Nilson Brandão
Em entrevista, embaixador da União Europeia no Brasil afirma que acordo comercial entre os blocos deve sair neste ano. Ao falar sobre Ucrânia, ele diz alternativa às sanções impostas à Rússia seria declaração de guerra.
A União Europeia (UE) espera, o quanto antes, a resposta do Mercosul à carta (side letter) enviada com compromissos ambientais referente ao acordo comercial negociado entre os blocos. A UE sabe que o documento com esse instrumento adicional não foi bem recebido pelo Mercosul, em particular pelo Brasil. No entanto, o embaixador da União Europeia no Brasil, Ignacio Ybáñez, afirmou à DW que a UE está preparada para ouvir e negociar uma contraproposta.
“É importante que isso seja visto do lado dos países da Mercosul, como uma forma de nos assegurar que, uma vez assinado, esse acordo terá o apoio dos parlamentos europeus”, ressalta. Segundo ele, o custo de não assinar o pacto é muito maior do que assiná-lo e acredita que isso poderá acontecer ainda este ano.
Em entrevista à DW, Ybáñez também abordou as relações entre o velho continente e a América Latina. Destacou, ainda, o tema da guerra na Ucrânia e o esforço em curso da UE na região para explicar as medidas adotadas e ampliar o entendimento político entre os continentes. “Nós também queremos a paz, mas o que nós falamos é que para chegar a essa paz o primeiro passo é respeitar ao país agredido, que é a Ucrânia”, destacou o embaixador.
Confira a entrevista:
DW: Qual é a relevância das relações entre Europa e América Latina?
Ignacio Ybáñez: Para a União Europeia, a relação com a América Latina é muito importante. Mas eu diria que em um tempo que estamos vivendo agora com a agressão da Rússia contra a Ucrânia, valorizamos ainda mais. União Europeia e América Latina são parceiros estratégicos, compartilham valores tão importantes como a democracia, o respeito dos direitos humanos, acreditamos na economia de mercado, cooperação internacional, no multilateralismo. Mas, insisto, com o tema da agressão da Rússia, temos que valorizar ainda mais estas relações e dedicamos este ano de 2023 a reforçar a nossa relação.
Qual o papel esperado da América Latina diante do conflito na Ucrânia?
Queremos falar com todos os nossos parceiros, muito particularmente os parceiros tão próximos como a América Latina, e realmente colocar a agressão da Rússia contra a Ucrânia sobre o efeito que tem. Primeiro lugar, na própria Europa. É uma guerra muito mais forte, que tem um componente de violação dos princípios da carta das Nações Unidas, que tem um efeito que vai além da nossa região. Uma violação da integridade territorial de um país vizinho por parte de um país membro permanente do Conselho de Segurança. Muito importante que reforcemos entre todos o papel das Nações Unidas.
Tenho que dizer que a América Latina no seu conjunto foi um dos continentes que mais claramente apoiou sempre essa linha, ainda mais com alguns países, como o caso do Brasil, como do Conselho da Segurança e todas as resoluções que foram votadas, com alguma exceção na região, basicamente Venezuela, Nicarágua e Cuba. Todos os outros tiveram um apoio muito claro para essa condenação à agressão da Rússia. É preciso falar, discutir mais, explicar por que tomamos as decisões que tomamos.
A União Europeia tem ambição de o Brasil vir a apoiar as sanções?
Os passos que o Brasil deu são muito positivos para nós. Ter o Brasil apoiando no Conselho de Segurança as condenações à Rússia, depois também nos acompanhar na Assembleias Geral, isso para nós é muito importante. Sobre sanções, sabemos que há posições históricas do Brasil, então vai ser difícil. Queremos que eles compreendam por que nós fazemos isso. Porque a alternativa às sanções seria a declaração de guerra.
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O mais importante é que o Brasil e os países da América Latina compreendam a nossa posição e que mantenham esse mesmo elemento de condenação. E por isso, damos sempre como bem-vindos, por exemplo, os esforços que o presidente Lula tem feito várias vezes. Nós também queremos a paz, mas o que nós falamos é que para chegar a essa paz o primeiro passo é respeitar o país agredido, que é a Ucrânia. Explicar de forma básica que, se nós não fizéssemos o que temos feito com respeito à Ucrânia, Kiev teria perdido a guerra e a Ucrânia teria desaparecido. Então essa é a alternativa.
As falas do presidente Lula que pareceram simpáticas à Rússia e o questionamento à Ucrânia incomodaram a União Europeia?
As declarações do presidente Lula durante a sua viagem à China, pelo conteúdo e pelo lugar onde foram feitas; que também continuou a fazer depois, quando estava nos Emirados Árabes, a visita do ministro russo Serguei Lavrov, como foi apresentada as conversas dele, as declarações à imprensa, o fato de estar o ministro com ele. Isso tenho que dizer que incomodou.
Incomodou porque realmente estamos vendo que ao fazer isso não estava mantendo a proporcionalidade esperada de um país que se representa como possível mediador ou querendo ajudar para chegar à paz. O nosso ministro de Relações Exteriores, que é o nosso alto representante, teve a oportunidade de ter uma boa e longa e, eu diria, honesta e franca conversa com Celso Amorim. Os dois tiveram juntos em Bogotá, Colômbia, onde havia uma reunião sobre a Venezuela.
E qual foi a mensagem principal?
A mensagem principal foi explicar a posição da União Europeia. Pedir a eles que tivessem uma aproximação com à Ucrânia. Compreender a questão do lado da Ucrânia. Acho que foi uma conversa que funcionou. O diálogo para nós é muito importante.
Quanto ao acordo União Europeia-Mercosul, o custo de não assinar o acordo é muito maior do que o custo de assiná-lo?
Para as duas partes. Para a União Europeia é muito claro que esse é um acordo que, primeiro, vai muito além do tema comercial no âmbito econômico, porque tem também o elemento dos investimentos. A União Europeia já é hoje o grande investidor estrangeiro no Brasil. O estoque dos investimentos europeus no Brasil é mais de 50% do investimento total. Pela primeira vez, incluímos também os investimentos brasileiros na Europa, que ainda não chegam a esse nível, normal, mas estão em crescimento. Isso demonstra a integração.
Então, do ponto de vista econômico, comercial e de investimentos, claramente o custo de não fazer [o acordo] é muito maior do que fazer. É a única parte da América Latina onde não temos acordo. Temos acordo com o Chile, a Colômbia, o México, o Peru, Equador, com países do Caribe. Não temos com os países do Mercosul, porque foi sempre uma grande dificuldade dos dois lados, temos que reconhecer isso.
No governo brasileiro houve indicações de que a side letter europeia seria uma imposição de exigências ou até mesmo a reabertura do acordo. Qual a sua visão?
Para nós, primeiro foi importante ver por que chegamos com este instrumento adicional. A razão foi essa desconfiança gerada com os números de desmatamento em 2020. Essa questão é muito importante para dentro da União Europeia porque há posições diferentes com respeito ao acordo e há muitos países, um número importante de países, é o caso da Alemanha, que têm insistido muito que os elementos de sustentabilidade são essenciais. Que você não pode apresentar ao Parlamento Europeu, aos parlamentos nacionais esse acordo, tal como está, se não tem nessa parte da sustentabilidade, sobretudo no tema do combate ao desmatamento, compromissos que você pode acompanhar.
Então, essa é um pouco a ideia do instrumento adicional. Nós queremos que esse documento possa servir para convencer aos países mais com dúvida, vamos dizer, no caso da Alemanha, que tem os verdes dentro do governo e logicamente essa parte para eles é importante. Mas, poderíamos dizer o mesmo dos Países Baixos, do parlamento da Áustria, da França e de muitos outros países. Então é importante que isso seja visto do lado dos países da Mercosul, como uma forma de nos assegurar que, uma vez assinado, esse acordo terá o apoio dos parlamentos. Agora, sim, é verdade que temos também que levar em conta essas preocupações do lado do Mercosul e estamos preparados para receber uma contraproposta para poder trabalhar.
Se me permite, o senhor apostaria seu carro de que o acordo vai ser fechado esse ano?
Claro que sim. Eu apostaria. Há interesse dos dois lados para isso. Temos uma janela de oportunidade bem importante, com a chegada do presidente Lula ao Brasil, que fez uma grande mudança sobretudo no tema do combate às mudanças climáticas. Isso foi muito importante, nos abre grandes possibilidades.
Também do lado europeu. Agora temos a presidência de um país muito favorável à América Latina, como é a Suécia, até o final de junho. Em julho, vai chegar à presidência da Espanha, que também ajuda. Vamos ter uma cúpula entre União Europeia e Celac [Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos]. Sem colocar alguma data precisa, sim, a ambição é neste ano finalizar as questões para poder assinar no momento mais oportuno.
A ameaça da retirada de atribuições do ministério do Meio Ambiente, por parte da Câmara de Deputados, assustou a União Europeia?
Valorizamos muitíssimo todas as decisões do presidente Lula no âmbito climático. Nós acompanhamos e temos todo o respeito para as diferentes instituições e para os poderes. Sabemos que o poder legislativo tem que ser incorporado nessa questão.
Queremos que o Brasil dê certo no combate contra o desmatamento, mas que isso tem de contar com a cooperação internacional. O Brasil tem o Fundo Amazônia, recebemos um convite para ser parte desse fundo, para justamente demonstrar essa solidariedade, estamos considerando essa possibilidade, então queremos apoiar. E para nós a ministra Marina Silva é uma parceria muito importante (DW, 6/6/23)