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Açúcar: Burros, vacas e almas

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Por Arnaldo Luiz Corrêa

Toda vez que você quiser saber por que esse mercado de açúcar em NY sobe do nada e depois despenca no vazio, é só dar uma olhada na posição dos fundos. Ora vejam vocês, pelo relatório dos comitentes publicado nesta sexta-feira pelo CFTC (Commodity Futures Trading Commission), agência independente do governo dos Estados Unidos, que regula os mercados de futuros e opções das commodities, os fundos não-indexados (aqueles que tem viés mais especulativo) aumentaram suas posições compradas em mais de 25,000 lotes na semana que vai de terça a terça. E você achava que era o El Niño, a Tailândia, a Índia, ou seja lá o que for que botou o mercado pra cima, hein? Pois é, caras leitoras e prezados leitores, eram os fundos.

Apesar desse esforço de elevar o mercado sem a aquiescência dos fundamentos, os fundos deram (pelo menos por enquanto) com os burros n’agua, expressão cunhada no século XVIII quando os tropeiros usavam o lombo dos burros para atravessar terrenos alagadiços e os bichinhos morriam afogados. Pois então, ainda sem mortes registradas de burros ou tropeiros, o fato é que NY encerrou a semana com queda de 111 pontos (mais de 24 dólares por tonelada) no vencimento outubro/23 e 98 pontos de tombo no vencimento março/24 (quase 22 dólares por tonelada). Nos vencimentos seguintes, que compõem a safra 24/25 do Centro-Sul, a oscilação média foi de 54 pontos de baixa (cerca de 12 dólares por tonelada) e na 25/26, apenas 12 pontos de retração (menos de três dólares por tonelada)

Quem tem acompanhado o mercado percebe que as oscilações não são para quem tem o coração fraco. Variações bruscas em intervalos pequenos que desafiam a lógica e dificultam a inserção de uma narrativa minimamente congruente. Já esperávamos por isso. Meses de férias no hemisfério norte resultam em menor volume e maior oscilação. A média diária do volume negociado na bolsa de NY em julho tem sido de 91,000 de contratos, 58% abaixo dos negócios registrados no mês de junho.

Como a volatilidade é calculada sobre a variação dos fechamentos diários num determinado período, um mercado que apresenta maior oscilação diária, mas fecha sempre próximo de um intervalo limitado de preço não necessariamente vai apresentar maior volatilidade. Exemplo: suponha um mercado de oscile 100 pontos entre a mínima e a máxima do dia, mas encerra muito próximo ao fechamento do dia anterior, no cálculo da volatilidade (pelo modelo do Black & Scholes) o que interessa é a variação de um fechamento para o outro.

O preço do etanol é o que mais aflige as usinas neste momento. Ainda que a rentabilidade do açúcar tenha sido polpuda para aqueles que fixaram suas exportações nos momentos de alta, o etanol parece pulverizar esse lucro com a perspectiva sombria de preços cada vez piores. O maior desafio é como hedgear o etanol.

Infelizmente não temos no Brasil uma bolsa de mercadorias que se dedique a fomentar a gestão de risco no agronegócio. Não apenas no etanol, mas em todas as commodities que o Brasil produz e que poderiam ter na B3 um porto seguro de comercialização e gestão eficiente. Não há vontade política e essa é uma discussão de décadas. Além disso, contrato futuro de commodities que não viabiliza a entrega física do produto e é liquidada por meio de um indicador de preços desestimula a utilização desse mecanismo. A bolsa local não quer correr nenhum tipo de risco que uma entrega física pode provocar, embora ter contratos agrícolas em seu portfólio é uma bandeira conveniente.  O volume negociado na B3 em bases anuais é risível. Tivéssemos entrega física do produto, a situação seria bem diferente.

Mas, voltando à vaca fria, expressão que remonta ao tempo dos portugueses que antes da refeição quente serviam um prato à base de carne de vaca fria, mas que significa deixar de embromação e ir direto ao assunto, o que as usinas buscam hoje é um hedge para o etanol. O óbice dessa empreitada é a liquidez do mercado. B3 está descartada. O que poderíamos fazer então? Comprar uma put (opção de venda) de petróleo Brent, que serve de referência para a Petrobras e assim, se o preço do petróleo cair no mercado internacional – assumindo que a Petrobras mantenha internamente a paridade – o ganho obtido pela operação poderia compensar a queda do preço do etanol no mercado interno.

Aqui temos dois problemas: primeiro, que a liquidez nas opções de petróleo é exígua. Em segundo, que quando fazemos um cross-hedging, isto é, utilizando um ativo (petróleo) para hedgear outro (etanol), corremos um risco de base pois os ativos podem não ser necessariamente interdependentes.

O que sobra, então? Ainda que se torça o nariz, a alternativa mais plausível seria a compra de uma put (opção de venda) de açúcar para proteger o etanol. Assumindo que o spread entre os dois permaneça, se o mercado de açúcar cair, o ganho na opção de venda comprada deverá compensar a queda do preço do etanol. Mas, novamente temos aí o risco de base e a perda da correlação.

Como se nota, não é um problema de fácil solução, pois existe imensa dificuldade de se encontrar um instrumento adequado e que tenha liquidez no mercado suficiente para desaguar o risco da usina.

Entendemos que o etanol está na bacia das almas, expressão que tem origem quando as sepulturas eram realocadas de um local para outro dentro do cemitério e os restos mortais daqueles que não podiam ser identificados eram colocados numa bacia, e significa algo que não tem valor. Desta feita, hedgear agora pode ser o pior momento. Qual o racional por trás dessa afirmação?

Examinando o preço do açúcar em NY nos últimos vinte anos, convertendo-o em reais por tonelada e ajustando pela inflação, nós assumiríamos que considerando a oferta e demanda estreita que se prenuncia no próximo ano, ainda que não tenhamos déficit, mas a incerteza proveniente de politicas restritivas na Índia e alhures, o mercado não deve negociar abaixo do 3º quartil. Explico: o terceiro quartil é aquele que delimita os 25% maiores valores. Logo, assumimos que estamos pensando na linha do terceiro quartil como aquela de suporte para um mercado.

Essa linha hoje representa aproximadamente R$ 2,350 por tonelada FOB. Ou seja, esse seria no nosso entender o grande suporte do mercado de açúcar. Considerando a curva do dólar que encerrou a semana na mínima de R$ 4,7299 com valorização de 1% na semana, estamos dizendo que NY deve segurar em torno de 21 centavos de dólar por libra-peso (para outubro/23 e março/24). Se levarmos esse açúcar posto Usina e convertemos em etanol descontando 650 pontos (na média o hidratado tem um deságio de 350-400 pontos) vamos chegar a um etanol na B3 de 2,300 para agora e 2,400 para dezembro. Ou seja, o etanol já está extremamente descontado. Hedgear agora seria temerário.

Vale lembrar que esta semana 4,000 puts (opções de venda) de preço de exercício de 21 centavos de dólar por libra-peso para vencimento em janeiro/24 foram negociadas em NY. Tem muita gente se protegendo na queda que deve vir por aí.

Estamos lascados, expressão que eu prefiro nem explicar.

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