos, que podem custar caro no futuro e atrasar o desenvolvimento dos biocombustíveis de produção nacional (Celso Ming com Pablo Santana; O Estado de S.Paulo, 1/5/22).