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“Questão ambiental é desculpa no acordo entre UE e Mercosul”

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Representante da indústria exportadora de carne critica novas exigências da UE na negociação do acordo com o bloco sul-americano. Para Fernando Sampaio, alguns países têm receio da competitividade do produto brasileiro.

 estão no centro da viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Bruxelas, na Bélgica, para a Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e da União Europeia (UE) e eventos paralelos. Lula espera demover seus interlocutores das exigências recém-apresentadas pela UE, que envolvem até sanções caso metas ambientais e climáticas não sejam cumpridas.

Nos últimos dias, o brasileiro tem criticado a postura do bloco nas negociações. Lula considera injustas as cobranças dos europeus, ao colocar as duas partes em posições desiguais. Nesta terça-feira (18/07) ele teve um encontro com o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, bem como lideranças da Áustria, Dinamarca e Suécia. Confiante na assinatura do acordo ainda em 2023, o presidente tenta convencer seus pares de que o Brasil e sua agricultura estão alinhados com metas de desenvolvimento sustentável.

A visão de Lula reflete a leitura de parcela importante do agronegócio brasileiro. Em entrevista à DW, Fernando Sampaio, diretor de Sustentabilidade da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC), afirma que as exigências da UE escondem interesses comerciais do setor agrícola europeu.

“A questão ambiental muitas vezes é usada como desculpa para não fechar o acordo, enquanto vemos uma forte pressão vinda do setor agrícola da França e da Irlanda, que, de certa forma, têm muito receio dessa competição que o produto brasileiro pode trazer ao mercado europeu. Na verdade, a gente entende que o acordo traria benefícios, inclusive na área ambiental”, afirma.

A ABIEC integra a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, rede de empresas e organizações que se articulam para combater o desmatamento e promover uma economia sustentável no Brasil. Fernando Sampaio frisa que a preservação ambiental é de interesse do setor, o qual estaria pronto, inclusive, para se adequar às novas regras de importação da Comissão Europeia contra produtos oriundos de áreas desmatadas. No entanto, o representante da ABIEC é crítico sobre as exigências.

“Grande parte da carne exportada para a Europa já vem de áreas sem risco. Portanto, o consumidor alemão e europeu irá pagar mais caro pelo produto e continuará vendo notícias do desmatamento na TV. O legislador europeu vai ter que explicar para ele qual foi o efeito prático que isso causou, além de deixar a comida mais cara”, argumenta.

DW: É justa a cobrança da UE por maior comprometimento do Brasil com metas climáticas?

Fernando Sampaio: É uma discussão complexa. Será que os países europeus também estão cumprindo todas as suas metas? É preciso haver uma reciprocidade. Do ponto de vista do setor agrícola, como é possível comprovar a equivalência entre as minhas práticas e a de um agricultor europeu em termos ambientais? Eu vou exigir também que a Europa imponha um Código Florestal para que os seus agricultores cumpram, por exemplo? Eu acho que nós precisamos partir de um diálogo constante, e não de uma desconfiança. A nossa posição é que o acesso ao mercado é um motor muito grande de eficiência, principalmente na parte agrícola. O Brasil só aumentou sua produtividade nos últimos 30 anos, porque a gente está inserido em um mercado global de alimentos. Então, o mercado puxa essa eficiência.

A meu ver, qualquer barreira de acesso ao mercado, na verdade, retira um incentivo para que as coisas melhorem. Então, não faz sentido de fato. Agora, essa discussão de equivalência já existe do ponto de vista sanitário. Quando eu quero vender carne na Europa, preciso demonstrar que o sistema de controle sanitário no Brasil é equivalente ao da Europa. Só assim eles aceitam receber meu produto. Na parte ambiental, isso não existe. Talvez, essa discussão deva ser provocada não só no Acordo União Europeia-Mercosul, mas na própria Organização Mundial do Comércio (OMC). Eu acredito que sanções nunca sejam um bom caminho. E, independentemente do acordo, nós já estamos lidando com o regulamento sobre a importação livre de desmatamento, publicado recentemente pela Comissão Europeia, e que vai entrar em vigor daqui a 18 meses.

Ainda que o acordo não esteja funcionando, já temos a imposição de exportar produtos sem desmatamento para Europa. Na verdade, a Europa estabelece critérios extremamente rigorosos e fala: ‘se você não atingir essas metas, eu não compro de você’. Não acho que esta seja a melhor metodologia. Existe um risco muito grande de os importadores simplesmente cortarem o Brasil da lista, uma vez que é mais fácil comprar de outros mercados. Nós poderíamos pensar em outros mecanismos de incentivo, como um mercado de carbono, que pudesse incentivar os produtores a adotar essas melhores práticas, remunerar esses ativos que existem nas fazendas onde não se está desmatando, por exemplo.

Há uma resistência no agronegócio contra regras de redução de desmatamento?

O governo Bolsonaro, que era fortemente militarizado, trouxe de volta uma ideia de desenvolvimento do governo militar: ocupar a Amazônia com uma economia muito baseada em pastagem e madeira. Sendo que, hoje, grande parte da sociedade brasileira enxerga outros modelos de desenvolvimento possíveis para a floresta. Mesmo a indústria da carne tem essa visão: nós não precisamos de novas áreas de desmatamento. Não queremos isso, que inclusive nos causa uma série de constrangimentos no mercado. Temos demandas de clientes, não só a União Europeia, mas clientes privados que não querem desmatamento nas cadeias produtivas. 

A gente precisa de uma nova economia para a Amazônia. E é importante dizer que a cooperação econômica alemã tem um papel muito importante nisso. Eles participam ativamente aqui do desenvolvimento dessa nova economia. Eu acho que falta um pouco de entendimento na Europa – e não sei se isso é proposital ou não –, mas a questão ambiental muitas vezes é usada como desculpa para não fechar o acordo, enquanto vemos uma forte pressão vinda do setor agrícola da França e da Irlanda, que, de certa forma, têm muito receio dessa competição que o produto brasileiro pode trazer ao mercado europeu. Na verdade, a gente entende que o acordo traria benefícios, inclusive na área ambiental.

Em viagem a Bruxelas para cúpula UE-Celac, Lula tenta negociar acordo entre o bloco europeu e o Mercosul. Foto Vanden Wijngaert ASSOCIATED PRESS picture alliance Geert

O acordo possibilitará, ainda, rever algumas barreiras que existem hoje, de ordem sanitária, sem nenhum respaldo no que é preconizado pelas diretrizes da Organização Mundial de Saúde Animal. Pelas cotas de livre acesso do acordo, haverá tarifas diferenciadas, ainda que o volume de comércio seja o mesmo. Isso ajuda também em relação aos preços de exportação. Portanto, é vantajoso para nós.

Como o setor se movimenta para adequar-se à nova regulação aprovada pela Comissão Europeia?

A Europa continua sendo um mercado bastante relevante para o Brasil. Nós já sofremos restrições de ordem sanitária injustificáveis no passado. Portanto, nossa exportação para a Europa já foi muito maior do que é hoje. Essas restrições, principalmente a partir de 2008, reduziram muito o volume enviado à Europa. A legislação da Comissão Europeia é só mais uma restrição. Haverá um impacto em custos para os consumidores europeus, e não necessariamente vai endereçar as razões do desmatamento aqui no Brasil, que são muito complexas e estão, algumas delas, fora do alcance das cadeias produtivas. Grande parte da carne exportada para a Europa já vem de áreas sem risco. Portanto, o consumidor alemão e europeu irá pagar mais caro pelo produto e continuará vendo notícias do desmatamento na TV. O legislador europeu vai ter que explicar para ele qual foi o efeito prático que isso causou, além de deixar a comida mais cara.

A Europa é o terceiro maior destino das exportações brasileiras de carne, em valor. E a gente tem todo interesse de manter esse mercado, para a carne e para o couro, no qual é ainda mais representativo. Atualmente, nós sabemos exatamente quais são as fazendas aprovadas para exportar para a Europa, com rastreio individual dos animais. Nós temos o trabalho de chegar na fazenda de origem desses animais. E os frigoríficos que exportam a carne fazem o monitoramento do desmatamento desde 2009, por obrigações públicas aqui no Brasil, com clientes e com o Ministério Público Federal (MPF). Ou seja, nós temos todo esse know-how de como monitorar desmatamento, fazer essa rastreabilidade. Eu entendo que haverá uma transição, um período de adaptação, que pode ter um impacto nos preços. Mas, sim, nós conseguimos fazer e iremos cumprir o regulamento.

Por que o mundo deve confiar na sustentabilidade da produção agropecuária brasileira?

Historicamente, os grandes produtores de alimentos sempre foram países que estão em zonas temperadas: Europa – a Ucrânia, antes da guerra –, Estados Unidos, Canadá, Austrália, porque o trópico sempre foi um desafio para agricultura. Nos trópicos, ou chove muito, ou não chove nada. Existem mais pragas, doenças, solos muito pobres. E o Brasil foi o primeiro grande país tropical que conseguiu criar um modelo de agricultura tropical. Esta foi uma revolução que começou com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e que possibilitou o Brasil virar esse grande produtor de alimentos. E o fato é que essas tecnologias vêm melhorando ao longo do tempo.

No modelo brasileiro, soja e milho são plantados nas mesmas fazendas, em períodos alternados.
Foto Weimer Carvalho dpa picture alliance

Então, o Brasil cresceu muito em produtividade, em todas as áreas, tornou-se um país extremamente competitivo, com uma agricultura pouquíssimo subsidiada e com o emprego crescente de tecnologias e práticas de baixo carbono. Temos iniciativas como a integração lavoura-pecuária-floresta, que permite ter diferentes tipos de produção em uma mesma área. O Brasil produz soja e milho nas mesmas fazendas. E, às vezes, junto com o milho, você põe capim e cria boi, sendo que, no mesmo ano, você tem três colheitas e três produtos diferentes. Isso é um negócio impensável em grande parte do mundo, mas aqui está acontecendo. Essas tecnologias de plantio direto ou reforma de pastagem possibilitam o sequestro de carbono dentro do solo. Isso está em constante evolução. E a gente acredita muito fortemente que o Brasil tem esse potencial de aumentar a produção, bem como de reduzir as suas emissões.

O Brasil tem uma coisa que ninguém tem, que são essas tecnologias de baixo carbono para um ambiente tropical. E, ao mesmo tempo, temos uma legislação, o Novo Código Florestal, que faz com que os produtores também se tornem conservacionistas. Ou seja, dentro das suas propriedades, eles são responsáveis pela conservação de vegetação nativa – sem ganhar nada por isso, é importante que se diga. Esses dois aspectos da agricultura brasileira – a agricultura de baixo carbono e o Código Florestal – fazem do Brasil um modelo que pode, inclusive, ser replicado em outras regiões tropicais do mundo (DW, 18/7/23)

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