Economia brasileira cresce 1,9% no 1º trimestre, e analistas elevam projeções para o ano com impacto da safra.
O crescimento da economia brasileira acima do previsto no primeiro trimestre de 2023 veio no impulso da agropecuária, que acabou mascarando o fôlego menor do consumo e a fraqueza dos investimentos produtivos em meio ao cenário de juros altos.
De janeiro a março deste ano, o PIB (Produto Interno Bruto) do país teve alta de 1,9% ante o quarto trimestre de 2022, de acordo com os dados divulgados nesta quinta-feira (1º) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O resultado surpreendeu analistas ao ficar acima da mediana das projeções, que indicavam alta de 1,3%, segundo a agência Bloomberg.
O crescimento nos três meses iniciais do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também provocou uma onda de revisões para cima nas estimativas para o PIB no acumulado de 2023.
Agora, as projeções sinalizam alta próxima ou acima de 2% até dezembro –algo fora do radar até pouco tempo atrás. Em 2022, o PIB cresceu 2,9%.
Apesar da surpresa positiva, o avanço da economia no primeiro trimestre de 2023 deve ser visto com cautela, observam analistas.
É que, segundo os dados do IBGE, o desempenho ficou mais associado à agropecuária, cujos impactos se concentram no início do ano e tendem a se dissipar ao longo dos meses.
Com a projeção de recorde na safra de grãos, a agropecuária teve um salto de 21,6% no PIB de janeiro a março. Foi a maior alta do setor desde o quarto trimestre de 1996, disse o IBGE.
Enquanto isso, também do lado da oferta no PIB, o setor de serviços avançou 0,6%, e a indústria ficou praticamente estagnada, com leve variação negativa de 0,1% ante o quarto trimestre de 2022.
Pelo viés da demanda, o PIB foi puxado pelo comércio exterior, com destaques para exportações de petróleo, minerais e alimentos, e pelo aumento dos estoques devido à parte da safra agrícola que ainda não foi exportada.
O consumo das famílias, por outro lado, desacelerou para 0,2% no primeiro trimestre, e os investimentos produtivos na economia brasileira caíram 3,4%.
“Um ponto de atenção é a taxa de investimento do PIB, que teve nova queda, para 17,7%, e pode reduzir o potencial da economia à frente”, afirma Rafaela Vitória, economista-chefe do banco Inter.
O nível dos juros é apontado por analistas como um dos motivos por trás do freio na demanda. Atualmente, a taxa Selic está em 13,75% ao ano, o que encarece os empréstimos para empresas e consumidores. Como avaliou o IBGE, houve um descolamento no comportamento do PIB geral e do consumo no trimestre.
“É um PIB que conta a história de dois Brasis. Um é mais impactado pelas commodities, não só agrícolas e também extrativas, e o outro está mais ressentido com os juros”, diz Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.
Após a divulgação do resultado do primeiro trimestre, a MB elevou sua projeção para o PIB no acumulado de 2023. A alta prevista passou de 1,3% para 2,1%. Há chance de novas revisões para cima.
“O PIB do primeiro trimestre é uma exceção. É um crescimento forte que não deve se repetir nos outros trimestres deste ano”, afirmou Vale.
80% DA ALTA DO PIB VEM DO AGRO, DIZ IBGE
De acordo com Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, em torno de 80% da alta de 1,9% veio da agropecuária.
“Problemas climáticos impactaram negativamente a agropecuária ano passado e esse ano estamos com previsão de safra recorde de soja, que representa aproximadamente 70% da lavoura no trimestre, com crescimento de mais de 24% de produção”, afirmou Palis.
“A safra da soja é concentrada no primeiro semestre do ano. Ao compararmos o quarto trimestre de um ano ruim com um primeiro trimestre bom, observamos esse crescimento expressivo da agropecuária”, completou.
A pesquisadora Juliana Trece, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), avalia que os juros altos pesaram sobre os resultados do PIB sob a ótica da demanda e da indústria.
Já o bom desempenho da agropecuária, diz, respingou em setores como o de serviços. A alta de 0,6% nos serviços foi puxada pelos avanços de 1,2% nos transportes e nas atividades financeiras.
“A colheita afeta o transporte, e o crédito rural influencia as atividades financeiras”, avalia Trece.
“Os números acabam escondendo um pouco das nossas fragilidades”, diz a economista.
O avanço de 1,9% do PIB no primeiro trimestre veio após leve recuo de 0,1% no quarto trimestre de 2022, segundo dados revisados pelo IBGE. Inicialmente, a variação divulgada pelo instituto para esse período havia sido de retração de 0,2%.
Além do estímulo da agropecuária, o período de janeiro a março também contou com a volta do Bolsa Família. O programa social substituiu o Auxílio Brasil, abrindo a possibilidade de pagamentos adicionais no governo Lula.
“O consumo está agora mais associado ao consumo essencial, em que o juro não impacta tanto. Quando olhamos para aquele consumo de maior valor agregado, não está tão bom. Os juros acabam impactando”, afirma Trece.
A economista do Itaú Unibanco Natalia Cotarelli diz que o consumo e os investimentos vieram abaixo do projetado pela instituição, mas que os números estão em linha com o esperado diante do nível atual de aperto monetário.
“A gente tem um ambiente de crédito desacelerando, famílias com comprometimento de renda e uma inadimplência em alta. Tudo isso corrobora para um processo de desaceleração do consumo”, afirma Cotarelli.
Com o PIB acima do esperado no primeiro trimestre, o Itaú Unibanco deve revisar para cima sua projeção para o acumulado do ano, atualmente em 1,4%.
O C6 Bank, por sua vez, indicou que a estimativa de crescimento da economia em 2023 deve sair de 1,5% para perto de 2%, segundo relatório da economista Claudia Moreno.
Já o banco Original, de modo preliminar, passou a prever um crescimento de 1,7% neste ano. A projeção anterior era de 0,9%.
O banco americano Goldman Sachs está mais otimista. Com uma estimativa anterior já acima da mediana do mercado (1,75%), agora a instituição financeira projeta que o PIB brasileiro deve chegar a 2,6% ao final de 2023.
O Banco Central prevê crescimento de 1,2%, número que deve ser revisado no final deste mês (Folha de S.Paulo, 2/6/23)