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Com 10 anos de Código Florestal, 0,01% dos imóveis rurais são regularizados

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Cadastro Ambiental Rural sofre travas de gestão, enquanto Congresso propõe novas flexibilizações para a legislação.

A vitória foi da bancada ruralista do Congresso quando, em 25 de maio de 2012, um novo Código Florestal foi sancionado pela então presidente Dilma Rousseff.

Apesar de ter diminuído as exigências de proteção ambiental, a nova legislação previa um instrumento para viabilizar o cumprimento das novas normas pelos proprietários rurais: o CAR (Cadastro Ambiental Rural). A ferramenta, a ser implementada pelos estados em parceria com o governo federal, ditaria os passos até a recomposição das áreas desmatadas ilegalmente em propriedades rurais.

Dez anos depois, apenas 28,6 mil dos 6,5 milhões de imóveis cadastrados foram analisados, segundo dados do SFB (Serviço Florestal Brasileiro), o que representa menos de 0,5% dos imóveis.

Mas o objetivo final do cadastro está ainda mais distante: após a análise e a validação dos cadastros, vem a fase de adesão ao Programa de Regularização Ambiental.

Segundo o SFB, 52% dos 6,5 milhões de cadastrados já pediram para aderir à regularização ambiental. No entanto, apenas 1.169 termos de compromisso foram assinados em todo o país, o que corresponde a 0,01% dos imóveis cadastrados.

Os dados foram extraídos do relatório anual “Onde Estamos na Implementação do Código Florestal?”, publicado no final do ano pela Climate Policy Initiative, e são citados também em um relatório interno do SFB ao qual a Folha teve acesso.

Os acordos foram firmados em quatro estados: Pará, Mato Grosso, Rondônia e Acre. Além desses, apenas mais dois estados têm solução tecnológica implementada para a regularização ambiental: Bahia e Mato Grosso do Sul, que usam compromissos autodeclaratórios e não foram computados pela análise da Climate Policy Initiative.

Folha apurou que o módulo computacional que permite a gestão da regularização ambiental ainda não foi implantado pelo SFB nos estados que dependem do apoio técnico federal.

O sistema operacional da regularização ambiental permite a elaboração do termo de compromisso para que o proprietário rural se adeque à lei, fazendo, por exemplo, a recomposição ou compensação de áreas desmatadas de Reserva Legal (cota do terreno que deve ser conservada com vegetação nativa, com taxas que variam conforme o bioma) e a recuperação de Áreas de Preservação Permanente (as APPs, que correspondem a margens de rios, topos de morro e encostas).

 A lentidão se agravou com remanejamentos de cargos feitos no último ano através dos decretos 10.662/21 e 10.827/21 pelo Ministério da Agricultura —responsável pelo sistema do CAR desde que o SFB foi transferido da pasta ambiental, no início do governo Bolsonaro.

Com o novo decreto, a diretoria de tecnologia de informação do SFB deixou de atuar com foco na gestão CAR e passou a atender demandas de todo o Ministério da Agricultura, o que levou a sobrecarga e instabilidades no sistema, segundo fontes de governos estaduais.

A chamada ferramenta de análise dinamizada, que permite a automação da avaliação dos cadastros através de georreferenciamento, está paralisada desde março, segundo a Folha apurou. Técnicos que usam o Sicar (Sistema de Cadastro Ambiental Rural) afirmam temer o colapso do sistema de gestão dos cadastros.

Procurado, o Ministério da Agricultura não comentou as mudanças recentes na gestão do SFB. “Compete às Unidades Federativas a análise do Cadastro Ambiental Rural. Cabe ao Serviço Florestal Brasileiro, como órgão coordenador da política nacionalmente, dar suporte e buscar meios para dar celeridade a este processo”, afirmou a pasta em nota.

Entre os imóveis cadastrados em todo o país, há 4,7 milhões de hectares de APPs que precisam de recomposição da vegetação nativa e 37,9 milhões de hectares no caso das áreas de Reserva Legal, segundo o SFB.

“Nos estados em que a atividade principal é a pecuária, a resistência [à regularização ambiental] parece ser ainda maior, uma vez que a recuperação das áreas depende do cercamento das áreas e o produtor não tem interesse em recuperar a vegetação de forma produtiva, com sistemas agroflorestais”, avalia o relatório da Climate Policy Initiative.

 O recibo de inscrição no CAR é exigência legal para acesso ao crédito rural e ao seguro agrícola, mas a condição não implica a fase de validação. Como incentivo à implementação do CAR, o Plano Safra 2020/21 prevê aumentar o limite de crédito em 10% para os produtores que tiverem seus cadastros validados (não só inscritos).

Apesar disso, a avaliação interna do governo é que os benefícios não competem com os custos da regularização e com a baixa efetividade das ações de fiscalização, que não fazem valer o que foi fixado pela lei. O diagnóstico foi produzido no início do ano pelo SFB em parceria com a Giz, agência de cooperação técnica alemã.

Falta de engajamento dos proprietários, acordos de regularização exíguos, falta de capacidade institucional, regulamentações estaduais incompletas e insegurança jurídica completam os gargalos no diagnóstico do SFB.

Enquanto a implementação do principal instrumento do Código Florestal sofre travas de gestão no Executivo, o Congresso recebe novas tentativas de flexibilizar a legislação. Na Câmara, há 90 projetos de lei em tramitação relacionados a alterações do Código Florestal. No Senado, dois projetos já contam com relatório favorável para votação pela Comissão de Agricultura.

Um deles, de autoria do senador Irajá (PSD-TO), propõe alterar o dispositivo mais polêmico do Código Florestal, que chegou a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal: o da anistia a desmate ilegal em imóveis rurais. Pela lei, o ano-limite para que o imóvel negocie a regularização ambiental, sem sofrer punições, é 2008. O senador propõe estender esse prazo para o ano de 2012.

Para o advogado e consultor sênior de direito socioambiental do IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade), André Lima, o Código Florestal precisa avançar na direção oposta: de implementação, em vez de alteração da lei.

“É preciso cancelar imediatamente os cadastros de imóveis sobrepostos com terras indígenas, unidades de conservação e florestas públicas, para retirar qualquer expectativa de direito à regularização fundiária nessas áreas cujas leis impedem regularização”, aponta Lima.

Ele também propõe que o CAR seja usado para responsabilizar de forma remota, automática e em escala os infratores ambientais.

“Tal qual opera hoje de forma ágil e eficaz o sistema de responsabilização de infratores de trânsito”, compara. As propostas do IDS serão levadas a uma audiência pública convocada pelo Senado para a manhã desta quarta-feira (25), pelos dez anos do CAR (Folha de S.Paulo, 25/5/22)

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