O cenário mais desafiador do mercado deve levar empresas do agronegócio a um novo movimento de reestruturação neste ano. Consultorias, administradores financeiros, escritórios jurídicos e bureaus de crédito ouvidos pelo Broadcast Agro projetam aumento do número de pedidos de recuperação judicial (RJ) ligados ao agronegócio, sobretudo por grupos agrícolas e varejistas de insumos. O movimento, que não é restrito ao agro, é puxado pela conjuntura de restrição de crédito, juros ainda altos, preços menos atraentes das commodities e uma safra menor.
O mecanismo foi amplamente utilizado pelo setor no início dos anos 2000, com as usinas sucroenergéticas liderando o processo, e depois apresentou estabilidade de 2017 a 2022. Agora, grupos de produção agrícola e revendas de insumos agrícolas de pequeno e médio portes puxam as solicitações. A retomada da participação do setor nas RJs começou no ano passado, quando foram registradas pelo menos um pedido vinculado ao agronegócio por semana, totalizando aproximadamente 50 no ano, estima a consultoria Alvarez & Marsal, que atua como administradora judicial em Rjs.
Jônatas Couri, head da divisão de Agribusiness da A&M, avalia que o movimento no agro é reflexo do ambiente mais desafiador. “Os efeitos do caso Americanas na concessão de crédito foram percebidos por todo o varejo, incluindo o agrícola. Além disso, há muitas recuperações com presença no agro, porque são fornecedores ou compradores, apesar de a atividade da empresa não ser necessariamente atividade agropecuária”, observou Couri.
“Para 2024, vemos ainda grupos de produtores rurais de médio porte recorrendo ao instrumento, em virtude do custo elevado de arrendamento, da queda dos preços de soja e milho e até mesmo de falta de coordenação de funding no curto e no médio prazo. Para revendas, imaginamos ainda ver volume de pedidos de RJs puxado pelo custo dolarizado e pela falta de apoio de crédito”, disse Couri. A A&M detém participação de cerca de 10% nas RJs do agro.
A leitura é compartilhada pela consultoria PwC, que também atua como administradora judicial em RJs, e vê tendência de aumento dos pedidos feitos pelo agro em 2024 como uma alternativa para a reestruturação. “A pressão de mercado e as dificuldades já enfrentadas por alguns setores levarão a movimentos de fusões e aquisições (M&As) para as companhias que possuem ativos atrativos, de redução das operações e de RJs. Contudo, é um instrumento que requer preparação financeira das empresas, porque, apesar da redução das dívidas, limita o acesso a crédito de terceiros e pode levar a falências em casos de baixa liquidez para retomar a operação”, observa o sócio da PwC Brasil Leonardo Dell’Oso.
Para o executivo, a pressão econômica que encarece o custo do capital, reduz as margens de rentabilidade e eleva o nível de endividamento das empresas também contribui para o aumento dos pedidos de recuperações judiciais no setor. “Vejo produtores e grupos de produção agrícola com pressão financeira elevada, o setor de proteína animal ainda com pressão de custos e de consumo e a distribuição de insumos também pressionada por preços mais baixos e volumes menores. Há ainda uma necessidade grande por recursos das usinas sucroenergéticas e de biodiesel”, avaliou Dell’Oso.
A Serasa Experian vê crescentes as RJs de produtores rurais pessoa física, sobretudo de arrendatários de terras, após terem disparado 300% até o terceiro trimestre de 2023 com 80 pedidos protocolados, acompanhando também a maior inadimplência da categoria. Em contrapartida, o volume de pedidos de recuperações por produtores rurais pessoa jurídica ficou praticamente estável até setembro de 2023, com 68 solicitações. Os dados da Serasa são coletados junto aos Tribunais de Justiça dos Estados e o balanço anual será publicado em meados de março.
Head de Ciências de Dados para Agronegócio da Serasa Experian, Frederico Poleto atribui parte do crescimento à modificação na Lei das Falências que permite, desde 2020, que produtores rurais sejam as únicas pessoas físicas que podem recorrer a RJ. “É um instrumento ainda novo para o produtor rural pessoa física, mas que implica uma série de custos para execução”, ponderou. Para este ano, Poleto vê o maior impacto de efeitos climáticos adversos sobre os produtores rurais de menor porte e um alto volume de produtores em situação de inadimplência. Dentre as empresas do setor, que registraram 50% mais pedidos de recuperação, a Serasa viu aumento significativo nos pedidos envolvendo agroindústrias e comércio atacadista.
Sócia da área de Reestruturação do Machado Meyer Advogados, que assessora empresas em recuperação judicial, Renata Oliveira considera que empresas do agro avaliam o mecanismo, com alguns segmentos do setor entrando em crise, devido à maior competição internacional e impacto climático, mas alerta que em muitos casos a situação financeira da empresa não é solucionada via RJ.
Na opinião da advogada, reestruturação de dívida com fornecedores e agentes de crédito, obtenção de recursos via mercado de capitais e recuperação extrajudicial podem ser ferramentas mais eficazes para equalizar crise financeira, especialmente de produtores rurais pessoa física. “A RJ deve ser o último ato. Há o desafio de um novo arcabouço jurídico, seja pelo marco legal dos defensivos, pela reforma tributária, pelo marcos das garantias, mas é preciso olhar para o aperfeiçoamento de práticas contratuais e contábeis”, pontuou.
Entre os riscos da RJ para os produtores rurais pessoa física, Oliveira cita os custos elevados do processo, a morosidade de pelo menos dois anos, a presença de um administrador judicial e olhar dos credores e da Justiça sobre o negócio, a restrição de crédito e de carteira junto aos fornecedores e o fato de que parte do crédito não está sujeito à RJ, tendo alienação fiduciária. “Antes de o produtor recorrer a RJ, existem outros mecanismos adequados. A RJ substitui concordatas, mas não necessariamente será barata, célere e eficiente”, acrescentou. Oliveira também vê espaço para o produtor negociar junto às tradings e indústria, que têm interesse que ele se mantenha com rentabilidade e na atividade. A advogada relatou ter observado aumento no número de empresas do agro e produtores rurais buscando aconselhamento jurídico para reestruturação neste ano (Broadcast, 19/1/24)