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Clima já ameaça agro, portos e até internet;projetos de adaptação são raros

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Empresas priorizam mitigação e ignoram adaptação às mudanças climáticas, o que pode trazer prejuízos.

Fortalecer a infraestrutura contra inundações e tempestades, investir em sementes agrícolas mais resistentes, melhorar o armazenamento de água. Essas são algumas iniciativas que poderiam ajudar empresas a se proteger das mudanças climáticas.

Contudo, conforme destacou o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU) em fevereiro, a maior parte do financiamento global está sendo direcionada para projetos que visam reduzir as emissões de carbono, desconsiderando a importância da adaptação.

A avaliação do mercado sobre a gravidade da questão climática pode ajudar a explicar por que o tema segue preterido.

 Em janeiro deste ano, uma pesquisa da consultoria PwC mostrou que apenas 36% dos executivos brasileiros acreditam que as mudanças climáticas são uma grande ameaça ao crescimento das companhias no longo prazo. No recorte global, a proporção é ainda menor: 33%.

O empresariado teme mais por choques na economia global e ataques cibernéticos do que por eventos ambientais.

Para André Ferretti, ambientalista e gerente da Fundação Grupo Boticário, ainda há uma visão imediatista do setor privado sobre o clima.

“É preciso pensar num futuro mais distante. Há tendências de maior intensidade e frequência em eventos climáticos extremos que podem afetar drasticamente o negócio, seja em relação à operação, aos fornecedores ou aos colaboradores”, diz.

É o que também pensa Vanessa Pinsky, especialista em ESG e pesquisadora da USP. Na visão dela, a compreensão das mudanças climáticas como um grande desafio para o desenvolvimento ainda é incipiente no Brasil.

“Empresas assumem metas de redução de emissões de carbono, mas não incluem o clima na matriz de risco da organização. Isso faz com que a demanda por projetos de adaptação passe longe da pauta dos conselhos de administração.”

 PORTOS ESTÃO AMEAÇADOS

Em alguns setores, porém, o problema é iminente. Um estudo feito pela Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) mostrou que as mudanças climáticas já ameaçam os portos no Brasil.

O principal risco são os vendavais, que já afetam sete portos e podem se tornar um problema futuro para outras nove instalações na costa do país. Tempestades, ressacas e elevação do nível dos oceanos também preocupam.

“Os impactos nas operações portuárias em função da mudança do clima já são uma realidade no Brasil, e, mantidas as condições atuais, há uma tendência de piora neste cenário”, afirma o documento.

O estudo lembra que os portos são responsáveis por 95% da corrente de comércio exterior do país, movimentando cerca de 14% do PIB.

Questionado sobre a existência de iniciativas para reduzir o impacto de vendavais, ressacas e tempestades, o Porto de Santos —o maior do país— afirmou que está participando de um novo levantamento para analisar “potenciais riscos da mudança climática”.

“Com base nas informações geradas pelo estudo, com previsão contratual de ser concluído até junho deste ano, a SPA [Santos Port Authority] poderá avaliar os riscos climáticos presentes e futuros, para que possa incluir a variável climática na decisão do planejamento de seus investimentos e na sustentabilidade das operações portuárias.”

INTERNET TAMBÉM PODE SOFRER COM O CLIMA

Em 2018, o CDP (Carbon Disclosure Project) mostrou que 215 das 500 maiores empresas do mundo poderiam perder cerca de US$ 1 trilhão (R$ 4,71 trilhões) devido às mudanças climáticas.

Uma das empresas citadas foi a Alphabet (dona da Google), que provavelmente terá que lidar com o aumento dos custos de refrigeração de seus data centers.

Mas o calor não é a única ameaça para as empresas de tecnologia. Num artigo de 2018, pesquisadores das universidades de Oregon e Wisconsin, nos Estados Unidos, analisaram a vulnerabilidade da internet aos riscos climáticos.

Baseado em projeções da elevação do nível do mar, o estudo avaliou a quantidade e o tipo de infraestrutura que devem ficar submersas ao longo dos próximos anos. A conclusão é que, até 2033, mais de 6.000 km de cabos de fibra poderão estar debaixo d’água somente nos Estados Unidos. Outros tantos data centers e equipamentos de telecomunicação correm o risco de ficarem cercados de água.

 A Folha procurou o Google para entender se a companhia tem iniciativas para minimizar os impactos que as mudanças climáticas podem trazer —ou já estão trazendo— nos negócios.

A empresa respondeu que não tem nada específico para compartilhar sobre adaptação climática e impacto econômico.

AGRO SERÁ MAIS IMPACTADO

O agronegócio brasileiro é um dos grandes prejudicados pelos efeitos das mudanças climáticas. Temperaturas mais altas já afetam o café e a laranja, além de causarem a morte de aves, bovinos e suínos.

Quebras de safra engrossam a lista de prejuízos. Em dois anos, o Brasil deve perder 41 milhões de toneladas de grãos em função de eventos como secas, geadas e excesso de chuvas.

Folha procurou as principais empresas do setor para falar sobre iniciativas de proteção a eventos extremos.

Em nota, a Cargill, multinacional de produção e processamento de alimentos, disse não ter nada nesse perfil específico, e reforçou suas ações de mitigação, como usar biomassa para gerar energia e reduzir emissões de carbono.

A Bunge, gigante do comércio internacional de soja e outras commodities agrícolas, destacou que não possui áreas de cultivo e que sua operação consiste na compra e processamento dos grãos.

“Nós incorporamos detalhamentos minuciosos de aspectos relacionados à sustentabilidade ao nosso processo de gestão de riscos”, disse a Bunge em nota. “Tal processo inclui riscos decorrentes de mudanças nos padrões climáticos, escassez de água, desmatamento, produtividade do agricultor, aumento da tributação e regulamentação sobre as emissões de GEE, entre outros”, acrescentou.

Já a BRF, dona de marcas como Sadia e Perdigão, disse usar tecnologia para mapear a procedência dos grãos e mencionou o compromisso de reduzir o consumo de água em 13% até 2025.

Entre os frigoríficos, JBS e Marfrig não responderam sobre suas iniciativas. Procurada para comentar como tem lidado com os riscos climáticos, a Minerva Foods disse que não participaria da reportagem.

ADAPTAÇÃO COMEÇA A ENTRAR NO RADAR

Algumas companhias têm incorporado a adaptação climática em suas estratégias de sustentabilidade.

A Neoenergia, do setor elétrico, aposta na diversificação do portfólio em várias frentes (eólica, solar, hidrelétrica e termelétrica a gás natural) para blindar o negócio de problemas como a seca.

“O tema está no radar e temos realizado estudos a partir de uma metodologia de avaliação de risco climático para mapear medidas adaptativas de planejamento, institucionais e físicas, a fim de eliminar e minimizar eventuais efeitos das alterações decorrentes das mudanças climáticas”, afirma Solange Ribeiro, diretora-presidente adjunta da Neoenergia.

Segundo ela, a companhia investiu R$ 3,1 bilhões no segmento de renováveis em 2021, o que representa um aumento de 246% em relação ao ano anterior. Desse total, R$ 2,8 bilhões foram voltados aos parques eólicos.

 Outra empresa que vem acompanhando o assunto é a Ambev. Extremamente dependente da água, a companhia destaca suas plataformas para monitorar o gasto hídrico e a definição de metas para reduzir o consumo por litro de cerveja produzido.

“Sabemos que a gestão de preparo, de conteúdo e de conhecimento dão maior resiliência aos negócios e fazem parte da estratégia de adaptação às mudanças climáticas”, afirma Karen Tanaka, gerente de sustentabilidade da Ambev.

A executiva diz que a cervejaria busca diversificar seus fornecedores de insumos agrícolas em diferentes regiões geográficas, o que ajuda a diminuir os riscos de desabastecimento por eventos extremos.

Outros programas também compõem a estratégia da Ambev, como iniciativas de agricultura regenerativa e a preservação de bacias e florestas —que ajudam tanto na mitigação quanto na adaptação climática.

“A partir de um amplo diagnóstico de cada bacia [hidrográfica], reunimos uma série de parceiros e traçamos um plano local com ações que incluem educação ambiental, restauração ecológica, práticas de conservação e PSA [Pagamento por Serviços Ambientais]”, explica (Folha de S.Paulo, 1/5/22)

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