Por Paulo Hartung
Está em nossas mãos nos posicionarmos como uma potência verde, pela ímpar biodiversidade e a força agroambiental que o Brasil tem.
O descompasso entre o modo de viver da sociedade e o cuidado com o meio ambiente está levando a natureza ao seu limite. O último relatório Panorama da Biodiversidade Global, das Nações Unidas, é taxativo em afirmar que “a taxa de perda de biodiversidade não tem precedentes na história da humanidade”.
Ter um ecossistema saudável significa garantir o bem-estar das próximas gerações, uma vez que isso é fundamental para manter a qualidade do solo, a disponibilidade da água, a garantia de alimentos, além, é claro, de ser fator decisivo na mitigação das mudanças do clima.
O próximo 22 de maio marca o Dia Internacional da Biodiversidade. A data deve ser encarada como um urgente chamamento à ação. Não podemos passar mais dez anos apoiados em promessas, como na última década. Nenhuma das 20 metas de Aichi, proposições voltadas à redução da perda da biodiversidade estabelecidas em 2010 por representantes de quase 200 nações, foi plenamente alcançada.
Ao final deste ano, está previsto para Kunming, na China, sediar a Conferência da Biodiversidade da ONU (COP-15), momento-chave para que coloquemos ambição em cima da mesa, com o objetivo de chegar a um Marco Global da Biodiversidade, que assegure o resgate da natureza.
Trata-se, ao mesmo tempo, de um desafio e de uma enorme janela de oportunidades. O olhar moderno para o meio ambiente deve ir além da conservação e apostar também na valorização de ativos ambientais. Assim, as florestas terão grau de centralidade ainda maior nesta nova ordem global que se está desenhando.
Neste caminho, somam-se ao tão ansiado mercado regulado de carbono outros modos de pagamento por serviços ambientais e modelos de maior valoração de ativos com índices de biodiversidade mais sofisticados. Este cenário abre caminho para um crescente protagonismo de países tropicais, notadamente o Brasil.
Inegavelmente, temos uma lição de casa a fazer. É imperativo coibir o desmatamento ilegal, queimadas, grilagem de terras, garimpo, entre outras atividades ilícitas que são praticadas nas florestas brasileiras, em especial na Amazônia. Não há soluções fáceis para questões dessa complexidade, mas o fato é que o Brasil já provou ser possível superar esses desafios, a partir da realização da Rio-92.
Temos de ultrapassar as barreiras que nos impedem de trabalhar de maneira sinérgica com toda a riqueza aqui abrigada na maior floresta tropical do planeta, bioma com a mais rica biodiversidade do mundo. No Brasil, a sociedade civil tem se mostrado comprometida com as questões ambientais, no que vem sendo apoiada por segmentos do setor privado, conscientes de suas responsabilidades quanto à agenda ESG, exigência cada vez maior entre investidores e consumidores.
Um dos exemplos é o setor de árvores cultivadas do Brasil, cujo manejo sustentável, o cuidado com a natureza e o respeito com as pessoas já configuram benchmark mundial. Até o dia 6 de maio, a Indústria Brasileira de Árvores (Ibá) lidera e participa de debates no World Forest Congress (Congresso Mundial de Florestas), organizado pela FAO/ONU, em Seul, na Coreia do Sul.
No evento, está sendo divulgado o inédito Caderno de Biodiversidade do setor de base florestal brasileiro. A publicação evidencia que é possível produzir e conservar. Com base num monitoramento minucioso, foram identificadas milhares de espécies de fauna e flora em áreas florestais das companhias. Isso demonstra a eficácia do trabalho no campo, uma vez que os animais, por exemplo, sentem-se seguros naquelas áreas, que, em geral, intercalam vegetação nativa com florestas cultivadas, num sistema de mosaico verde.
Também se dará na Coreia a divulgação internacional do relatório de desempenho sobre gestão da água da indústria florestal. O documento destaca o cuidado com este recurso tão valioso por meio de dados – como a diminuição da utilização hídrica em 75% desde a década de 1970 nos segmentos de celulose e papel –, mas também se mostra uma ferramenta ambiciosa, propondo caminhos para avançar no tema.
Como não poderia deixar de ser, nestes tempos de desigualdades gritantes e inadmissíveis, a equidade também será discutida. O setor participará da programação levando ao continente asiático sua bem-sucedida experiência de intercâmbio de conhecimento e de capacitação em questões relacionadas à agenda de diversidade e inclusão.
Este é um dos diversos modelos de negócios que demonstram que o Brasil vai muito além das benesses naturais, mas tem talento, tecnologia e, acima de tudo, vontade de tornar este país um protagonista desta nova era que está emergindo.
Ao longo da história, o País já desperdiçou importantes oportunidades de desenvolvimento. No momento em que uma economia descarbonizada está sendo estruturada, está em nossas mãos nos posicionarmos como uma potência verde, em razão da ímpar biodiversidade e da notável força agroambiental que reunimos. Sustentavelmente, precisamos aproveitar este momento, pelo bem da população brasileira, pelo futuro de nosso planeta (Paulo Hartung é economista, presidente-executivo do IBÁ, foi governador do Estado do Espírito Santo; O Estado de S.Paulo, 3/5/22)