Fenômeno climático contribui para aumento de temperaturas globais e influencia até na pesca.
Cientistas dos EUA declaram o início do El Niño nesta quinta-feira (8). Segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla em inglês), as condições de oceanos e atmosfera que caracterizam o fenômeno climático se confirmaram, e abrem caminho para possíveis recordes de temperatura em 2024.
O El Niño é marcado por um aquecimento acima da média no oceano Pacífico, perto da linha do Equador. Ele muda a circulação dos ventos alísios, que vão de leste a oeste, levando umidade e águas mais quentes da costa das Américas para Ásia e Oceania.
Apesar de acontecer no Pacífico, seus efeitos alcançam outras regiões do planeta. A Austrália, que sofre com incêndios florestais, já emitiu nesta semana um alerta de aumento de temperaturas.
As alterações vão das mais perceptíveis, como a elevação geral de temperaturas, aumento de chuvas ou seca em diferentes regiões, branqueamento de corais, a danos à economia.
Um exemplo é o impacto na falta de chuvas, que prejudica safras. Outro é na atividade pesqueira. Isso porque, com o deslocamento normal das águas quentes para o oeste, águas mais profundas e frias “sobem”. Esse movimento é chamado de ressurgência, que renova nutrientes e é fundamental para a fauna marinha na costa da América do Sul. Com o El Niño, isso não acontece.
As perdas previstas para este ano por causa dos efeitos do fenômeno estão estimadas em 3 trilhões de dólares, cerca de R$ 14,76 trilhões. O PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro em 2022, para comparação, foi de R$ 9,9 trilhões.
O El Niño ocorre a cada dois ou sete anos, e é um fenômeno antigo, com referências desde o século 19, e não tem relação com a atividade humana. Mas está associado, por exemplo, a recordes de temperatura.
Um dos principais marcos recentes foi a seca extrema entre 2015 e 2016, associada a um “super El Niño”, que provocou a maior queimada registrada na Amazônia em Roraima. Em poucas semanas, o estado perdeu 14 mil km² de floresta.
No Brasil, os efeitos mais comuns são mais chance de seca no Norte e no Nordeste. As mudanças climáticas, por sua vez, acrescentam uma preocupação extra ao cenário dos próximos meses por tornarem ambientes como a Amazônia mais suscetíveis a esses grandes incêndios, que podem degradar a floresta para além do desmatamento.
Já no Sul, o El Niño altera a circulação de ventos, que formam uma barreira e impedem que as frentes frias vindas do hemisfério sul circulem pelo país. Como permanecem mais tempo sobre a região, aumentam a frequência de chuvas fortes ali.
“As mudanças climáticas podem exacerbar ou mitigar certos impactos relacionados ao El Niño. Podemos ver novos recordes de temperatura”, afirmou a climatologista da NOAA, Michelle L’Hereux.
O comunicado da NOAA não fala em um El Niño extremo como o de oito anos atrás, mas as probabilidades são de 84% para moderado e 56% para forte no começo do inverno no hemisfério norte, em dezembro.
Para L’Heureux, no entanto, o cenário não tem precedentes, já que a temperatura média nos oceanos estava 0,1ºC em maio, recorde para a época.
Naquele mês, a Organização Meteorológica Mundial, organismo especializado da ONU, declarou que há 98% de chance de que as temperaturas globais atinjam recordes nos próximos cinco anos, e que a probabilidade de que esse aumento supere 1,5ºC em relação ao período pré-industrial é de 66%.
Fenômeno oposto ao El Niño, o La Niña está associado a quedas de temperatura, já que ele acentua o deslocamento dos ventos alísios. Dessa forma, o nível do mar sobe nas costas de Ásia e Oceania, que também registram mais chuvas.
Já a ressurgência, com águas mais frias, se estende por mais áreas da costa das Américas. O efeito de chuvas no Brasil é o contrário do verificado durante o El Niño. Enquanto Norte e Nordeste registram temporadas de estiagem com mais chuva, o Sul amarga secas acentuadas.
No início deste ano, chegou ao fim o La Niña mais recente, que durou três anos e teve impacto na produção agrícola da região. Em 2022, a FecoAgro-RS (Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado do Rio Grande do Sul) calculou em pelo menos R$ 19,77 bilhões o valor de produção perdido no estado, apenas em soja e milho (Folha, 9/6/23)