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El Niño deve trazer devastação sem precedentes para economia mundial

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PorBrian K. Sullivan, Eric Roston, Adrian Leung e Ben Sharples

Enquanto o mundo luta para se recuperar da covid-19 e a guerra da Rússia na Ucrânia continua, a chegada do primeiro El Niño em quase quatro anos indica novos danos à uma economia global já frágil.

A mudança da fase mais fria do La Niña para uma fase de aquecimento pode gerar o caos, principalmente nas economias emergentes que crescem rapidamente.

As redes elétricas sofrem tensões e os apagões se tornam mais frequentes. O calor extremo cria emergências de saúde pública, enquanto a seca aumenta os riscos de incêndio. As colheitas estragam, as estradas são inundadas e as casas são destruídas.

De acordo com a modelagem da Bloomberg Economics, os fenômenos El Niño anteriores resultaram em um impacto marcante na inflação global, acrescentando 3,9 pontos percentuais aos preços das commodities não energéticas e 3,5 pontos percentuais ao petróleo.

Eles também afetaram o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), principalmente no Brasil, na Austrália, na Índia e em outros países vulneráveis.

Combinado com condições meteorológicas mais extremas e temperaturas mais altas devido à mudança climática acelerada, o cenário agora está pronto para o ciclo do El Niño mais oneroso do mundo desde que os meteorologistas começaram a acompanhar o fenômeno.

Isso também aumenta o temido risco de estagflação, em que a inflação permanece alta mesmo com a contração da economia. O Reserve Bank of India disse que está observando cuidadosamente o fenômeno climático; o Peru anunciou em março que planeja gastar mais de US$ 1 bilhão para combater os efeitos climáticos e meteorológicos este ano.

“Com o mundo lutando contra a inflação alta e o risco de recessão, o El Niño chega exatamente no momento errado”, disse Bhargavi Sakthivel, economista da Bloomberg Economics. Enquanto as intervenções políticas tendem a manipular a demanda, o El Niño normalmente afeta a oferta. “Os bancos centrais têm poder mais limitado”.

Impactos esperados do El Niño sobre o clima global

A mudança do fenômeno La Niña terá impactos profundos em todo o mundo: na Índia, por exemplo, a redução das monções pode afetar as colheitas de arroz, algodão, milho e soja.

Os Estados Unidos voltarão a ver tempestades de inverno mortais, embora haja uma queda geral no número de furacões. Partes do oeste e do sul da África poderão ser atingidas pela seca, afetando a produção de cacau e milho.

A Austrália pode sofrer com secas severas e incêndios florestais, o que prejudicaria a produção de trigo e outras culturas.

No Brasil e na Colômbia, a vilã será a seca, que pode afetar a produção de café, mas o contrário acontece no Peru: enchentes generalizadas e redução na pesca de anchovas.

No Chile, o El Niño pode provocar fortes chuvas, o que, por sua vez, pode restringir o acesso às minas que fornecem quase 30% do cobre do mundo. A redução da produção e o atraso nas remessas afetarão o preço do metal usado em produtos como chips de computador, carros e eletrodomésticos.

Na China, as temperaturas já estão matando o gado e sobrecarregando as redes de energia. A seca no verão de 2022 levou as autoridades do Partido Comunista a desligar a energia de muitas fábricas por quase duas semanas, interrompendo o fornecimento para gigantes da manufatura, como a Apple (AAPL) e a Tesla (TSLA). As autoridades preveem mais falta de energia neste ano.

El Niño e a pecuária. Seca e altas temperaturas causam a morte de animais (Foto Simon Marks Bloomberg)(Bloomberg Simon Marks)

Até mesmo o preço de uma xícara de café pode subir se o Brasil, o Vietnã e outros grandes fornecedores forem atingidos.

“Quando ocorre um El Niño além da tendência de aquecimento de longo prazo, é como um choque duplo”, disse Katharine Hayhoe, cientista-chefe da The Nature Conservancy.

Os efeitos duram anos. Economistas do Dallas Federal Reserve alertaram em 2019 que os danos causados pelos ciclos do El Niño “provavelmente terão um impacto negativo contínuo sobre o crescimento da produção” e podem até “possivelmente alterar permanentemente as trajetórias de renda”.

Os pesquisadores do clima também descobriram efeitos econômicos combinados. Os cientistas de Dartmouth estimaram que o El Niño de 1997-1998 levou à perda de US$ 5,7 trilhões em Produto Interno Bruto nos cinco anos seguintes. Seu modelo estima que, até o final deste século, os fenômenos El Niño terão bloqueado cerca de US$ 84 trilhões em PIB.

Impacto no PIB e na inflação

Os riscos são mais graves nos trópicos e no Hemisfério Sul. O El Niño pode cortar quase meio ponto percentual do crescimento anual do PIB na Índia e na Argentina, de acordo com o modelo da Bloomberg Economics. Peru, Austrália e Filipinas podem registrar reduções de cerca de 0,3 ponto percentual.

Aumentos acentuados de preços pioram o impacto. Em 2000, o Fundo Monetário Internacional alertou que El Niños intensos podem acrescentar 4 pontos percentuais à inflação dos preços das commodities – e isso antes de levar em conta o impacto atual da mudança climática.

O aumento geral das temperaturas amplifica os efeitos dos fenômenos climáticos. Os últimos três anos de La Niña – 2020 a 2023 – foram mais quentes do que todos os anos de El Niño antes de 2015.

A Organização Meteorológica Mundial calcula que há uma chance de 98% de que a combinação do acúmulo de gases de efeito estufa e o retorno do El Niño fará com que o próximo período de cinco anos seja o mais quente até agora, levando as temperaturas globais a um território desconhecido.

“O El Niño só vai piorar os impactos da mudança climática que já estamos vivenciando – ondas de calor mais quentes, secas mais severas e incêndios florestais mais extremos”, disse Friederike Otto, professora sênior do Grantham Institute for Climate Change and the Environment.

O que é o El Niño-Oscilação do Sul?

O impacto do El Niño-Oscilação do Sul – como é formalmente conhecido o ciclo que inclui tanto o El Niño quanto o La Niña – é muito profundo porque envolve uma mudança maciça na vasta bacia do Pacífico, que cobre um terço do planeta.

Durante as condições neutras, as temperaturas e as chuvas ficam próximas das médias de longo prazo. Durante o La Niña – a fase mais fria – o padrão é semelhante, mas os ventos são mais fortes e as águas do Oceano Pacífico equatorial são mais frias do que o normal.

Com o El Niño, todos esses padrões mudam. Embora ninguém saiba exatamente o que desencadeia a mudança, as águas superficiais do Pacífico equatorial ficam muito mais quentes do que o normal.

Os ventos alísios enfraquecem ou podem até mesmo se inverter e a água mais quente é empurrada de volta para o leste, em direção à costa oeste das Américas. Essas mudanças repercutem em todo o mundo.

Como se preparar

Este ano já quebrou recordes climáticos na Ásia. Agora, o início oficial do El Niño está em andamento, de acordo com o Centro de Previsão Climática dos EUA, e a previsão é de que as condições se intensifiquem nos próximos meses.

O que assusta muitos cientistas é que, nos últimos anos – mesmo sem o El Niño – o mundo tem visto um número crescente de eventos climáticos que, às vezes, se assemelham a cenas de um filme apocalíptico de Hollywood.

Aquecimento das águas do Pacífico acima do normal previsto para este ano tende a elevar as temperaturas e provocar fenômenos climáticos mais intensos. Foto Bloomberg Linea

Greg Mullins, bombeiro na Austrália há mais de 50 anos, relembrou o medo que sentiu ao enfrentar uma parede de chamas de quase 20 metros em um incêndio de 2020 em Batemans Bay, na costa leste do país.

 “Estávamos apenas nos esquivando das árvores que caíam, das faíscas e brasas; era simplesmente inacreditável”, disse ele. “Já combati incêndios nos Estados Unidos, estudei combate a incêndios florestais na França, Espanha e Canadá – eu conheço o fogo. E nunca houve um incêndio como esse”.

Incendios na Australia em 2020. El Nino favorece a seca na regiao, o que torna as florestas mais propensas a incendios (Foto- David Gray-Bloomberg)(Bloomberg-David Gray)

Os invernos do El Niño geralmente significam menos chuva e neve no norte dos EUA e no Canadá, aumentando as preocupações com a seca que assola a região. Isso também seca a madeira, o que pode tornar o próximo ano ainda pior para incêndios como o ocorrido no Canadá, que acabou deixando o céu de Nova York alaranjado na semana passada.

No Sudeste Asiático, as condições mais secas também pioram as nuvens de fumaça anuais que se acumulam sobre Cingapura quando os agricultores dos países vizinhos queimam terras para cultivar palma, madeira para celulose e seringueiras.

Condições climáticas extremas e o El Niño-Oscilação do Sul

À medida que as temperaturas aumentam, as redes de energia em todo o mundo se esforçam para acompanhar o ritmo. Isso aumenta a demanda por combustível, inclusive carvão e gás.

“O aumento da volatilidade do clima levará a maiores riscos e mais eventos de insegurança energética”, disse Saul Kavonic, chefe de pesquisa de energia e recursos integrados do Credit Suisse (CS), referindo-se a apagões provocados pela escassez de combustível.

Embora o El Niño normalmente signifique menos furacões no Atlântico e, portanto, menos interrupções nas operações de petróleo e gás no Golfo do México, a maior parte dos EUA ainda está enfrentando riscos elevados de apagões durante o verão em caso de calor extremo generalizado, de acordo com um alerta recente da North American Electric Reliability Corporation, o órgão regulatório que supervisiona a estabilidade da rede de energia.

A rápida mudança para a energia renovável em muitos países aumentou o risco de apagões. As fazendas solares interrompem a produção justamente quando a demanda de eletricidade atinge o pico nas noites quentes de verão e a seca restringe o uso da energia hidrelétrica.

As interrupções no fornecimento de energia são incômodas independentemente do clima; durante ondas de calor intensas, os apagões podem ter consequências de vida ou morte. A insolação pode levar a danos neurológicos graves e até mesmo ser fatal. Temperaturas muito altas também aumentam o risco de ataques cardíacos, derrames e acidentes de trabalho.

Insegurança alimentar

Embora algumas culturas se beneficiem do El Niño – o aumento das chuvas na Califórnia beneficia o plantio de abacates amêndoas – muitos alimentos básicos, incluindo óleo de palma, açúcar, trigo, cacau e arroz, são produzidos em áreas que provavelmente enfrentarão condições de cultivo mais desafiadoras.

Charanjit Singh Gill, de 67 anos, agricultor de arroz em Punjab, está começando a pensar no que fará se a monção não gerar chuvas adequadas para seus 14 hectares de plantação. “Não há outra saída a não ser gastar mais dinheiro com geradores a diesel para bombear água subterrânea”, disse ele.

Durante o El Niño de 2015/2016, ele afirma que seus custos de produção aumentaram em 35%. Os pobres do mundo enfrentarão as consequências mais terríveis. A insegurança alimentar aguda já atingiu um recorde de 222 milhões de pessoas devido aos efeitos combinados de conflitos, choques econômicos e extremos climáticos.

O El Niño de 2015/2016 levou a taxas mais altas de desnutrição e deslocamento forçado e exacerbou os surtos de cólera e febre tifoide, de acordo com as Nações Unidas. Mais de 20 países emitiram apelos humanitários de mais de US$ 5 bilhões.

Número de eventos climáticos tende a crescer

Não há dois El Niños iguais, e os efeitos deste ciclo dependerão de sua duração, intensidade e momento. Esses fenômenos climáticos “nunca são preto no branco”, disse Walter Baethgen, cientista pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Internacional da Universidade de Columbia.

“No meio de um ano de El Niño, em que se espera uma seca, pode haver uma grande tempestade e uma inundação”.

Ainda assim, mesmo que o mundo se esquive de um grande El Niño este ano, os estresses induzidos pelo clima continuarão crescendo com o aumento da quantidade de gases de efeito estufa que cobrem o planeta.

Para entender a oscilação entre o El Niño e o La Niña no contexto geral da mudança climática, pense em uma pessoa em uma escada rolante, na ponta dos pés ou agachada. Ela pode parecer mais alta ou mais baixa, mas ainda está indo na mesma direção.

“A escada rolante só está subindo”, disse Mike McPhaden, cientista sênior da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA. “Há uma enorme quantidade de calor armazenada abaixo da superfície que está pronta para entrar em erupção” (Com a colaboração de Anuradha Raghu, Keira Wright, Stephen Stapczynski, Mumbi Gitau e Pratik Parija; Bloomberg Línea, 18/6/23)


Ignorar mudanças climáticas levaria a perda de mais de 15% do PIB do Brasil, diz Moody’s

Amazonia.Desmatamento em area de protecao ambiental no estado do Para, Brasil(Bloomberg Creative-Bloomberg Creative Photos)

PorAndrew Rosati

Relatório da Moody’s Analytics destaca os impactos até o final do século caso os países da América Latina não se preparem para o aumento de enchentes e furacões

América Latina pode perder um quinto de seu Produto Interno Bruto (PIB) até o final do século se não se preparar para o impacto das mudanças climáticas, com aumento de enchentes e furacões, de acordo com um relatório da Moody’s Analytics. O Brasil, maior economia da região, pode ser um dos mais afetados com perdas que superam 15% do PIB (veja gráfico abaixo).

Se os governos da América Latina “não agirem instituindo medidas e políticas para ajudar a aliviar a deterioração climática, a região sofrerá uma destruição crescente da capacidade de produção e um grave ônus financeiro”, disse Alfredo Coutinho, chefe para América Latina da Moody’s Analytics, no relatório.

Possíveis perdas de PIB que a América Latina teria devido à mudança climática

Simulações econômicas realizadas pela empresa concluíram que ignorar as mudanças climáticas custaria à América Latina 6% de seu PIB até 2050, e quase 20% até 2100.

Quase completamente cercada por oceanos, a América Latina está particularmente exposta a eventos climáticos como tempestades e inundações severas.

Se as políticas para mitigar as mudanças climáticas não forem implementadas, o relatório constatou que Venezuela, Colômbia e Brasil serão os maiores perdedores (Bloomberg Línea, 12/5/23)

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