Por Arnaldo Luiz Corrêa
Depois da queda acentuada durante toda a semana, o mercado futuro de açúcar em NY se reabilitou fortemente no pregão da última sexta-feira e encerrou rigorosamente inalterado em relação à semana anterior.
A semana na Big Apple foi agitada devido ao Jantar de Gala do Açúcar em NY, o primeiro depois da pandemia, e as rodas estavam particularmente animadas nos coquetéis regados a uísque enquanto os convivas apresentavam suas teses altistas e baixistas para todos os gostos e graus alcoólicos. O mercado deve ter se embevecido com o hálito etílico que dominava a tertúlia e se comportou de modo bem errático ao longo da semana.
O contrato futuro com vencimento maio/22 fechou cotado a 19.19 centavos de dólar por libra-peso e praticamente todos os meses até o vencimento março/24 encerraram inalterados. O real finalizou a semana com ligeira valorização em relação à moeda americana. Assim, os valores de fechamento de NY convertidos em reais e ajustados pela curva de juros internos, acabou mostrando pequena queda de R$ 10 por tonelada para a safra corrente e inalterados para 23/24 e 24/25.
Os fundos reduziram a posição comprada para pouco mais de 92,000 lotes liquidando 18,000 contratos na apuração publicada pelo COT (Commitment Of Trades), relatório dos comitentes, que leva em consideração a posição em aberto da terça-feira passada em relação à anterior.
Os números recém publicados pela UNICA da moagem de cana no Centro-Sul acendem um sinal de alerta para a real possibilidade de uma redução na produção de cana desta safra. Várias consultorias têm reduzido suas estimativas de produção já refletindo o desempenho percebido pelas usinas nesse início de moagem.
A Archer Consulting reduziu sua estimativa na produção de cana para 22/23 no Centro-Sul para 548 milhões de toneladas (a anterior era de 552 milhões) também reduzindo a ATR em pouco mais de um quilo por tonelada de cana, o que ajusta a produção de açúcar para 31.5 milhões de toneladas, 525,000 a menos do que o ano passado.
O mix de produção, como era de se esperar, deve priorizar o etanol em 56.2% e coloca a previsão de produção do combustível em 25.4 bilhões de litros que somados ao etanol de milho totalizam 29.8 bilhões de litros, dos quais 11.5 bilhões de litros de anidro e 18.3 bilhões de litros de hidratado. Tem usina que vai elevar a produção de etanol mais de 10 pontos percentuais em relação à safra passada.
Em tese, a menor produção de açúcar no Brasil deveria provocar alta na cotação do produto na bolsa de NY e a inversão – ainda que pequena – nos primeiros contratos futuros lá negociados. Ocorre que o Brasil, principal exportador do produto, antecipou-se fortemente há mais de um ano e vendeu e fixou preços para um volume de exportação superior a 20 milhões de toneladas para esta safra.
Dessa forma, a menos que houvesse uma corrida por parte das usinas em cancelar essas entregas de açúcar por meio de washouts, para aproveitar uma melhor remuneração do combustível, situação possível, mas não provável, o suprimento de açúcar está garantido. Os rumores no mercado, no entanto, dão conta de que cerca de 300,000 toneladas de açúcar poderiam mudar para etanol com o beneplácito das casas comercializadoras.
A desvalorização da rúpia indiana, as altas do preço do açúcar no mercado futuro de NY no primeiro quadrimestre deste ano e o fato de a Índia ter tido uma produção acima das expectativas incentivaram o país a acelerar suas exportações de açúcar aproveitando os preços remuneradores e inundando o mundo com quase 10 milhões de toneladas a serem embarcadas até o final da safra. E tudo isso apesar de o país ter direcionado até o momento 3.5 milhões de toneladas de açúcar equivalentes para a produção de etanol e da recuperação do consumo interno que pulou de 26.5 para 27.8 milhões de toneladas.
Na próxima safra, a Índia deve continuar com a exitosa estratégia que usou nesta safra fixando preços de exportação em NY antes mesmo de produzir, como fazem outras origens. O volume não é significativo, mas eles estão mais atentos ao mercado e à gestão de risco, efeito comum quando os subsídios desaparecem. A tendência é que esse comportamento permaneça.
Com a inflação corroendo o mundo e as taxas de juros tentando combatê-la, é normal que o consumo das famílias caia e que as indústrias alimentícias reduzam seus estoques e posterguem eventuais reposições. Por outro lado, os produtores brasileiros estão preocupados acerca do custo de produção desta safra corrente (alguns colocaram um aumento de 12% no orçamento, tirados de uma cartola) e não fazem a menor ideia de quanto será o custo da safra 23/24.
A lógica de interromper eventuais fixações de preço de açúcar para exportação para o ano que vem está fundamentada na impossibilidade de se prever tantas variáveis sob um cenário de enorme incerteza mundial (duração da guerra, custos logísticos, inflação, taxa de juros, economia global) intensificada com as incertezas domésticas (eleições, comando da Petrobras, câmbio, problemas climáticos).
Todos vamos precisar de mais tempo para a tomada de decisão. O quadro geral é muito volátil e de difícil precisão. Vai ter que ser um dia de cada vez. No entanto, acredito que a partir do início do segundo semestre poderemos ter ventos mais favoráveis para os preços do açúcar no mercado internacional caso se confirmem a redução de moagem que hoje se fala, a falta de expansão canavieira fruto da migração para outras culturas, a mudança (ainda que lenta) na matriz energética do mundo pós-guerra que privilegie os combustíveis verdes. Tem muita coisa em cima da mesa (Arnaldo Luiz Corrêa é diretor da Archer Consulting)