Presidente volta a criticar negociação com União Europeia e promete avançar em acordos com Canadá, Coreia do Sul e Singapura.
O presidente Lula (PT) usou seu primeiro discurso na cúpula do Mercosul deste mandato, nesta terça (4), para voltar a criticar as novas exigências ambientais da União Europeia no acordo de livre comércio com o Mercosul e disse que não tem interesse em “acordos que nos condenem a exportadores de matérias-primas”.
“[O anexo] apresentado pela União Europeia em março é inaceitável. Parceiros estratégicos não negociam com base em desconfiança e ameaça de sanções”, repetiu ele aos presidentes da Argentina, Uruguai e Paraguai em Puerto Iguazú, do lado argentino das Cataratas do Iguaçu. “Não temos interesse em acordos que nos condenem ao eterno papel de exportadores de matéria-primas, minérios e petróleo.”
O presidente também prometeu revisar e avançar em acordos com Canadá, Coreia do Sul e Singapura durante o próximo semestre em que assume a presidência rotativa do bloco: “Vamos ainda explorar novas frentes de negociação com parceiros como a China, a Indonésia, o Vietnã e com países da América Central e Caribe.”
Lula fez um aceno aos setores automotivo e açucareiro, declarando que o Mercosul ainda tem “uma agenda inacabada” com ambos —em referência a acordos de livre comércio que ele quer fechar— e novamente defendeu a adoção de uma moeda comum para o comércio regional, que não eliminaria as respectivas moedas nacionais.
Antes disso, o governo pretende ampliar o chamado Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML) do bloco e torná-lo multilateral, conforme afirmou a secretária de assuntos internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito. Hoje, esse sistema funciona apenas bilateralmente entre os países membros.
Horas antes da cúpula desta terça, Lula já havia firmado a posição que defenderia em relação à carta da União Europeia, em live nas suas redes sociais.
“Nós queremos discutir o acordo, mas nós não queremos imposição para cima de nós. É um acordo de companheiros, de parceiros estratégicos, então nada de um parceiro estratégico colocar a espada na cabeça do outro. Vamos sentar, vamos tirar as nossas diferenças e vamos ver o que é bom para os europeus, para os latino-americanos, para o Mercosul e para o Brasil”, afirmou.
Ele afirmou que um parceiro comercial “não pode impor condições”: “‘Se você não fizer tal coisa eu vou te punir, se você não cumprir o acordo de Paris eu vou te punir’. Acontece que os países ricos não cumprem nenhum dos acordos”, continuou, citando como exemplo os protocolos de Kyoto, de Paris e do Rio de Janeiro.
Negociado oficialmente desde 1999, o acordo entre Mercosul e União Europeia foi concluído em 2019, no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), mas ainda não foi ratificado pelos dois blocos. O principal impasse para isso agora é um anexo ao texto, chamado de “side letter”, proposto pelos europeus no início deste ano, que tornaria obrigatórios alguns compromissos ambientais antes voluntários.
Enquanto a Europa quer garantir que a exportação de commodities com problemas ambientais seja vista como uma violação passível de sanções, o governo brasileiro considera as condições muito rígidas e vem subindo o tom das críticas. “Não é possível que haja uma carta adicional fazendo ameaças a parceiro estratégico”, repetiu Lula na França, no último dia 23.
O chanceler brasileiro, Mauro Vieira, afirmou que deve apresentar nos próximos dias a posição formal do Brasil, aguardada pelos outros países do Mercosul. “Em alguns dias, pretendemos apresentar para exame de todos uma contraproposta de reação à carta adicional da União Europeia, com o intuito de destravar a negociação birregional”, discursou ele durante reunião de ministros do Mercosul na segunda (3).
Outro ponto do acordo que Lula tem insistido publicamente em rever são as compras governamentais. Esse capítulo prevê “tratamento nacional” a fornecedores estrangeiros contratados pelos Estados, mas também várias exceções para proteger as empresas nacionais. Ainda assim, Lula e principalmente o argentino Alberto Fernández veem prejuízos às suas indústrias.
O país vizinho reforçou sua posição semelhante à do Brasil e defendeu uma “atualização” do acordo que não implique na reabertura das negociações. O chanceler argentino, Santiago Cafieiro, também criticou o texto aprovado: “Colocar em funcionamento o acordo de 2019 é diminuir nossas exportações atuais”, disse (Folha, 5/7/23)
Lula discute detalhes do acordo Mercosul-UE com primeiro-ministro da Espanha nesta quarta
Em telefonema com Pedro Sánchez, presidente quer iniciar negociação de condições da União Europeia para concluir acordo. Espanhol é presidente do conselho do bloco.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conversará, por telefone, nesta quarta-feira (4) com o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez. Segundo Lula, o tema será o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia.
O telefonema ocorrerá um dia após o petista assumir o comando do Mercosul — formado por Brasil Argentina, Paraguai e Uruguai. Sánchez, por sua vez, tomou posse, no último dia 1º, como presidente do Conselho da União Europeia.
Nesta terça (4), Lula classificou o acordo entre os blocos como um dos “compromissos que já não podem mais ser adiados”.
Segundo o presidente, o premiê espanhol indicou que “seria importante fazer o acordo enquanto ele presidisse” a representação da União Europeia. Tanto o mandato do petista quanto o de Sánchez vão durar seis meses.
- A negociação entre Mercosul e União Europeia teve início em 1999. Partes da discussão foram encerradas entre 2019 e 2020.
- Com receio da política ambiental de Jair Bolsonaro (PL) por parte dos europeus, o acordo não foi finalizado. Desde 2020, os termos seguem em revisão para assinatura.
- Recentemente, já no governo Lula, instrumentos foram adicionados pela União Europeia para conclusão do acordo.
- Os dispositivos estabelecem punições em caso de descumprimentos de obrigações dos países signatários, em especial no agronegócio. O Planalto tem avaliado negativamente as condições.
No encontro dos chefes de Estado do Mercosul desta terça, o presidente Lula criticou a proposta do bloco europeu, mas pontuou que está “comprometido” com o encerramento das tratativas.
“O instrumento adicional, apresentado pela União Europeia em março deste ano, é inaceitável. Parceiros estratégicos não negociam com base em desconfiança e ameaça de sanções. É imperativo que o Mercosul apresente uma resposta rápida e contundente”, disse.
Lula indicou que as condições do bloco europeu serão o tema principal do telefonema com Sánchez na tarde desta quarta.
“Vou conversar com o presidente Pedro Sánchez e vou tentar estabelecer com ele uma relação para ver se a gente consegue… Nós temos, no Brasil, um material estudado, temos que enviar para todos os presidentes que compõem o Mercosul para que a gente possa avaliar e quem sabe convocar uma reunião de ministros [do Mercosul] para poder definir o texto que queremos apresentar [como contraproposta aos instrumentos adicionais da União Europeia].”
Contraproposta
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, já adiantou que o Brasil pretende apresentar uma “contraproposta” às condições da União Europeia.
O texto será submetido aos países titulares do Mercosul e deve ser uma resposta unificada do bloco sul-americano.
Lula sugeriu que a contraproposta seja discutida na próxima reunião entre a Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a União Europeia, prevista para 17 e 18 de julho em Bruxelas, na Bélgica.
“Quem sabe não seja a Celac o momento de discutir o Mercosul, porque nós vamos roubar a cena da Celac. Mas nós vamos ter que ter uma proposta e enviar a proposta para eles e chamá-los para discutir, para ver se a gente consegue, neste semestre, fazer o acordo definitivo entre União Europeia e Mercosul. […] Vou tentar ver se a gente consegue avaliar uma reunião de ministros [do Mercosul] para definir o texto que precisamos enviar”, declarou (G1, 5/7/23)