Por Paulo Hartung
Temos ricos ativos ambientais, matriz energética diferenciada e exemplos que iluminam o horizonte da bioeconomia.
Os desafios impostos às atuais gerações exigem o permanente exercício da resiliência e a urgente reinvenção de nossos hábitos. Uma economia verdadeiramente descarbonizada não será possível se continuarmos a trilhar o mesmo caminho de descaso com a natureza que nos trouxe até a emergência climática que hoje vivenciamos.
A inovação é a via que pode nos levar à realidade de sustentabilidade planetária, requerida como precondição à qualidade de vida das atuais e das próximas gerações.
Como bem alertaram Horacio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski, em artigo recente, “a inovação é o motor do aumento da produtividade, da eficiência no uso de energia e recursos naturais”.
Nesse sentido, o Brasil está de frente para uma enorme janela de oportunidades. Temos em nossas mãos o benefício dos ricos ativos ambientais, além de matriz energética diferenciada. Também temos exemplos consolidados que iluminam o horizonte da bioeconomia.
A experiência do setor de árvores cultivadas é um benchmark mundial. A indústria de base florestal planta, colhe e replanta, comumente em áreas antes degradadas pela ação humana. São 9,5 milhões de hectares de cultivo, cuja produtividade saltou desde a década de 1970, fruto de pesquisa, desenvolvimento e capacitação profissional. Um exemplo é o eucalipto, que saiu de 10 m³ por hectare/ano, desde a década de 1970, e atualmente alcança 35 m³ por hectare/ano, a maior média do mundo.
Em moderna e sustentável técnica de manejo, essas áreas são intercaladas com mais de 6 milhões de hectares conservados, em mosaicos na paisagem. Formam-se verdadeiros corredores ecológicos, o que beneficia o solo, a água e a biodiversidade.
Assim, a indústria de base florestal oferece à sociedade alternativas ambientalmente amigáveis a itens oriundos de matéria-prima de origem fóssil, por meio de embalagens de papel, tecidos, canudos, cadernos, fraldas, pisos laminados, painéis de madeiras, entre outros milhares de produtos. Trabalho no hoje, sem tirar o foco do amanhã.
A celulose solúvel, por exemplo, já é uma realidade. O insumo tem imensa gama de aplicações, mas sua principal destinação é para a fabricação de viscose, alternativa ao poliéster em tecidos. A Bracell, em Lençóis Paulista (SP), expandiu o projeto Star, tornando-o flexível, cujas linhas podem produzir tanto celulose kraft quanto a solúvel. A LD Celulose, joint venture entre a austríaca Lenzing e a brasileira Dexco, também iniciou a operação de sua nova unidade, no Triângulo Mineiro, totalmente voltada para a fabricação de celulose solúvel.
A atuação conjunta com startups representa outra rota para a inovação dentro do setor. A Klabin investiu na startup israelense Melodea. O objetivo é utilizar a nanocelulose para substituir as barreiras de plástico ou alumínio em embalagens de leite ou sucos para torná-las mais recicláveis e biodegradáveis. Já a Suzano está levantando uma planta comercial em parceria com a finlandesa Spinnova, com vistas ao desenvolvimento de fios têxteis a partir da celulose microfibrilada, diminuindo em até 90% o uso de água e químicos.
Este caminho, que conecta meio ambiente à inovação, gera riquezas e oportunidades. O setor de árvores cultivadas é responsável por uma das maiores carteiras de investimentos privados no Brasil.
Há outros modelos de negócios modernos e verdes com potencial de consolidar o País como protagonista desta nova era. No Sul da Bahia, a Symbiosis Investimentos ousou quando decidiu, há mais de uma década, partir para a silvicultura de árvores nativas da Mata Atlântica. Após mais de dez anos de testes, monitoramento e avanços, a companhia já reflorestou cerca de 1.500 hectares com 56 diferentes tipos de espécies. Entre os objetivos estão recuperar áreas e colher madeira nobre nas áreas destinadas para produção.
Com criatividade, somos capazes de preservar a natureza, sequestrar carbono, valorizar e restaurar floresta. Nesse sentido, estão sendo articulados fundos para investir em projetos de restauração de espécies nativas em biomas brasileiros, como a re.green e a Mombak. Além disso, este ano passou a ser autorizada a coleta de sementes, com fins de restauração, em unidades federais de conservação.
Esses são apenas alguns dos exemplos, eis que há outros tantos setores econômicos com semelhante dinamismo para embalar o desenvolvimento verde nacional.
De toda sorte, esse cenário virtuoso depende de avanços na reorganização do País. É preciso rever o caótico sistema tributário e garantir segurança jurídica; os investimentos em educação e ciência precisam ser robustecidos; a infraestrutura de dados tem de avançar, especialmente com a tecnologia 5G; e a pauta do meio ambiente necessita ser tratada como política de Estado.
Com expertise reconhecida, potencial ímpar e uma agenda prioritária bem definida para alavancar um desenvolvimento ambientalmente virtuoso, nosso país tem tudo para se tornar um protagonista da inovação pela sustentabilidade. Que avancemos sem mais demoras e obtusidades rumo a um made in Brazil estrutural e essencialmente verde (Paulo Hartung é presidente-executivo da Ibá e foi governador do Estado do Espírito Santos; O Estado de S.Paulo, 5/7/22)