Por Ricardo Mussa
País pode ser exemplo e liderar amplo processo de descarbonização global.
Deu no Financial Times: duas das maiores instituições financeiras da Europa, os bancos franceses BNP Paribas e Crédit Agricole, informaram que não mais submeterão emissões de títulos (conventional bonds) ao setor de petróleo e gás, impondo restrições inéditas a novos projetos de extração desses energéticos.
O que isso significa? É um sinal de que o mundo tende a perseguir os projetos de energia renovável para prover a segurança de abastecimento nas próximas décadas.
A boa notícia: o Brasil, que já tem 85% de sua matriz elétrica e quase 50% de sua matriz energética abastecidas por fontes renováveis, está muito bem posicionado para cumprir um papel relevante nessa virada de chave global.
Basta ver o relatório Renewables 2023, da AIE (Agência Internacional de Energia).
Transcrevo, traduzido, um trecho do relatório: “As economias emergentes, lideradas pelo Brasil, dominam a expansão global dos biocombustíveis, que deverá crescer 30% mais rapidamente do que nos últimos cinco anos. Apoiadas por políticas robustas de biocombustíveis, pelo aumento da procura de combustíveis para transportes e pelo potencial abundante de matérias-primas, prevê-se que as economias emergentes impulsionem 70% do crescimento da procura global de biocombustíveis durante o período previsto. Só o Brasil será responsável por 40% da expansão dos biocombustíveis até 2028”.
O grande desafio global para a transformação da matriz energética está exatamente no setor de transportes, que usa predominantemente combustíveis fósseis. É onde o Brasil mais brilha. Quase 50 anos depois do lançamento do Proálcool, o Programa Nacional do Álcool, em 1975, o Brasil é o segundo maior produtor de etanol do mundo, com o volume de 31,2 bilhões de litros na safra 2022/2023.
Foram a criação e a manutenção de uma série de políticas públicas que fomentaram o surgimento de gerações dedicadas à pesquisa e ao desenvolvimento de novas tecnologias, como o etanol de segunda geração, combustível que tem uma pegada de carbono 30% inferior ao de primeira geração e até 80% abaixo da registrada por combustíveis fósseis como a gasolina.
O fato de ser originado de resíduos como o bagaço e a palha de cana-de-açúcar, sem aumento de área plantada e sem competir com a produção de alimentos, permite que esse ativo nacional atinja mercados externos antes não alcançáveis. É economia circular e muito complementar.
O que isso vai trazer de bom? O país pode liderar não só a exportação de combustível verde mas a própria venda de tecnologia.
Agora, a vida como ela é: o Brasil é o lugar onde tudo isso vem acontecendo. E isso desafia quem eventualmente cultive o chamado “complexo de vira-lata” —expressão eternizada pelo genial Nelson Rodrigues, ainda nos anos 1950.
É um feito para se orgulhar, da excelência de universidades e institutos ao empenho de pesquisadores e profissionais que trabalharam anos a fio para encontrar uma solução em escala industrial, passando por instituições científicas —de fomento e empresariais— determinadas a investir em transição energética. E as parcerias público-privadas são essenciais para prosseguir com a formação de profissionais e fornecedores capacitados.
Quando o assunto é energia renovável, o país não tem razões para ter questões com autoestima: temos tecnologia, matéria-prima e mão de obra especializada para oferecer ao mundo soluções em descarbonização.
E a melhor fronteira exploratória para a segurança do suprimento, agora e no futuro, é investir em energias renováveis (Ricardo Mussa, engenheiro de produção, é CEO na Raízen desde 2020 e lidera a força-tarefa de transição energética e clima do B20 Brasil; Folha, 4/6/24)